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CAPÍTULO 2 CAPITALISMO, CRISE E PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE

3.2. De volta para o futuro: a década de 1970 e a terceirização

A década de 1970 principiou com crises fiscais nos países centrais, razão pela qual se acreditava que o pleno emprego era o fato acelerador de inflação. Logo, em 1971 rompeu-se com o câmbio fixo e adotou-se o câmbio flexível. Em seguida, a crise do petróleo afetou o setor produtivo e contribuiu para comprometer as receitas fiscais do chamado Estado de bem-estar social. O poder de interferência deste na condução da política nacional de emprego foi readaptado aos parâmetros da dinâmica capitalista internacional. Nessa conjuntura, o fenômeno da terceirização foi influenciado pelo ciclo econômico que se iniciou a partir da década de 1970. A fase de expansão financeira coincidiu com a maior vulnerabilidade dos trabalhadores no mercado de trabalho, contribuindo para comprometer o nível de emprego e das condições de trabalho, isto é, interferindo sobre o processo de compra e venda da força de trabalho, elemento imprescindível ao processo de extração da mais-valia. É nesse sentido histórico que se torna oportuna a afirmação marxiana que se reporta a relação entre o trabalhador e as suas condições de trabalho:

Toda produção capitalista, à medida que ela não é apenas processo de trabalho, mas ao mesmo tempo processo de valorização do capital, tem em comum o fato de que não é o trabalhador quem usa as condições de trabalho, mas, que, pelo contrário, são as condições de trabalho que usam o trabalhador (Marx, 1996a, p. 56).

Braverman (1977) demonstra que o capitalismo encurralou o homem a procurar a sua subsistência por meio da compra e venda da sua força de trabalho, processo este que está diretamente relacionado com a configuração da divisão social do trabalho. O autor citado mostra que, na primeira metade do século XIX, para 5 (cinco) trabalhadores norte-americanos 1 (um) era assalariado. Esse quadro foi se modificando de modo que, em 1970, essa proporção se inverteu. Assim, a razão passou a ser de 1 (um) trabalhador autônomo para cada 9 (nove) assalariados. Porém, esse momento coincidiu com abertura do novo ciclo no qual se verificou uma ampla reestruturação da produção e da gestão da força de trabalho, que deu asas ao fenômeno da terceirização.

A estabilidade de preços e o controle da inflação viraram “obsessões” da política econômica do governo norte-americano, fato que influenciou os seus aliados no plano internacional. Enxugar o setor público, controlar e reduzir os seus gastos e desregulamentar a economia passaram a ser metas da nova política econômica de matiz ortodoxa. Em 1979, Paul Volcker assumiu o comando do Federal Reserve (banco central norte-americano) com a missão de implementar uma política monetária voltada para a estabilização de preços e o controle da inflação. Essa foi a política fiscal adotada nos EUA e na Inglaterra, levada a efeito por Ronald Reagan e Margareth Thatcher, respectivamente, que culminou nos programas de privatização, na desregulamentação do mercado de trabalho e nas altas taxas de desemprego. Foi a “derrocada” do domínio keynesiano.59

A crise do modo de produção capitalista, na década de 1970, manifestou-se com a derrocada do chamado Estado de bem-estar social, de inspiração keynesiana, e com a emergência de um amplo processo de reestruturação do capital que se manifestou por um “novo” perfil de atuação do Estado ancorado no remodelamento da política econômica e dos arranjos político-institucionais de funcionamento da vida

59 O keynesianismo, concebido como uma forma de intervenção do Estado na política econômica, refere-se aos estudos elaborados pelo economista John Maynard Keynes (1883-1946), ex-aluno de Alfred Marshall e ex-professor em Cambridge. Na sua obra principal, Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, Keynes sugere políticas para “solucionar o problema do desemprego pela intervenção estatal, desencorajando o entesouramento em proveito das despesas produtivas, por meio da redução da taxa de juros e do incremento dos investimentos públicos. As propostas da chamada ‘revolução keynesiana’ foram feitas no momento em que a economia mundial sofria o impacto da Grande Depressão, que se estendeu por toda a década de 1930 até o início da Segunda Guerra Mundial .” (SANDRONI, 1996, p. 222).

econômica. Esse processo iniciou-se na era Reagan-Thatcher, a partir de 1979 e perdurou ao longo da década de 1980. Além disso, outros sinais tornaram-se visíveis, tais como: a tendência de queda da taxa de lucro; a saturação do chamado regime fordista de produção; o crescimento desenfreado da esfera financeira da economia; o pendor pelas privatizações; e os processos de fusão e centralização empresariais.

Esse quadro político-econômico corresponde à intensificação do que se denominou posteriormente de política neoliberal, na Inglaterra60, sob a batuta do governo da Primeira Ministra Margareth Thatcher. Essas mudanças provocaram nítidos reflexos para o mundo do trabalho. Enquanto o desemprego aumentava no setor industrial, o número de trabalhadores praticamente dobrou no setor de serviços, no final dos anos 90, durante a era Thatcher.

Além da precarização das relações de trabalho, essa era também ficou marcada pelas hostilidades ao movimento sindical que se fragilizou, seja pelas exigências legais e burocráticas para o exercício da ação sindical, seja pela desregulamentação dos direitos conquistados. As negociações dos temas e variáveis das condições de trabalho passaram da esfera coletiva para a esfera individual.

A investida neoliberal desses anos também atingiu os setores organizados da classe trabalhadora inglesa, tal como os mineiros, que apesar de terem realizado greves em 1982, 1984 e 1985, não conseguiram deter o fechamento das minas e a extinção de 220 mil empregos nesse período do governo da “Dama de Ferro”. O impacto dessas medidas, sobre os trabalhadores ingleses, foi ilustrado por McIlroy61 (1997):

O número de sindicalizados reduziu-se de 13,5 milhões em 1979 para 8,2 milhões em 1994. [...] O sindicato nacional dos mineiros [National Union of Mine Workers – NUM] tinha 257 mil membros em 1979, enquanto nos anos noventa reduziu-se para cerca de 8.000 filiados, tendo sido superado pelo sindicato dos atores [Actors Equity].

Os fatos apontavam para o que representava a “nova ordem” do capital. Se os mineiros não resistiram à investida neoliberal, quem se “atreveria” a rebelar-se naquele momento? A postura defensiva dos sindicatos, o declínio do direito de greve

60 Os dados utilizados no parágrafo são os apresentados por Antunes (2001). 61Apud Antunes (2001, p. 73-74).

e a elevação da taxa de desemprego contribuíram para a precarização do trabalho, alargando as possibilidades de utilização do trabalho em tempo parcial e da terceirização (outsourcing).

Realizada essa retrospectiva histórica, passa-se agora a enfocar a terceirização como categoria analítica.