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3.4 O médico e a sua profissão

3.4.2 Aspectos presentes no cotidiano médico

A magnitude do estresse9 da formação médica, especialmente durante o período de residência médica, é descrito por Nogueira-Martins e Jorge (1998). Esses autores salientam que a residência exige que o profissional aprenda a lidar com sentimentos de vulnerabilidade, desamparo e impotência, fazendo um balanço sobre o desejo de cuidar e o de curar, aliado às cobranças em nível profissional. Desse modo, entende-se que os residentes estão submetidos a uma gama de situações estressantes na sua formação e       

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A palavra estresse deriva do latim stringere, que significa apertar, cerrar, comprimir (Houaiss, 2001). Nesta pesquisa, compartilha-se a conceituação de Stacciarini e Tróccoli (2001), de que o estresse é qualquer situação ou evento que gera sentimentos de tensão, ansiedade, ameaça ou medo.

que, se estas situações não forem trabalhadas, poderão produzir efeitos danosos, tanto para o residente, como para quem ele presta seu serviço.

Entre os fatores estressantes associados ao exercício profissional, referem-se que, inerentes à tarefa médica, estão presentes o contato íntimo e freqüente com a enfermidade, com a dor e com o sofrimento, incluindo o lidar intimamente com o corporal e o emocional, o atendimento a pacientes terminais, pacientes difíceis, que não aderem ao tratamento, queixosos, rebeldes, cronicamente deprimidos. Ademais, devem ser citadas as situações de incerteza e limitações do conhecimento médico e do sistema assistencial, que muitas vezes se contrapõem às demandas e expectativas dos pacientes e familiares que buscam certezas e garantias (L. A. Nogueira – Martins, 2002).

Neste sentido, conforme apontam Krebs, Garrett e Konrad (2006), existem demandas que são responsáveis por maiores níveis de frustração profissional. Em pesquisa realizada com médicos, consta que esses profissionais referem maior frustração diante de pacientes mais jovens, com sintomas de depressão, estresse e ansiedade, bem como aqueles com problemas de ordem psicossocial e abuso de substâncias. A frustração profissional relaciona-se, ainda, com uma carga horária extensa de trabalho, médicos que trabalham mais parecem apresentar menor tolerância, o que eleva os níveis de frustração.

L. A. Nogueira-Martins (2004) refere pesquisa realizada por Machado (1997) sobre o perfil sociológico dos médicos no Brasil, e aponta que 80% destes considera a atividade médica desgastante. Entre os motivos atribuídos a isso, encontram-se fatores, tais como excesso de trabalho, múltiplos empregos, baixa remuneração, más condições de trabalho, nível alto de responsabilidade profissional, dificuldade na relação com os pacientes, cobrança da população e perda de autonomia. Além disso, o médico estaria entre as classes profissionais que menos valoriza e considera esses fatores de risco.

Já em pesquisa realizada com médicos na posição de pacientes, Meleiro (2005) constatou que os médicos são “mestres” em ignorar e negar os avisos que dão aos próprios pacientes. Esses profissionais, quando doentes, ignoram a própria dor, desconforto ou exaustão, optando por se automedicarem, realizando eles mesmos seus diagnósticos. O mito e a crença de que os médicos são imunes à doença está por toda parte. E, quando este admite que está doente, indo procurar outro profissional, tem dificuldade de revelar o fato de que ele mesmo vinha sendo seu médico. Sente-se, muitas vezes, envergonhado, como se tivesse falhado, e ainda culpado por ter de deixar suas tarefas para outro profissional sem “aviso prévio”.

Sobre o impacto da prática da medicina na saúde mental dos médicos, Meleiro (1998) coloca que os sentimentos de culpa e de fracasso, bem como de onipotência frente a situações em que não há o que fazer, situações que são limitadas pela própria realidade, acabam favorecendo quadros depressivos e maior incidência de suicídio nesta população. O risco de suicídio entre médicos, em todo mundo, é superior ao da população geral, e, dependendo da especialidade, este risco pode aumentar.

Deste modo, deve-se destacar o caráter altamente ansiogênico do exercício profissional do médico. Como regra geral, apesar de pequenas variações, intrínsecas à tarefa médica, está a exposição, ao que L. A. Nogueira-Martins (2003) denominou de “radiações psicológicas”, ou seja, conteúdos emocionais que são emanados do contato íntimo com o adoecer. Associados a estes conteúdos, ainda são descritos fatores como: muito ou pouco envolvimento, a dificuldade em pedir ajuda, a falta de tempo para realização de outras atividades/necessidades, o não-compartilhamento de sentimentos, e culpa ou insatisfação por achar que não realizou o que deveria ser feito. E também fatores como a vontade de mudar de emprego, receio de mudança, não descansar suficientemente, estar com sérios problemas no trabalho e na vida privada ao mesmo tempo.

Tais aspectos, presentes no cotidiano médico, acarretam interferências na vida pessoal, uma vez que alguns dos fatores de estresse apresentados parecem estar relacionados a eventos da vida privada. Goldner (1985) apud McGoldrick (1995) salienta a interpenetração da vida privada (pessoal e familiar) com a esfera do trabalho. Desse modo, essas duas esferas se intercambiam, estabelecendo comunicação e interferências uma na outra.

A este respeito, Carter e McGolddrick (1995) referem a importância de conhecer o Ciclo Vital Familiar e Individual10 do sujeito, para que seja possível conhecer as fases desenvolvimentais pelas quais as pessoas passam e as interferências decorrentes ou não de determinada etapa. Desta maneira, o trabalho pode configurar-se em um dos elementos de influência sobre o ciclo vital. Um dos eventos, que pode ou não fazer parte do ciclo vital familiar, é o divórcio, que, entre os profissionais da medicina, parece ter sido evidenciado, com estatísticas e incidências maiores, quando comparados com a população geral, desde a década de 70 (Rose & Rosow, 1972, Hall, 1988).

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Ciclo Vital Familiar designa os fenômenos que sucedem, em determinado ritmo o processo de desenvolvimento familiar, etapas, como a Formação do Casal, a Família com filhos pequenos, em Estágio tardio da vida, etc. Ciclo Vital Individual refere aos processos de desenvolvimento individual, infância, adolescência, fase adulta, etc (Carter e McGoldrick, 1995).

Warde, Moonesinghe, Allen e Gelberg (1999) apontam que a satisfação marital encontra-se relacionada a baixos níveis de estresse e à realização profissional do médico, sendo o inverso também verdadeiro. As pesquisas indicam que o número de casamentos entre médicos aumentou, devido ao crescimento do número de mulheres nas escolas médicas (Woodward, 2005). Entretanto, as mulheres médicas apresentam propensão maior do que os homens de vivenciar instabilidade emocional no casamento (Rose & Rosow, 1972).

Woodward (2005) aponta, ainda, que, quando ambos os cônjuges são médicos, no geral estes são obrigados a reduzir a carga de trabalho para dar conta dos filhos e das funções domésticas; ao passo que, se apenas um dos cônjuges for da área médica, o outro acabará reduzindo a sua carga horária para organizar a vida pessoal e privada.

A importância das relações familiares é salientada por Jiménez (2005), ao ressaltar que os médicos que mantêm vínculos e relações interpessoais satisfatórias apresentam maior tolerância ao estresse. A esse respeito, Woodward (2005) aponta a necessidade de mais investigações sobre a influência e relação entre trabalho e família do profissional da medicina. Além dessas constatações sobre a importância da relação entre o trabalho e a família, cabe considerar algumas especificidades associadas ao desempenho da atividade profissional do médico oncologista, cujas considerações são apresentadas no próximo tópico.