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3.1 Reconstrução dos Direitos Humanos e Consolidação dos Direitos Sociais

3.1.1 Aspectos Históricos

Todo direito que surge em sociedade é fruto de uma evolução social marcada por lutas em busca de que este seja considerado como tal, conferindo garantias à pessoa humana que irá usufruir dos benefícios por ele proporcionados.

Sob o aspecto dos Direitos Humanos, destaca-se que desde os primórdios da sociedade é possível verificar a existência de correntes que defendiam a existência deles. Contudo, o reconhecimento formal dos Direitos Humanos demorou a acontecer.

A emergência dos Direitos Humanos está ancorada em uma complexa e contraditória herança: a tradição humanista, a recepção do direito romano, incorporado ao senso comum da sociedade europeia na Idade Média, a vivência jurídica dos comerciantes, a tradição cristã. São muitos os elementos envolvidos nessa origem. Por essa razão, é precário afirmar a ocorrência de um pensamento político ou jurídico que dê sustentação à emergência desses direitos. (COSTA, 2009, p. 28).

Desde a era anterior à existência de Cristo que é defendida a existência de uma esfera mínima de direitos de igualdade pertencentes ao indivíduo, bem como da necessidade de conferir proteção a estes direitos. Contudo, foi preciso percorrer um longo caminho para se chegar ao atual contexto de direitos humanos expressamente declarados.

É a partir do período axial que, pela primeira vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes. [...] Foi durante o período axial da História, como se acaba de assinalar, que despontou a idéia (sic) de uma igualdade essencial entre todos os homens. Mas foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a englobar a quase-totalidade dos povos da Terra

proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (COMPARATO, 2004, p. 11-12).

Nesta linha, destaca-se o surgimento do estoicismo, doutrina que se desenvolveu durante seis séculos, desde os últimos três séculos anteriores à era cristã até os primeiros três séculos desta era, mas que trouxe ideias que prevaleceram durante toda a Idade Média e mesmo além dela. O estoicismo organizou-se em torno de algumas ideias centrais, como a unidade moral do ser humano e a dignidade do homem, considerado filho de Zeus e possuidor, como consequência, de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais (COMPARATO, 2004, p. 16).

Assim, até 300 d.C. prevaleceram as ideias do estoicismo, iniciando-se a seguir o período medieval, predominantemente cristianista. O conceito fundamental desse período que contribuiu para a emergência dos Direitos Humanos foi o de esboço do princípio da igualdade entre os homens.

Com a concepção medieval de pessoa humana é que se iniciou um processo de elaboração em relação ao princípio da igualdade de todos, independentemente das diferenças existentes, seja de ordem biológica, seja de ordem cultural. Foi assim, então, que surgiu o conceito universal de direitos humanos, com base na igualdade essencial da pessoa (COMPARATO, 2004, p. 20).

Isto foi essencial para que um dia se viesse a falar em direitos sociais, conferindo proteção especial ao trabalhador que, apesar de hipossuficiente, faria jus a um tratamento digno no espaço de trabalho.

Na Baixa Idade Média está o embrião dos Direitos Humanos, no qual despontou, antes de tudo, o valor da liberdade, sendo esta referente às liberdades específicas, em favor, principalmente, das classes superiores da sociedade, o clero e a nobreza, com algumas concessões ao povo. Contudo, a liberdade em benefício de todos, sem distinções de condição social, só veio a ser declarada ao final do século XVIII (COMPARATO, 2004, p. 45). Assim, nas origens dos Direitos Humanos não haveria fundamento para a proteção de direitos econômicos, sociais e culturais, que se fundam na premissa da igualdade material.

Nesta linha, destacam-se as primeiras declarações de direitos que serviram de instrumentos para estabelecer limitações à atuação do soberano.

Em 1215 foi elaborada a Magna Carta de João Sem Terra que, em sua abertura, expõe a noção de concessão do rei aos súditos, estabelece a existência de uma hierarquia social sem conceder poder absoluto ao soberano, prevê limites à imposição de tributos e ao confisco, constitui privilégios à burguesia e traz procedimentos de julgamento ao prever conceitos como o de devido processo legal, habeas corpus e júri. Não que a carta se assemelhe a uma declaração de direitos humanos, principalmente ao se considerar que poucos homens naquele período eram de fato livres, mas ela foi fundamental naquele contexto histórico de falta de limites ao soberano (AMARAL, 2006, p. 201-219).

No final do século XVII, as liberdades pessoais que se procuraram garantir pelo habeas corpus e pelo Bill of Rights, beneficiavam preferencialmente o clero e a nobreza. Por sua vez, a instituição-chave para a limitação do poder monárquico e para garantia das liberdades na sociedade civil foi o Parlamento e foi a partir do Bill of Rights britânico que surgiu a ideia de governo representativo, ainda que não do povo, mas pelo menos de suas camadas superiores (COMPARATO, 2004, p. 48).

Portanto, evidencia-se uma evolução histórica de afirmação dos direitos inerentes à pessoa humana. Contudo, nos períodos relacionados, em que pese a existência da afirmação de direitos, esta não abrangeu todos os membros da sociedade, prevalecendo a busca da igualdade entre todos como uma luta para os períodos seguintes.

Os dois movimentos históricos de maior importância para o processo de desenvolvimento dos Direitos Humanos em sua primeira dimensão foram a Independência Americana e a Revolução Francesa, nos quais foram elaborados documentos que declaravam expressamente a existência de direitos individuais mínimos de proteção à pessoa humana. Segundo Comparato (2004, p. 52), a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão e as Declarações de Direitos norte-americanas representaram a emancipação do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, as organizações religiosas.

Assim, ambas as Revoluções proporcionaram a criação de documentos que enalteceram os direitos individuais da pessoa humana, relacionados à igualdade e à

propriedade, dando origem ao fundamento teórico da primeira dimensão de direitos humanos, constituindo o estopim para o processo de desencadeamento de declarações dos direitos e para o desenvolvimento das dimensões seguintes.

Enquanto na primeira dimensão de direitos humanos se falava em liberdade e igualdade formal, na segunda dimensão de direitos humanos, em que se enquadram os direitos de proteção do trabalhador, desenvolveu-se o conceito de igualdade material, mediante o reconhecimento de grupos vulneráveis que precisariam de proteção especial do Estado para conviver em sociedade de maneira digna.

Nesse linear, destaca-se a Revolução Industrial, que forneceu embasamento para a declaração dos Direitos Humanos de caráter econômico e social. A Revolução Industrial, que começou na Inglaterra, criou o sistema fabril, o que reformulou a vida de homens e mulheres pelo mundo todo, não só pelos avanços tecnológicos, mas notadamente por determinar o êxodo de milhões de pessoas do interior para as cidades. Os milhares de trabalhadores se sujeitavam a jornadas longas e desgastantes, sem falar nos ambientes insalubres e perigosos, aos quais se sujeitavam inclusive as crianças. Neste contexto, surgiu a consciência de classe, lançando-se base para uma árdua luta pelos direitos trabalhistas.

Bobbio (2004, p. 25) destaca que a dimensão de direitos humanos que surgiu em tal período se refere, basicamente, aos direitos sociais, que são efeito do ideário de liberdades políticas e sociais diversas, refletindo a busca do trabalhador por condições dignas de trabalho, remuneração adequada, educação e assistência social em caso de invalidez ou velhice, isto é, a busca da garantia pelo Estado de proteção à parte mais fraca da sociedade.

Assim, o movimento socialista, iniciado no século XIX, trouxe para a humanidade o reconhecimento dos direitos humanos com caráter social e econômico, cujo titular era o conjunto de grupos sociais pertencentes à classe miserável, marginalizada, entre os quais se encontrava a dos trabalhadores.

Desde aquela época percebeu-se que os conflitos de interesses são naturalmente verificados no local de trabalho, onde os trabalhadores querem trabalhar cada vez menos, ao passo que o empregador busca obter mais lucros optando por mão-de-obra mais barata, a fim de reduzir os custos, exigindo cada vez

mais produtividade (PRATA, 2008, p. 106-113). Neste sentido, o trabalhador acabava sendo tratado como uma máquina, um objeto.

O assalariado que é tratado como um robô responderá da mesma forma, como uma mera máquina, sem raciocínio nem vontade própria, que em nada contribui para a evolução tecnológica ou administrativa do empreendimento. Na corporação em que não se permite a crítica, a sugestão ou a discordância impede-se a oxigenação do pensamento.

(PRATA, 2008, p. 108).

Nasceu, assim, o direito do trabalho, voltado à proteção da vítima do poder econômico, o trabalhador. Parte-se do princípio da hipossuficiência do trabalhador, que é o princípio da proteção e que gerou os princípios da primazia, da irredutibilidade de vencimentos e outros. Nota-se que no campo destes direitos e dos demais direitos econômicos, sociais e culturais não basta uma postura do indivíduo: é preciso que o Estado interfira e controle o poder econômico.

Entre os documentos relevantes que merecem menção nesta esfera, destacam-se: Constituição do México de 1917, Constituição Alemã de Weimar de 1919 e Tratado de Versalhes de 1919, sendo que o último instituiu a Organização Internacional do Trabalho - OIT (que emitia convenções e recomendações) e pôs fim à Primeira Guerra Mundial.

Em seguida, durante o processo de internacionalização dos direitos humanos, todos os direitos mencionados neste tópico voltaram à tona, com ainda mais força, sem prejuízo da declaração de outros direitos humanos, em especial os referentes à dimensão da solidariedade entre os povos.