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CAPÍTULO 2 CAPITALISMO, CRISE E PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE

3.4. Aspectos jurídicos: a terceirização no Brasil

A terceirização, no Brasil, surgiu no século XIX, identificada como locação de serviços e disciplinada segundo as normas do direito civil. Inicialmente a CLT tratou

da terceirização com certo desprezo, reportando-se especificamente às relações triangulares de trabalho envolvendo o subempreiteiro.67

A primeira lei a tratar especificamente sobre a terceirização foi voltada para o serviço público. Assim, o Decreto-lei 200/1967, inspirado na técnica de descentralização administrativa, previa no § 7º, do art. 10, a possibilidade de transferência a terceiros de serviços meramente operacionais, desprovidos de caráter deliberativo. Em 1970, veio a Lei 5.645 que apontava ilustrativamente as áreas que comportariam a terceirização no âmbito estatal, destacando-se os serviços de transportes, conservação, custódia, operação de valores, limpeza e outras assemelhadas.

A terceirização começou a ganhar ênfase no setor industrial a partir da proliferação do trabalho temporário. Em 1966, ano em que foi criado o sistema de FGTS para compensar o fim da estabilidade no emprego, permitiu-se a contratação de trabalhadores terceirizados para os serviços de segurança bancária. Em 1968, as “agências de intermediação de mão-de-obra” foram regulamentadas por força do Decreto 62.756.

Segundo Isis de Almeida (1977), o cenário internacional influenciou a expectativa de inovação no setor produtivo brasileiro. No final da década de 1960 existiam na França cerca de 50 mil empresas que se utilizavam do trabalho temporário, fato que motivou o surgimento, em 1969, do primeiro contrato coletivo de trabalho dispondo de normas sobre a contratação temporária. Nos EUA, no início da década de 1970, existiam 750 mil trabalhadores terceirizados.

O incremento da terceirização, no Brasil, coincidiu com a introdução do contrato de leasing no mercado paulista, visando proporcionar o fornecimento de equipamento. Em 1973, existiam em São Paulo 10 mil empresas que utilizavam o trabalho terceirizado, inicialmente conhecido por “leasing de mão-de-obra”. No ano seguinte, foi aprovada a Lei 6.019 que autorizava a contratação de trabalhadores temporários por meio de empresa interposta. Essa norma citada passou a exigir das empresas os seguintes requisitos: o registro da empresa de trabalho temporário

67 O subempreiteiro, ou subcontratado, é o terceiro que se compromete perante um empreiteiro a entregar uma obra ou a realizar um serviço em favor de um empreendedor. O art. 455, da CLT, disciplina que o subempreiteiro responderá pelas obrigações trabalhistas em relação aos seus empregados, cabendo, porém, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas.

perante o órgão do Ministério do Trabalho; o período de contrato do trabalhador não superior a três meses; e a responsabilização solidária entre as empresas envolvidas, relativamente ao cumprimento das obrigações trabalhistas, em caso de falência da empresa cedente de mão-de-obra.

Na década de 1980, a Lei 7.102/1983 foi editada para disciplinar a contratação de pessoal de vigilância ostensiva e de transporte de valores por intermédio de empresa especializada. A referida legislação determina que incumbe ao Ministério da Justiça autorizar e fiscalizar o funcionamento das empresas cedentes. A Lei 8.863, de 1994, ampliou mais ainda as hipóteses de terceirização para abarcar os serviços de vigilância patrimonial de bens, de segurança de pessoas físicas, de transporte e segurança de valores ou qualquer outro tipo de carga.

Em 1994, foi introduzida uma alteração no art. 442, da CLT, para dizer que inexistia vínculo entre o cooperado e a cooperativa. A modificação legislativa serviu como um dos pretextos para se ampliar a terceirização, valendo-se dos reduzidos custos que a contratação do cooperado proporcionava para os empresários.

No plano jurisprudencial, a terceirização mereceu inicialmente um tratamento restritivo. O TST, por meio da Súmula 239, disciplinava que o empregado de empresa de processamento de dados que prestasse serviços à instituição bancária deveria ser considerado bancário, desde que ambas as empresas envolvidas pertencessem a um mesmo grupo econômico. Essa diretriz restritiva espelhava-se também por meio da Súmula 25668, que reconhecia a terceirização tão-somente nas hipóteses de trabalho temporário e trabalho de vigilância.

Porém, sob o aspecto jurídico, a modificação mais importante, para as empresas, veio com a postura adotada pelo TST, ainda na década de 1990. De início este tribunal ratificou, por meio da Súmula 257, o entendimento de que não é considerado como bancário o vigilante contratado diretamente por banco ou por intermédio de empresas especializadas. Posteriormente, em 1994, a Súmula 256 foi revogada e com isso o TST resolveu ampliar as hipóteses de terceirização por meio da Súmula 331 redigida nos seguintes termos:

68 Súmula TST Nº 256. “Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 3.1.74 e 7.102, de 20.6.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”.

Contrato de prestação de serviços. Legalidade.

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6019, de 03.01.74).

II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (Art. 37, II, da Constituição da República). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7102, de 20.06.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei n° 8.666/93).

Com as mudanças provocadas pela nova diretriz jurisprudencial, as hipóteses excepcionais passaram a ser tão amplas e relevantes a ponto de a regra parecer nada mais do que uma exceção. O inciso primeiro da Súmula 331, ainda vigente, trata da terceirização temporária e os dois incisos seguintes amplificam as hipóteses de terceirização permanente. A nova postura do TST permitiu uma grande abertura para a disseminação da prática da terceirização, admitindo desde então a terceirização dos serviços vinculados à “atividade-meio” da empresa. O conteúdo imediato da posição do TST pode ser sintetizado conforme demonstra o quadro a seguir:

TERCEIRIZAÇÃO

(Visão do TST)

CLASSIFICAÇÃO Temporária (3 meses) Permanente

OUTRAS DENOMINAÇÕES Atípica, Imprópria ou intermediação de

mão-de-obra Típica ou Própria

ATIVIDADES PERMITIDAS Meio e fim Meio

HIPÓTESES

a) necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente; b) acréscimo extraordinário de serviços a) limpeza; b) conservação; c) vigilância; d) outras atividades especializadas

ISONOMIA SALARIAL ENTRE

TERCEIRIZADOS E EFETIVOS Permite Não permite

DIRIGE, ORDENA E FISCALIZA A

FORÇA DE TRABALHO Empresa tomadora e ou cedente Somente a cedente

APLICAÇÃO (trabalho) Urbano Urbano ou Rural

FORMA DO CONTRATO Escrito Expresso (escrito ou

verbal) e ou Tácito

RESPONSABILIDADE PELAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS

Resp. direta da cedente

Resp. Subsidiária da Tomadora (Lei 6019 prevê resp. solidária em caso de falência da cedente)

Resp. direta da cedente

Resp. Subsidiária da Tomadora

Quadro 2 – Terceirização (visão do TST – quadro elaborado pelo autor cf. Súmula 331). Fonte: Brasil. Tribunal Superior do Trabalho (2000).

O TST presume que na terceirização típica não é possível deduzir-se um quadro de subordinação do trabalhador terceirizado em relação ao tomador. Esse raciocínio leva a uma premissa genérica que se mostra “idealista” e “obscura”. A maior inconsistência estabelece-se quando se supõe que com a terceirização permanente é possível ao trabalhador prestar serviços sem se sujeitar minimamente às ordens da empresa tomadora. No setor de petróleo, por exemplo, a tomadora dirige, ordena e controla a força de trabalho terceirizada, reservando à empresa cedente – na maioria dos casos - as funções de efetuar os pagamentos das verbas salariais e de formalizar as sanções disciplinares.

O parâmetro escolhido pelo TST é também vulnerável no que diz respeito à distinção entre “atividade-fim” e “atividade-meio”. Se os atos complexos praticados por um trabalhador forem decompostos em atos simples, chegar-se-á a conclusão de que nem sempre é possível determinar-se a validade do critério meio-e-fim, posto que tais atos, embora sejam diferentes, são igualmente necessários à produção. Ilustre-se com o exemplo de uma indústria têxtil. O trabalho de um técnico que faz reparos no tear não seria prima facie uma “atividade-fim”. Porém, a sua atividade constitui-se num antecedente lógico ao trabalho do operador, na medida em que sem a manutenção provavelmente o funcionamento do equipamento ficará comprometido e, em conseqüência, restará comprometido o trabalho do operador.

A dificuldade da separação meio-e-fim torna-se evidente dentro da fragmentação de atos do trabalhador inerentes ao momento da produção. Assim, segundo o TST, o sapateiro que estivesse afiando seus instrumentos de trabalho não estaria naquele momento praticando uma atividade-fim. A inconsistência do critério sugere, ainda, que a sua caracterização depende do arbítrio maior da empresa contratante, principalmente do modo como ela se autodefine em relação ao objeto de sua atividade econômica. Nesse sentido, pelo parâmetro jurisprudencial, não seria atividade-fim o trabalho da costureira que, ao prestar serviços em sua própria residência, entrega a sua produção para uma empresa que se autodefine como simples fornecedora de roupas para lojistas; por outro lado, segundo ainda as mesmas diretrizes, haveria atividade-fim se a tal empresa passasse a se autodefinir como fabricante. A premissa meio-e-fim torna-se ainda inconsistente à medida que não atende a generalidade dos casos. Portanto, é falho o parâmetro do TST que se baseia na cisão das atividades, posto que o mesmo não leva em conta a importância

do complexo de atos articulados durante a execução do trabalho. Existem, como se viu, exemplos de que a “atividade-meio”, conquanto não pareça se reportar à finalidade do serviço, torna-se indispensável à consecução da atividade do empregador. A insuficiência do “critério jurídico” cristalizado na jurisprudência trabalhista é incompatível com a plástica realidade do setor produtivo.