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3. A década de sessenta: a aceleração da economia sul-coreana

3.1. Aspectos Gerais do Período

Como diz o título da seção, os anos sessenta foram um período de aceleração da economia coreana. Seja utilizando o modelo etapista de Rostow (1961), seja a abordagem dos “gansos migradores” de Akamatsu (1962), ou seja, a teoria sistêmica de Arrighi (1997). O fato é que a partir de 1961 a Coréia do Sul em boa medida segue os passos do Japão, evidente que Arrighi credita o “milagre” do Leste asiático como sendo um fenômeno essencialmente japonês. O fato é que o reconhecimento do posicionamento da Coréia do Sul na fronteira do núcleo orgânico, feito pelo próprio Arrighi demonstra simultaneamente a solidez do projeto coreano e a das teses daquele autor.

Segundo Woo (1991) a Coréia do Sul possuía três dos quatro pré-requisitos para o take- off proposto por Rostov, a saber: (a) capacidade tecnológica (com sua mão-de-obra qualificada, e uma capacidade pouco usual para absorver tecnologias, quando comparada a outros países em desenvolvimento); (b) um emergente setor manufatureiro (liderado nos anos 1960 pela indústria têxtil); (c) a existência de uma forte liderança política (personalizada na figura do General Park Hee). O quarto pré-requisito estava, porém, por ser construído: um mercado financeiro. Para obtê-lo, diversas reformas tiveram de ser implementadas.

De acordo com Eckert et alli (1990) o período pré-eleitoral às eleições de 1960 já mostravam a crescente impopularidade do presidente Rhee e do seu partido Liberal. Assim, chegado o momento eleitoral o Presidente Rhee utilizou de diversas práticas ilegais para garantir um resultado favorável. Parte da sociedade não aceitou as fraudes. Como reação, começaram a eclodir em todo o país demonstrações de insatisfação por parte da juventude, principalmente a universitária. Inicialmente, as forças policiais reprimiram as manifestações de massa. Como os regimes de força costumam produzir cadáveres, na Coréia não foi diferente. A descoberta do corpo de um estudante jogado ao mar ensejou uma escalada crescente de manifestações públicas – e as forças armadas recusaram-se a apoiar o governo. Era o início da Revolução de abril. De fato, já em 15 de julho uma recém-eleita Assembleia elegeu, em sessão conjunta, Yun Po-sun o Presidente da Segunda República Coreana, que colocou imediatamente o Dr. Chang Myon como Primeiro Ministro.

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De fato a Segunda República teve a duração dos fogos de artifícios. O fundo político da Segunda República era, a bem dizer, muito semelhante com o do regime anterior. O Partido Democrático substituiu o Partido Liberal – mas em curto espaço de tempo se tornaria óbvio que nenhum dos dois seria suficientemente forte para se manter no poder. Uma aliança entre reformistas moderados e radicais, incluindo socialistas, professores, estudantes, intelectuais e sindicalistas foi feita, de forma que Chang foi removido do poder em 16 de maio de 1961, sendo substituído por uma junta liderada pelo General Park Hee. Tem inicio o prussianismo coreano. Um regime forte aproveita a adesão de setores da sociedade para implementar um rápida política de crescimento e desenvolvimento econômico. A Coréia, apesar de todo anticomunismo da grande maioria de seus líderes, acrescentou ao modelo prussiano, a teoria e a prática dos Planos quinquenais.

Assim que toma o poder, o Comitê Militar Revolucionário (posteriormente denominado de “Conselho Supremo para a Reconstrução Nacional”) anunciou um programa em seis frentes: (a) combate ao comunismo; (b) respeito à Carta das Nações Unidas; (c) estreitamento dos laços com os Estados Unidos e “outras nações livres”; (d) combate à corrupção; (e) estabelecimento de uma economia autossustentável; e (f) aumento dos esforços para a reunificação do país tão logo a “missão revolucionária” estivesse completada.

Segundo Woo (1991), de início, os militares consideraram que a sua “missão” limitava-se a restabelecer a ordem. Mas, assim que a junta sob o comando de Park Chung Hee tomou o poder, todos aqueles que apoiaram o regime anterior (considerado corrupto ou desqualificado) foram removidos de suas antigas funções. Em seguida, em junho de 1961, a Agência Central de Inteligência da Coréia (KCIA)45 foi criada com intuito de prevenir um contra-golpe e “oprimir todos os inimigos potenciais”. A Assembléia Nacional foi dissolvida e os oficiais militares substituíram civis em cargos da alta burocracia. Uma nova Constituição foi aprovada e um referendum nacional foi promulgado para Dezembro de 1963, marcando o início oficial da Terceira República Coreana, tendo o General Park Hee no comando supremo.

A aceitação do regime militar do General Park Chung pelos EUA não foi imediata, nem pacífica. No início, os americanos, pensaram que o general Park Chung-Hee poderia ser um comunista, depois apenas um meliante, em seguida, um nacionalista, para finalmente concluírem

45 Qualquer semelhança de nomenclatura, conceitual ou de ação com a Agência Central de Inteligência (CIA) dos

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que o novo mandatário da Coréia era além de nacional, um empreendedor político aliado do Ocidente capitalista. Além disso, o General tinha um adequado sentido do uso do poder, uma grande sensibilidade para o “timing” correto da ação política e alguém talhado para o impulso modernizante seguro da Coréia do Sul. (Woo, 1991: 79).

Com ampla aceitação interna e externa, em outubro de 1964 o General Park deligou-se das forças armadas e concorreu a eleições presidenciais, sendo democraticamente eleito Presidente da República. Na eleição subsequente para a Assembleia Nacional, em novembro, o partido do Presidente teve expressiva vitória, criando o suporte político necessário ao novo regime. O Presidente Park Chung seria reeleito Presidente em 1967; e novamente em 1971, permanecendo no poder até 1979, quando foi assassinado.

3. 2. A Questão do Financiamento da Produção nos anos sessenta

Seguindo plano histórico proposto por Brown (1973), pode-se observar que em 1961 ocorreu a criação da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas. Apesar do fato de que no inicio os níveis de inadimplência fosse bastante alto de forma que a instituição não funcionou de forma adequada, a Federação se tornaria a mais importante fonte de crédito agrícola ao longo dos anos. No mesmo ano ocorre a criação do Banco da Indústria Média. Semelhante aos bancos comerciais, em suas funções, aquele Banco tinha por objetivo conceder crédito para as pequenas e médias empresas.

Em 1962, a legislação reguladora do Banco Central Coreano foi revisada de forma a passá-lo para o controle direto do Ministro da Fazenda. Em Junho do mesmo ano foi realizada uma reforma monetária, transformando dez hwan igual a um won. Limites foram estabelecidos para a conversão (500 wons). A reforma foi rapidamente desconstruída, pois em Julho do mesmo ano, todas as medidas (à exceção da mudança no padrão monetário) foram revertidas. A reforma, ao invés de combater a inflação, como pretendido, contribuiu para acelerá-la (uma vez que houve uma fuga da moeda para ativos fixos). Houve queda do ritmo de atividade e redução da confiança no governo. A Lei de Valores Mobiliários e Câmbio foi estabelecida em 1962 quando a Bolsa de Valores da Coréia foi reorganizada.

Em setembro de 1965, o Comitê de Política Monetária anunciou uma nova política de juros, ou seja, os juros nos empréstimos bancários foram aumentados para 26% ao ano, sendo que

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os bancos pagariam 2,5% de juros ao mês para os depósitos com prazo de 18 meses. Antes de setembro de 1965, os juros sobre depósitos eram pagos de forma trimestral ou semestral.

Em 1966 foi criada a lei de fomento ao capital estrangeiro que determinava o seguinte: (a) proibição de quaisquer requerimentos de participação de capital nacional; (b) a provisão de responsabilidade do governo em caso em que uma firma estrangeira financiada entrasse em default; (c) limites nas garantias oferecidas pelo governo em geral de forma que o serviço dessas dívidas não poderia exceder 9% das receitas anuais em moeda estrangeira (dessa forma assegurando o valor da garantia); (d) o estabelecimento de uma estrutura crescente de isenções de taxas e tributos para as firmas e investidores estrangeiros.

Em 1967 foram criadas as seguintes instituições financeiras: (a) o Banco de Câmbio da Coréia (KEB) como uma entidade separada do Banco Central Coreano (BOK). Entretanto, como o BOK dispunha das ações do KEB, a mudança teve pouco efeito prático; (b) Foi criado o Banco Fiduciário da Coréia (KTB) pela unificação dos departamentos dos cinco maiores bancos comerciais da nação; (c) foi criado o Banco de Habitação da Coréia para estender crédito para o setor de construção e compra de moradias, assim como para aquisição de material de construção; (d) foi permitido a um número limitado de bancos estrangeiros atuarem no país a partir de 1967, sob controle e fiscalização do governo coreano.

Segundo Cole & Park (1983) nos anos sessenta foram realizadas importantes reformas, incluindo o retorno dos bancos privados à propriedade do governo (estatização); a criação de novas instituições bancárias e não bancárias; uma reforma monetária, mais importante, a reforma dos juros em 1965. Paralelamente a esse conjunto de reformas, o Governo fomentava o Mercado de Capitais.

No início dos anos sessenta, as perspectivas de constituir um Mercado de Capitais que tivesse um papel relevante na mobilização de recursos eram remotas. Como é comum em países periféricos e semiperiféricos, havia poucas ações de qualidade disponíveis no mercado. As firmas eram frequentemente administradas pelas próprias famílias e temiam ir ao público com receio de perda do controle gestionário da corporação.

Existia, também, a desconfiança de que, uma vez aberto o capital, ocorreria maior controle sobre práticas contábeis de apreciar o patrimônio das empresas. Some-se a isso o fato de que outras oportunidades de aplicações financeiras estavam disponíveis para as firmas, tais como o investimento no mercado imobiliário ou nos mercados informais dos recursos excedentes.

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O governo diante deste quadro resolve tomar medidas saneadoras, em particular, foram tomadas medidas para fomentar o mercado de capitais, porém a maioria, não alcançou êxito.É somente depois de implementado o Segundo Plano Quinquenal (1967-1971) que se tornou evidente para o governo que medidas mais enérgicas precisavam ser tomadas, já que seria difícil continuar se baseando exclusivamente no crédito bancário e nos empréstimos estrangeiros para financiar todas as demandas financeiras necessárias ao padrão de crescimento industrial a que se buscava.

Apesar dos esforços empreendidos, do ponto de vista prático, após quatro anos da criação da Lei de Fomento ao Mercado de Capitais, apenas 32 firmas haviam listado suas ações em Bolsa de Valores e o valor das ações cresceu apenas 80% durante o período 1968-72. Com o desequilíbrio entre oferta e demanda a composição do índice das ações mais do que dobrou, mas os dividendos representaram apenas 20% deste valor.

Do que foi argumentado acima, percebe-se claramente, que até os primeiros anos da década de setenta, as empresas coreanas basearam-se fortemente em empréstimos bancários e créditos externos para financiar suas dívidas. No que se refere às ações, emissões primárias raramente eram levantadas em oferta púbica.

De todo modo, é fato que as reformas financeiras postas em prática nos anos sessenta propiciaram um significativo aumento no montante de empréstimos concedidos pelos bancos. Somados os empréstimos do Banco de Desenvolvimento Coreano (KDB) com o dos bancos comerciais e dos bancos especiais verifica-se um aumento de 29% nos empréstimos totais no primeiro ano após o golpe militar (1962/1961). No desenrolar dos dois primeiros Planos Quinquenais, os empréstimos apresentam crescimento substantivo. Quando se considera o período inteiro, os empréstimos totais crescem de $52.3 bilhões em 1961 para $ 1.077,0 bilhões em 1971; ao mesmo tempo, as garantias aumentaram de $ 1,6 bilhões para $ 1.048,7 bilhões no final do mesmo período (Cole & Park, 1983, p. 62-64).

Segundo Cole & Park (1983) é perceptível inferir um grande crescimento dos depósitos no sistema bancário após 1965. Neste ano, as taxas de juros foram elevadas drasticamente. De fato, as taxas anuais médias reais para depósitos de longo prazo passaram de 17 por cento negativas (-17,0%), em 1964, para 17,1 por cento positivas em 1966. Por sua vez, as taxas sobre empréstimos nos bancos comerciais, transitaram de menos 16 por cento em 1964, para mais 15 por cento em 1967, deflacionada pelo deflator implícito do PIB coreano.

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A reforma mais importante durante os anos 1960, junto com a nacionalização dos bancos, foi, sem nenhuma dúvida, a reforma das taxas de juros feita em setembro de 1965. A partir deste ano, as taxas nominais em empréstimos de banco foram estabelecidas de forma a serem de 2,5% mensal para depósitos a prazo de dezoito meses, a saber, as seguintes taxas anuais: 30,0% de juros simples ou 34,5% de juros compostos cabe lembrar que a prática de juros simples era muito comum até 1968.

Contudo, e esta compreensão dos fatos históricos é fundamental, é absolutamente equivocada a tese de que, porque aderiu à proposta da reforma das taxas de juros, o governo tivesse adotado uma orientação financeira liberal. Ao contrário, o sistema financeiro coreano permaneceu sempre sob controle estrito do governo após a Reforma de 1965. Para entender esta posição política aparentemente paradoxal é preciso entender o prussianismo coreano, o caráter do regime militar do General Park e as origens sociais daqueles que ocupavam o poder, ou seja, eles eram homens de origem camponesa e conviveram com oficiais ultranacionalistas japoneses na década de 1930. A maioria daqueles camponeses, mesmo depois de poderosos, tendia a suspeitar dos muitos ricos, e de um espírito demasiadamente burguês. Quando urge a necessidade de mobilização de recursos internos, eles insistiram que os cidadãos ricos podiam pagar e eles pagaram. (Woo, 1991: 81)

Por outro lado, o conhecimento histórico dos resultados das reformas encetadas nos anos cinquenta permanecia vivo. Na década de cinquenta, as reformas levaram a um processo de aquisição dos bancos comerciais por um pequeno grupo de Chaebols, de modo que os benefícios esperados com a liberalização, tais como o aumento da oferta de ativos financeiros a baixos custos não aconteceram. Para os formuladores das politicas econômicas era necessário não repetir aqueles erros do passado. A experiência histórica, isto é, a memória da frustração com o processo vivido nos anos cinquenta, reforçou a posição de que cabia ao governo, e não ao setor privado, ávido de lucros fáceis, controlar as finanças do país. Por isso, apesar de os conselheiros norte- americanos Hugh Patrick, Edward Shaw e John Gurley advogarem em favor de um programa mais amplo de liberalização, a elevação dos juros e o estabelecimento de algumas mudanças no Banco Central coreano foram as únicas reformas aceitas pelo governo coreano (Woo, 1991, p. 103)

O catastrofismo – dos operadores de mercado e, principalmente, dos assessores econômicos norte-americanos sempre “preocupados” com o destino dos povos dos países

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periféricos – não aconteceu, ou seja, as pessimistas previsões de que, ao contrário da intenção do governo, o nível mais elevado de taxas de juros conduziria a falências, redução do crescimento, à inflação, via pressão de custos e a outros resultados indesejados não se concretizaram. No ano seguinte ao da reforma, houve crescimento dos empréstimos domésticos e externos. Por sua vez, o emprego aumentou, e a produção industrial cresceu 25%. A reforma foi, ao contrário, do que muitos previram um estrondoso sucesso. A Coréia do Sul cresceu mais do que no período anterior e as previsões de aumento da inflação e da inadimplência simplesmente não ocorreram.

De acordo com Cole & Park (1983), os depósitos a prazo e de poupança, representados pelo sistema bancário com os do KDB e das instituições de poupança elevaram-se em quase 50%, considerando os três meses finais de 1965; em 110 % em 1966; em 80 % em 1967 e em 100% em 1968 (a preços constantes deflacionados pelo índice de preços por atacado). Foi, de fato, somente depois de 1968 que estas taxas retardaram seu vertiginoso crescimento. É também no final da década de 1960 que o déficit de transações correntes começa a se acelerar.

De fato, a deterioração das contas externas (puxada pelo rápido crescimento e pela manutenção de juros muito elevados) acentuou-se na virada para os anos 1970 pela crescente necessidade de importar grãos e alimentos, dados à escassez de gêneros alimentícios vivida no país. O relativo atraso do setor agrícola (e o hiato existente entre a renda na agricultura e no setor industrial) associado à existência de gargalos no setor de transportes e comunicações e ainda à perda de competitividade nas exportações devido ao crescimento do salário real contribuíram todos para agravar as contas externas e gerar uma crise cambial em 1971.

3.3. O Primeiro Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico (1º PQDE)

O período que se estende de 1961-1971 corresponde a dois Planos Quinquenais de Desenvolvimento Econômico. No primeiro (1962-66), o crescimento médio verificado foi de 8,3%; enquanto no segundo (1967-71) foi de 11,4% (Korean Overseas Information Service, 1973). Para muito além do que os economistas chamam de crescimento, ocorreu uma autentica transformação na economia coreana.

A Tabela 4 mostra que enquanto as atividades primárias diminuíam seu peso no PNB em 11,8% e crescia apenas em 5,1%; as atividades industriais aumentavam seu peso relativo no PNB de 32,5%, e crescia em 14,2%, isto significa que a economia trocou (trade-off) atividades