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1.1 Problemática e Justicativa

1.1.1 Aspectos Legais no Contexto Brasileiro

A preocupação com a questão da escassez dos recursos hídricos no Brasil é relativa- mente recente, a menos em regiões mais secas como o Nordeste, e mesmo assim em alguns períodos mais críticos. Isto pode ser em parte explicado pelo fato do nosso país ser o maior detentor de toda a água potável do planeta, com nada menos que 12% das reservas existentes. Tendo abundância, bens públicos não têm valor econômico. No entanto, de acordo com Kelman & Frajtag (2000) [20], durante o século XX a população multiplicou-se por 3 e o consumo d'água por 6, basicamente devido à cres- cente utilização da água na indústria e na agricultura. Sendo assim, o que não tinha valor econômico, hoje tem, e desenvolver formas de utilizar a água ecientemente, ao mesmo tempo revertendo a degradação crescente dos mananciais, é o grande desao do século XXI.

Os recursos hídricos brasileiros tradicionalmente foram geridos por seus usuários, de uma forma que cada setor da sociedade utiliza a água como bem de consumo, tratando-a como se fosse inesgotável. Não havia uma preocupação por parte dos setores usuários com as condições sociais, econômicas e políticas que possibilitam o uso coletivo dos recursos hídricos do país (Machado,2001) [24].

Por outro lado, havia diversidade de agentes-gestores, com objetivos e res- ponsabilidades conitantes. Cada um deles visualiza funções e usos para a água, de acordo com seus interesses e necessidades próprias. Após séculos de usos e abusos, o resultado é uma situação de escassez e degradação dos recursos hídricos [24].

As razões por que se presencia esta situação são várias. No que se relaciona aos aspectos quantitativos, a ótica adotada foi sempre a da expansão da oferta. Inexistiu a preocupação com o que acontece na parte nal do processo: o gerenciamento da demanda, ou seja, saber como o usuário está tratando a água. No que se refere aos aspectos qualitativos, as diculdades de monitoramento e scalização por parte dos órgãos ambientais comprometeram o aparato legal e institucional proposto no início da década de 80 quando o país aprovou a sua Política Nacional de Meio Ambiente. Permeando estas questões está o modelo de gerenciamento de recursos naturais ado- tado até então no Brasil: centralizador, paternalista por parte do poder público e sem a participação da sociedade (Ribeiro,2000) [35].

O Brasil vem encaminhando a solução dos problemas de seus recursos hídricos, a partir de uma abordagem regional, com o avanço dos Estados na elaboração de suas leis de organização administrativa para o setor (Carrera-Fernandez,1999) [8].

O fato da lei federal No. 9433, que dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos, só ter sido sancionada no início de 1997, de certa forma permitiu que as es- pecicidades regionais pudessem ser evidenciadas em uma série de leis que, elaboradas pelos estados, buscavam solucionar seus próprios problemas (Garrido, 1998) [15].

De acordo com a Constituição Federal de 1988, os rios podem ser de domínio da União ou dos Estados. As águas que, devido à sua localização, banham mais de um Estado ou país, são de domínio da União. As demais águas, com exceção daquelas represadas por obras da União, são de domínio do Estado. As águas subterrâneas pertencem ao Estado, se situadas sob seus limites territoriais [8].

Sendo assim bens públicos, cabe então ao poder público examinar cada pedido de utilização da água de um rio, considerando-se os aspectos quantitativos e qualitativos. Quando concedida, a outorga de direito de uso da água protege o usuário contra o uso predador de outros usuários que não a possuam. A outorga de direito de uso do recurso natural água não deve ser confundida com concessão de serviço público, como é o caso de abastecimento de água, tratamento de esgoto urbano ou produção de energia elétrica (Kelman & Frajtag,2000) [20].

Na legislação brasileira, a criação do direito de águas e a denição dos critérios de outorga de direito de uso são de competência da União. No entanto, nada impede que os Estados editem normas ou leis, independentemente da autorização da União,

conforme lei complementar prevista na Constituição Federal. A gestão dos recursos hídricos cabe à entidade que deles tiver o domínio, excetuando-se aqueles casos previs- tos na Constituição Federal, como é o caso da geração de energia elétrica, cuja gestão é de competência da União, mas deve estar articulada com os Estados onde se localizam os potenciais hidroenergéticos. Diante disso, alguns estados elaboraram suas leis de organização administrativa para o setor, estabelecendo os princípios, os instrumentos e o arcabouço institucional para a promoção do gerenciamento dos recursos hídricos de seus domínios, a chamada Política Estadual de Recursos Hídricos [8].

No entanto, na maioria dos Estados, as unidades administrativas com gerência direta e indireta sobre os recursos hídricos têm atuado de forma bastante desarticu- lada. Instituições representativas dos segmentos envolvidos (poderes públicos estadual e municipais, usuários e sociedade civil) são criadas, com competências concorrentes com as de outros órgãos do Estado, criando atribuições sobrepostas. Não há harmo- nização nas relações interinstitucionais. Assim, em geral, não há clareza nos papéis dos vários órgãos e entidades dos Estados que atuam no âmbito dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SGRH). Sem a consolidação do processo de ordenamento sistemático das legislações existentes,não se garante a aplicação dos variados mecanismos previstos, sejam eles especicamente referentes à participação dos atores sociais no processo decisório, sejam eles de forma genérica referentes ao papel do poder público na política que visa garantir a integridade e a perenidade de um patrimônio coletivo: a água (Machado,2001) [24].

Esta situação, obviamente reete-se a nível federal. Não existe ainda hoje no Brasil, o que se possa chamar uma gestão racional, equilibrada e justa dos recursos hídricos disponíveis. Espera-se que a recém-criada Agência Nacional de Águas (ANA) estimule e contribua para a viabilização de uma cultura tão desejada de gestão in- tegrada dos recursos hídricos [24].

A lei 9984/2000 determina que a ANA atuará em articulação com órgãos e en- tidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Isto signica que a ANA deverá regular o uso de recursos hí- dricos de competência federal e, ao mesmo tempo, assegurar que os outros atores estejam fazendo o que lhes cabe para o efetivo funcionamento do sistema (Kelman & Frajtag,2000) [20].