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3. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

No Brasil somente após a proclamação da república foi adotado o controle jurisdicional de constitucionalidade dos atos normativos. Na fase monárquica, embora existisse a previsão de superioridade da constituição com relação à legislação ordinária (CF/1824, artigo 15, inciso IX), não havia previsão de referido controle.

Um bom exemplo para tanto oferece a Constituição do Império do Brasil de 1824. Sabidamente não havia previsão de controle judicial de constitucionalidade, mas mesmo a Constituição era vista como superior à legislação ordinária e o Poder Legislativo obrigado a respeitar e preservar a supremacia constitucional. O artigo 15, inciso IX, da Constituição confirmava a instauração de um Estado constitucional ao estabelecer: ‘É da atribuição da Assembléia Geral (...) IX. Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral da Nação 47.

Destaca-se nesse período a influência francesa e inglesa na elaboração da Carta Magna de 1824, o que não permitiu a confiança necessária ao Judiciário. Assim, a supremacia do Parlamento, oriundo da doutrina inglesa, aliada ao princípio da legalidade defendido pela Revolução Francesa, foram responsáveis por reconhecer o Legislativo como legítimo intérprete das normas constitucionais48.

A partir da Constituição Federal de 1891 o Brasil efetivamente passou a adotar o controle jurisdicional de constitucionalidade, além da previsão de outros meios de controle reservados ao Executivo e ao Legislativo.

47 DIMOULIS, Dimitri. Neoconstitucinalismo e moralismo jurídico, in Filosofia e Teoria Constitucional

Contemporânea, RJ: Lumen Juris Editora, pg. 218

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“Assim, na Constituição de 1824 não havia controle de constitucionalidade pelo Judiciário devido à supremacia do Parlamento (influência inglesa) e a relevância do princípio da legalidade, que expressa a vontade geral (influência francesa), devendo a fiscalização constitucional ser efetuada por quem realiza as normas, o Poder Legislativo”. AGRA, Walber de Moura. Aspectos controvertidos do controle de constitucionalidade. Salvador: Juspodivm. 2008, pg. 19

Encontra-se previsto nesse período a possibilidade de não ser sancionado um projeto de lei se o Presidente o julgasse inconstitucional (Art. 37,§ 1º da CF/1891) 49, bem como, a prescrição de crime de responsabilidade do Presidente da República para os atos que atentassem contra a constituição e o governo federal (art.54, item 2 da CF/1891).

Manteve-se a responsabilidade do Legislativo na guarda da constituição e das leis (art. 35, 1º, CF/1891), porém foi adotado o controle jurisdicional difuso, delegando- se a competência ao Supremo Tribunal Federal, que poderia julgar em forma de recurso, as sentenças das Justiças dos Estados em última instância, quando se contestasse a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federais, ou a decisão do Tribunal do Estado, considerasse válidos atos ou leis já impugnadas (art.59, § 1º, alínea b, CF/1891).

Com a Constituição Federal de 1934 foi confiado ao Senado a função de suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, permitindo, assim, dar efeitos erga omnes as decisões da Suprema Corte no controle difuso já que restringia-se as partes do processo.

São novidades na Constituição de 1934 a introdução do quorum qualificado para a decretação de inconstitucionalidade pelos órgãos colegiados (art.179), e a retirada da competência do Judiciário para apreciação de questões exclusivamente políticas (art. 68). Pode-se dizer, ainda, que a maior novidade no período foi a introdução da ação interventiva, considerada por muitos como a primeira manifestação do controle concentrado no país.

A Constituição de 1937 manteve os mesmos preceitos já estabelecidos na carta anterior com relação ao controle de constitucionalidade, porém com a introdução do famigerado artigo 96, que previa possibilidade do Presidente da República submeter

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“§ 1º Se, porém, o Presidente da República o julgar inconstitucional ou contrário aos interesses da Nação, negará sua sanção, dentro de dez dias úteis, daquele em que recebeu o projeto, devolvendo-o nesse mesmo, prazo à Câmara, onde ele se houver iniciado, com os motivos da recusa”.

novamente ao Parlamento lei já declarada inconstitucional pelo STF, desde que fosse necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta. A inconstitucionalidade poderia ser afastada por dois terços de votos de cada Câmara. Este dispositivo legal sem sombra de dúvida ocasionava um significativo desequilíbrio entre os poderes do Estado.

Tal dispositivo constitucional correspondeu a um verdadeiro golpe no controle de constitucionalidade, pois deixava a cargo do Presidente da República a possibilidade de rever as decisões do STF, e caso não fosse confirmada a decisão pelo Parlamento, restaria insubsistente a decisão do Tribunal. Lembra Gilmar Mendes, que “a faculdade confiada ao Parlamento de suspender decisões judiciais acabou sendo exercida diretamente pelo ditador mediante a edição de decreto-leis (Constituição de 1937, art. 180)” 50.

Os preceitos autoritários da Carta de 1937 só foram expurgados do ordenamento com a Constituição de 1946, que manteve o controle de constitucionalidade nos moldes semelhantes ao da Carta de 1934 com poucas alterações. Destacando-se, porém, neste período, o retorno ao Supremo Tribunal Federal da função de comunicação do Senado das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade, tarefa esta que estava sendo desempenhada pelo Procurador-Geral da República.

O controle concentrado só foi efetivamente incluído no ordenamento jurídico brasileiro em 1965 através da Emenda Constitucional n. 16, que incluiu como competência do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de julgar e processar originalmente “a representação contra a inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”. Tal emenda constitucional modificou a Constituição Federal de 1946, introduzindo ao lado da representação interventiva o controle concentrado das normas.

Há quem considere como antecessora, e por isso uma forma embrionária do controle concentrado, a representação interventiva, que era prevista no artigo 12, § 2º da Constituição Federal de 1934. Entretanto, vale ressaltar que embora esta representação interventiva reconhecesse ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de averiguar a constitucionalidade ou não das medidas coercitivas da intervenção federal nos casos de ofensa aos chamados “princípios sensíveis”, tal procedimento não se configurava um verdadeiro controle de constitucionalidade, haja vista que tinha o significado peculiar de composição dos conflitos federativos, e não um instrumento de controle abstrato de normas.

Enquanto a representação interventiva pressupunha uma alegação de ofensa (efetiva ou aparente) a um princípio sensível e, portanto, um peculiar conflito entre a União e o Estado, destinava-se o novo processo à defesa geral da Constituição contra as leis inconstitucionais 51.

Com a Constituição Federal de 67/69, manteve-se a mesma estrutura acerca do controle de constitucionalidade com algumas modificações, entre elas se pode citar: a) a previsão dos Tribunais de Justiça dos Estados declararem a inconstitucionalidade de normas municipais que contrariassem as Constituições dos estados-membros; b) a possibilidade de representação de constitucionalidade, instituída pela Emenda Constitucional nº 16/65, versar também sobre matéria interpretativa. Já que no caso esse tipo de representação somente era aplicada para averiguar as ofensas aos princípios federativos.

A Constituição Federal de 1988, além dos institutos já consagrados pelas cartas anteriores, ampliou consideravelmente o controle jurisdicional de constitucionalidade, com a adoção das ações diretas de inconstitucionalidade e a ampliação dos legitimados ao controle concentrado.

O que diz respeito aos tipos de controle que atualmente são utilizados no Brasil, tal matéria será melhor detalhada no próximo tópico, onde se procurará

estabelecer os principais instrumentos utilizados no país para a garantia e estabilidade das normas constitucionais.