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No meio acadêmico nacional e também na imprensa ― formada por “jornalistas de saber enciclopédicos” rios de tinta e toneladas de papel foram (e são) gastos nas discussões sobre a natureza e o caráter do estatismo brasileiro. Caráter talvez, natureza não. Os seres, sejam humanos ou organizacionais, possuem história e não natureza8. No caso do Brasil os defensores do Estado, colocam-no em um altar laico, porém de mentalidade semi-religiosa. Esta construção humana, temporal e (talvez) transitória é, então, considerada como o grande herói da Nação, equivalente sobre-humano de personagens como Tiradentes e Caxias, nossos mitos fundadores da República. Por outro lado, os críticos da ação estatal classificam o Estado brasileiro como o grande vilão responsável por todas as mazelas nacionais (uma espécie de Mephistopheles9 ou

Mephisto10 só encontrados materializados como “corpus” não ficcional nas partes média e inferior do Sistema-mundo). Chega-se ao ponto de um estadista recente, em um ímpeto de ultra- radicalismo liberal, propor e em parte executar o “desmonte” do Estado, argumentando ser este o caminho para levar o Brasil e os brasileiros (todos os brasileiros) para a esfera luminosa do

8 O homem não tem natureza, o que tem é história; porque história é o modo de ser de um ente que é constitutivamente, radicalmente, movimento e mudança. E por isso não é a razão pura, eleática e naturalista a indicada para entender o homem [...] O homem é "um desconhecido" e não é nos laboratórios onde será identificado. Tem começado a hora das ciências históricas! A razão pura tem que ser substituída por uma razão narrativa. O homem é hoje o que é porque ontem foi outra coisa. Ah! Então, para entender o que hoje é basta com que nos contem o que foi ontem. Basta com isso e aparece transparente o que hoje estamos fazendo. E essa razão narrativa é "a razão histórica" (ORTEGA y GASSET, 1983: 121-122).

9 Mephistopheles (Mefistófeles) é um demônio, ou mais exatamente um funcionário daquele, presente no folclore

alemão. Suas origens de perdem na lenda do “Faustus” e em “The Tragical History of Doctor Faustus” e, é recuperada na obra “O Fausto” de Goethe.

10 Mephisto (Mefisto) é lembrado aqui como um personagem de ficção moderna, veiculada em quadrinhos (Comics)

norte-americanos e que tem como principal inimigo um motoqueiro. Aliás, a Motocicleta é um excelente indicador de um tipo de “modernidade” brasileira substitutiva do cavalo.

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“primeiro mundo” (núcleo orgânico do capitalismo). Os indicadores sociais e econômicos brasileiros do período 1995-2003 mostram completo insucesso.

Ambos os grupos de desenvolvimentistas e liberais e seus subgrupos exageram na paixão de suas crenças a favor e contra o papel e a real magnitude da interferência do Estado brasileiro. A maioria dos intelectuais e políticos brasileiros age como os torcedores de clube de futebol, que encaram seus times com uma paixão infrene, irracional e, algumas vezes, irresponsável. Porém há uma diferença fundamental, os torcedores são capazes de vaiar seus times, enquanto os intelectuais e políticos, em geral, são incapazes de observar falhas nas suas teorias, crenças e dogmas. Fato indiscutível é que no Brasil o futebol permeia toda nossa cultura, incluindo a cultura política. A verdade é que os desenvolvimentistas e os neodesenvolvimentistas negam-se ao trabalho de uma análise em profundidade onde possa ficar claro as alianças que inviabilizaram o Estado de completar o desenvolvimento capitalista no Brasil, além, fato mais grave, de que o Estado transformou-se em uma estrutura corporativa, engessada e autoritária. Por sua vez, os liberais e neoliberais “esqueceram” (psicanalítica e historicamente, na medida em que toda memória é seletiva) o que seria o Brasil sem o concurso e as ações do Estado. Ou será que o Modelo Ricardiano de Comércio Internacional, onde o país A produz café e o país B produz computadores, ambos em perfeito equilíbrio não merece uma revisão econômica e historiográfica? O que deve significar para nossos liberais, com ou sem o prefixo “neo”, o refrão de “destruir a herança varguista”; como reformar o Estado sem implodir as alianças e a promiscuidade público-privada que produziu uma “modernização restringida”, uma semi- cidadania e uma desigualdade social e regional persistente e, quando muito, lentamente mutável.

É fato histórico indiscutível que toda industrialização retardatária se deu com grande participação estatal. Se a Alemanha deu o exemplo, os países que vieram depois não puderam fugir a esta regra. Nos casos dos países do capitalismo tardio (situados na periferia) a necessidade foi imperiosa.

Fiori (1990) citando Gershenkron (1952) argumenta que essa presença ativa e expansiva do Estado deve ser considerada uma característica comum a todos os países capitalistas com estados nacionais e desenvolvimentos econômicos tardios. Na realidade, após a experiência alemã, e pode-se acrescentar a japonesa, desconhecem-se casos de industrialização acelerada que tenham ocorrido fora da responsabilidade e do poder regulador estatal, incluindo-se o que o Estado tem de mais importante, isto é, o monopólio legitimo da força contra as classes

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subalternas, mas, também, em uma certa gradação aceitável contra os recalcitrantes das classes dominantes, e acrescenta:

Ainda que se diferenciem quanto à importância do capital estrangeiro e ao ímpeto monopolizante dos capitais nacionais. Em todas elas coube ao Estado, como no Brasil, além de suas funções clássicas, o papel de construtor de infraestrutura, produtor de matérias-primas e insumos básicos, coordenador dos grandes blocos de investimento e de importante instrumento de centralização financeira. (FIORI, 1990: 289).

Não é possível apoiar as tentativas de alguns autores de fazer a discussão tendo como base a oposição Estado forte versus Estado fraco, mas avança-se muito pouco ao se afastar daquela polarização e propor uma alternativa norteada por uma complexidade ao nível das relações de classes como sugere Angelina Matos Souza:

[...] compreender o estado como uma instituição política cuja a cúpula é atravessada por disputas existentes dentro da sociedade, e que vão delimitando o campo de ação estatal ao mesmo tempo em que são criadas/impulsionadas por essa. Ou seja, ao mesmo tempo em que as disputas deste ou daquele setor ganham existência política [...]. (SOUZA, 2009: 36).

Mesmo permeados pelos mais conflitantes interesses entre classes sociais opostas e antagônicas, e dentro do próprio bloco hegemônico, fato que dispensam novas polemicas, fato é que o Estado globalmente representa os interesses históricos e permanentes das classes dominantes. Uma argumentação em contrário colocaria o Estado como um ente acima das classes sociais. Entretanto, pode-se concordar com Souza quando a autora apoia-se nas formulações de Evers sobre o conceito de inversão do papel do Estado na periferia:

A função do Estado burguês de representar o capital nacional para fora frente a outros competidores no mercado mundial se inverte então: a ‘garantia de existência e expansão do capital nacional ao mercado mundial’ passa a ser: garantia da existência e da expansão dos interesses do capital estrangeiro no espaço econômico periférico. (EVERS, 1985: 97 apud SOUZA, 2009: 39).

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Concordar que o Estado na Periferia e na Semiperiferia desempenha o papel de garantidor das condições de acumulação global beneficiadora do capitalismo central não significa apoio à tese da inversão. Na verdade o Estado age de acordo com a lógica maior de efetivar a acumulação privilegiando os pólos mais fortes. O caso do Estado de caráter prussiano como colocado por Fiori (1995) rompe com a lógica tradicional desde o exemplo alemão.

A grande maioria dos historiadores econômicos e sociais, desde Fernand Braudel até Eric Hobsbawm, passando por Christopher Hill, Rodney Hilton, Robert Brenner e Ellen Wood, entre tantos outros, constataram um papel sempre maior do Estado na realização da acumulação e centralização dos capitais. Qualquer observação superficial mostra, também, que as respostas dos Estados da Europa e da América Latina se orientam como manifestações semelhantes: crescente participação do Estado nos fluxos reais da economia; aumento da ação estatal nas atividades diretamente produtivas; e ampliação de seu papel no sistema monetário financeiro.

Por outro lado, não é possível discutir desenvolvimento industrial sem investigar a questão da revolução burguesa e suas variantes. O conceito de revolução surge no século XVI, vindo originalmente das ciências naturais, sobretudo da astronomia, foi utilizado para caracterizar o movimento cíclico de rotação dos corpos celestes. No século XVII adquiriu conteúdo político passando a significar mudanças, ou melhor, retorno a um estado precedente, a uma ordem anterior que havia sido perturbada. Assim, para a historiografia conservadora que trata da Revolução Inglesa (1640-1688) caracteriza a mesma como o final de uma era de guerra civil e de turbulências e a restauração da estabilidade monárquica.

Portanto, a palavra foi inicialmente usada não quanto àquilo que denominamos revolução que rebentou na Inglaterra, e Cromwell assumiu a primeira ditadura revolucionária, mas, ao contrário, em 1660, após a derrubada do Parlamento, e por ocasião da restauração da monarquia. Precisamente com o mesmo sentido, a palavra foi usada em 1688, quando os Stuarts foram expulsos e o poder real foi transferido para Guilherme e Maria. A revolução Gloriosa, o acontecimento em que, muito paradoxalmente, o termo encontrou guarida definitivamente na linguagem histórica e política, não foi entendido, de forma alguma como revolução, mas como uma reintegração do poder monárquico à sua antiga glória e honradez. (ARENDT, 1988: 34).

Opinião diferente, e aceita por este trabalho, é a desenvolvida pelo maior estudioso do assunto, o historiador marxista inglês John Edward Christopher Hill, particularmente na obra “A

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Revolução Inglesa de 1640”. Hill demonstra que a Revolução Inglesa foi tipicamente uma revolução burguesa que constituiu uma das principais pré-condições para o surgimento da Revolução Industrial pioneira e pelo advento do capitalismo industrial moderno. A obra aborda fatos essenciais para o entendimento do surgimento da burguesia, onde se constata a colaboração no Parlamento entre a monarquia Tudor, a pequena nobreza e a burguesia unidas por interesses comuns contra os inimigos internos (guerras privadas) e contra os inimigos externos a (Espanha e a Igreja Católica Internacional). Dessa forma a burguesia necessitava de uma proteção monárquica e a Monarquia dependeria dos empréstimos feitos junto à burguesia para manter o próprio poder e separar a Inglaterra do domínio católico com a finalidade de fundar o anglicanismo. Assim, houve uma adaptação conciliadora durante a dinastia Tudor. Entretanto durante a dinastia Stuart, os quais são representantes do catolicismo apostólico romano, a conciliação entre burguesia e monarquia será quebrada, visto que esta dinastia não respeitou os direitos consuetudinários. Contudo vai se destacar, também, uma classe burguesa mais definida e cristalizada a qual não aceitara tais políticas impositivas.

De todo modo é a partir da Revolução Francesa de 1789 que o termo passou a ter um significado histórico-político determinado, adquirindo o caráter de mudança brusca, de ruptura drástica, súbita, convulsiva, insurrecional, concentrada num curto espaço de tempo, que subverte a antiga ordem ou "estado de coisas reinante e constrói outra, radicalmente nova”.

Fato historicamente indiscutível é de que durante todo o século XIX continuaram ocorrendo revoluções democrático-burguesas, como a alemã de 1848. Porém, a burguesia é cada vez menos revolucionária. Ela se atemoriza ante a mobilização popular e tenta mudar o caráter da sociedade e do estado por vias cada vez mais reformistas, não se apoiando na mobilização do povo e sim pactuando com as classes feudais. A experiência francesa criou na burguesia uma doença que pode ser conceituada como “síndrome do pânico da agregação das massas trabalhadoras”. Surge, assim, na Alemanha, um novo regime: o de Bismarck, que estabelece alianças entre a burguesia alemã e os príncipes feudais, os "junkers". Faz concessões aos dois lados, contudo, sempre com a finalidade de uma Alemanha unificada e capitalista. Não procura destruir física e politicamente os nobres, como fez a revolução francesa, e sim convertê-los em grandes capitalistas. Para frear alguns ímpetos exagerados de setores burgueses, o bismarckismo faz concessões e pactos inclusive com a classe operária e seus partidos, utilizando-os como contrapeso aos excessos da burguesia.

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O caso alemão é, sem dúvida, exemplar. Ao discutir os limites da hipótese prussiana, Fiori (1990) primeiro argumenta que Lênin compreendia o modelo prussiano como uma forma de transformação do campo feudal em desenvolvimento capitalista, ou seja, uma transição lenta da exploração feudal em exploração burguesa sem rupturas para em seguida nos lembra de que:

Engels (1951), muito antes, em seus trabalhos sobre a Revolução e Contra-Revolução na Alemanha, foi bem além ao definir os traços fundamentais da especificidade prussiana, sublinhando as condições políticas do atraso alemão frente ao desenvolvimento econômico inglês e ao desenvolvimento social francês. Engels já percebe em sua obra, na metade do século passado, a importância da nobreza feudal na constituição da burguesia e das demais classes componentes da sociedade alemã, concluindo que "(...) a composição das diferentes classes do povo que formam a base de todo o organismo político é mais complicada na Alemanha que em qualquer outro país" (Engels, 1951, p.205). O atraso, a resistente nobreza feudal, a situação geográfica desfavorável e as guerras continuadas estiveram, segundo ele, na raiz de porque "(...) o liberalismo político, o regime da burguesia, seja sob a forma de governo monárquico ou republicano, foi impossível na Alemanha" (Engels, 1951, p.300). Por esses motivos, a burguesia alemã não alcançou a mesma supremacia política lograda na Inglaterra e na França, sendo obrigada a uma aliança com a nobreza agrária, da qual resultou uma evolução "progressiva" das relações de produção, uma evolução "desde cima" ou" pelo alto" como a chamaram mais tarde. (FIORI, 1990: 44).

Ainda segundo Fiori (1990), desse modo, identificar a industrialização brasileira com a via prussiana de desenvolvimento capitalista é um equívoco que esquece diversas e importantes especificidades econômicas da industrialização alemã da segunda metade do século XIX, tais como: (a) o setor responsável pelo comando da acumulação de capital ter sido, desde o começo a indústria pesada e não a de bens de consumo; (b) a indústria surge nacionalizada, monopolizada e atuando no topo da tecnologia da época, ou seja, eletricidade e aço e não têxtil; (c) aquela indústria, além do seu peso em termos de valor agregado e efeitos encadeantes, foi constituída em um forte modelo de integração, tanto horizontal, quanto verticalmente, articulada pelo capital financeiro enquanto fusão do capital bancário com o capital industrial; (d) aquela industrialização retardatária acontece em uma conjuntura de intensa competição entre as potências imperialistas e de exacerbada expansão militarista que inclusive desembocará na Primeira Guerra Mundial, seria impossível concebê-la sem uma vigorosa coordenação do Estado centralizado; por último, mas

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não sem importância, se articulou diretamente com o Estado via produção de material bélico, com vistas a um projeto imperial e a um enfrentamento previsível com a hegemonia inglesa.

Fiori (1990: 41) buscou na média duração (período de descontinuidades dentro de uma dada continuidade que não altera substancialmente a estrutura) da história brasileira o que seria especifico na trajetória desta sociedade para a modernidade urbano-industrial. Especificidade esta, segundo Fiori, sintetizada na esquizofrenia de uma política econômica que corporifica os acordos e compromissos que construíram uma relação perversa que liga umbilicalmente, desde os anos 30, o Estado com a burguesia nacional. Alianças pétreas que distanciaram o país de um modelo de industrialização orientado pelo Estado e centrado em objetivos estratégicos de longo prazo para um desenvolvimento independente e sustentado, ao invés de uma “opção desenvolvimentista" alavancada por um Estado que nunca conseguiu ir além dos limites que lhe foram impostos por um empresariado que, contraditoriamente, conseguiu ser profundamente antiestatal, não obstante sua longa história de anemia schumpeteriana e dependência do próprio Estado.

Segundo Fiori (1995) a sociedade brasileira perdeu duas oportunidades históricas de reduzir a vulnerabilidade externa, adquirindo maior autonomia. Foram as possibilidades de uma via autenticamente prussianas perdidas no período Vargas e no Governo Geisel. Na verdade o que Fiori destaca são chances de implementação da indústria de bens de capital de ponta sob controle nacional.

2. 1930: Estado, economia e industrialização restringida

1930 é sem dúvidas, um marco referencial na mudança do padrão de acumulação capitalista no Brasil, assim como na redefinição do papel do Estado no sentido de alavanca para o desenvolvimento de uma economia urbano-industrial.

Os anos trinta do século XX representam uma crise de hegemonia11 do modelo

primário-exportador e das elites paulistas. Contudo, os segmentos vitoriosos – segmentos do

11 O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos

grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica; não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica. (Gramsci, 2004, p. 1591).

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agrarismo não exportador, frações das classes médias urbanas e a incipiente classe industrial – não possuíam capacidade política, programática e operacional para formar um novo bloco histórico e uma nova hegemonia. Neste contexto residia o grande impasse de 1930.

Entre as diversas interpretações da “Revolução” de 1930 no Brasil, duas se destacam. A primeira apresentada e defendida pelo marxismo oficial tem em Sodré (1964) seu principal porta-voz. Para esta corrente ocorreu uma revolução burguesa, com a tomada do poder e do Estado pela burguesia urbano-industrial em luta contra os setores atrasados da agricultura de exportação, ou seja, a dualidade arcaico-moderno é finalmente vencida pelo setor progressista da sociedade. Desta forma, todas as qualidades positivas estavam com a classe dos capitalistas industriais aliada, portanto, dos trabalhadores em uma revolução democrático-burguesa, fase preliminar de uma revolução socialista. É evidente que aqui se está diante de uma cópia piorada dos modelos marxistas interpretativos das revoluções burguesas européias. Mais especificamente tem-se uma transposição mecanicista e a-histórica das teses de Lênin sobre a Revolução Russa. Uma leitura, transformada em práxis, que nega completamente o espírito do marxismo.

A interpretação alternativa situa-se no campo do marxismo não oficial e parte do pressuposto de que havia um discurso elaborado e amplamente divulgado pelos “vencedores”, onde os Tenentes e os industriais paulistas aparecem sozinhos em cena. O que este discurso não previa e não reconheceu é que os Tenentes de 1930 se transformaram nos Generais de 1964. Segundo De Decca (1981) o acontecimento mais notável deste período situa-se em 1928 quando o Partido Comunista compreende que há um acirramento da luta de classes12 e cria o Bloco Operário Camponês (doravante, BOC), contudo a força política do BOC era pequena e dentro do tabuleiro político engendrado pelas oligarquias brasileiras não havia espaço para expressão de uma força estranha aos seus interesses. A reação não se fez esperar. Os capitalistas industriais paulistas criaram imediatamente o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP), embrião da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). A “Revolução” de 30 foi desse modo, um golpe preventivo contra as classes trabalhadoras.

É importante destacar a superficialidade das análises que colocam a burguesia industrial como economicamente irrelevante ou sem articulação política efetiva. Mesmo que as aparências levem a tal compreensão, aqui como quase sempre a “aparência difere da essência”.

12 Mesmo com o aumento do antagonismo de classes, nem o autor deste trabalho, nem De Decca defendem que havia

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Seguindo a proposta interpretativa de De Decca é correto periodizar a “revolução burguesa” brasileira como iniciada em 1928 e completada em 1937.

O fato é que a combinação da crise interna, isto é, esgotamento do pacto da primeira República e disputa por participação dos setores não vinculados ao modelo primário-exportador com a crise externa, ou seja, a Grande Depressão de 1929-1937 gerou um vácuo de poder que teria que ser resolvido. Quem efetivamente vai preencher o vácuo de poder e ser a principal beneficiário do movimento de 30? A burguesia industrial. Na verdade uma análise mais atenta indica que a classe industrial tinha uma estratégia de conquista de hegemonia que se realiza pelas táticas de ocupação de espaços dentro do aparelho do Estado. As lideranças empresariais ocuparam as principais cadeiras em órgãos e agências do Estado, tais como o Conselho Federal de Comércio Exterior e o Conselho Técnico de Economia e Finanças.

Segundo Diniz (1978) a burguesia industrial fez dois movimentos estratégicos fundamentais, além do “entrismo” no Aparelho de Estado, a saber: (a) elaborou através de seus intelectuais orgânicos um programa industrialista; e, (b) construiu um discurso ideológico próprio e “universal”, onde o desenvolvimento confundia-se com a industrialização. É este discurso a principal alavanca da “revolução burguesa”. É preciso registrar que parte significativa da