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“A partir de cada madre puérpera que se encuentra a si mesma, el mundo entero se encuentra”

Laura Gutman

Langer (1981) destaca que nos últimos séculos, diante de novas circunstâncias sociais e econômicas, a mulher adquiriu mais liberdade sexual e novos papéis sociais em detrimento da maternidade. O que se observa em consequência disso é que diminuem os quadros neuróticos de histeria, típicos da clínica de Freud e aumentam os distúrbios psicossomáticos procriativos.

Da mesma forma, Roudinesco (2000), ao estabelecer um paralelo entre as transformações da sociedade e os modelos de estruturação psíquica desenvolvidos pela psicanálise, afirma que passamos de um mundo entregue não mais ao despotismo paterno, mas à “crueldade do caos materno”.

Psicanalistas mulheres que se dedicaram ao estudo da maternidade como Langer, Videla e Soifer na Argentina; Maldonado e Caron no Brasil; Rosfelter, Bydlowski e Szejer na França; Bick na Inglaterra, entre outras, identificam que os distúrbios psicossomáticos que surgem desde a gravidez, tais como hiperemese (vômitos coercitivos), hipertensão arterial, pseudosciese (gravidez psicológica), ou até mesmo antes dela, como os problemas de infertilidade e abortos repetitivos, possuem, em sua gênese, conflitos psicológicos e inconscientes.

O parto também é considerado um fenômeno psicossomático, sendo o processo fisiológico influenciado pelo estado emocional, podendo ocorrer, por exemplo, antecipação ou demora do processo expulsivo, bem como transtornos fisiológicos que impedem o parto

normal (Moraes, 2001).

Nesse sentido, também o puerpério se apresenta como uma etapa de profundas alterações no âmbito social, psicológico e físico da mulher, caracterizando-se como um período instável, que demanda a necessidade de um profundo conhecimento dessa etapa na vida feminina, um fator essencial na determinação do limiar entre a saúde e a doença (Coutinho & Saraiva, 2008).

Segundo Maldonado (2005), os primeiros dias do puerpério se caracterizam por ser um período de recuperação da fadiga do parto, com a presença de sentimentos de debilidade e confusão, além do desconforto físico, dores e sangramento, concomitantes à excitação pelo nascimento do filho. A labilidade emocional denotada pela alternância entre euforia e depressão, podendo esta ser mais intensa, constitui o padrão mais característico desse período, explicado fisiologicamente pelas mudanças bioquímicas que acontecem logo após o parto, como o aumento da secreção de corticoesteroides e queda súbita dos níveis hormonais.

Porém, a situação é mais complexa. A gravidez e o nascimento de um filho situam-se no assim conhecido “ciclo vital da mulher”, definidos por alguns autores, como Soifer (1984), Langer (1986), Videla (1997) e Maldonado (2005), como uma situação de crise. Crise no sentido de que esses momentos introduzem na vida da mulher, da mesma forma que a menarca e a menopausa, não somente mudanças hormonais e orgânicas, mas profundas modificações psíquicas em que o fisiológico e o psicológico implicam-se mutuamente, quase de forma indistinta.

Por essa razão, Maldonado (2005) considera o puerpério como o quarto trimestre da gravidez. Já Gutman (2007), afirma que o puerpério como realidade emocional persiste enquanto dura a fusão emocional com o bebê, ou seja, em torno de dois anos. Essa autora qualifica o puerpério como “uma viagem de ida, o início de um estilo de comunicação com o próprio ego” (Gutman, 2007, p.63).

Ainda, para Gutman (2007), o puerpério é um estado emocional ligado à alteração de consciência, no qual se podem vivenciar duas realidades emocionais ao mesmo tempo. É possível passar da “paz celestial” ao “terror e desespero”. Segundo a autora, essas experiências são independentes de formação intelectual prévia, de ideologia ou maturidade emocional.

O puerpério também se constitui num momento de crise por representar uma situação desconhecida, que implica adequações e acarreta modificações intra e inter-pessoais. Psicologicamente, o

nascimento de um bebê é o final de uma jornada e o início de outra, uma vez que a gestante se transforma em mãe e o feto torna-se “real”, como filho. Nesse sentido, Soifer (1984) considera o puerpério uma situação de delimitação entre o perdido, que seria a gravidez, e o adquirido, representado pelo filho, bem como uma delimitação entre os períodos caracterizados pela fantasia inconsciente e pela realidade.

Segundo Raphael-Leff (1997), a noção de crise, habitualmente considerada como algo negativo, é, sem dúvida, um “momento fecundo de transtornos profundos” (p. 32), uma ocasião para transformações, seguindo o sentido epistemológico da palavra grega crisis, que significa “decisão”. A autora ressalta que “uma vez que os pais aceitaram a crise neles, que reconheceram sua história e vencido o desafio de suas dificuldades, os bebês fazem nascer seus pais” (p.32).

Considerando a coexistência de uma vasta extensão de experiências dinâmicas, entrelaçadas com configurações psíquicas de si mesmo e de outros, cujo desenvolvimento psíquico continua através da vida no mundo interior das mulheres e homens que se tornam pais, Raphael-Leff (1997) considera a gravidez e os primeiros tempos da maternidade uma oportunidade para remediar velhos desequilíbrios. Para essa autora, “as primeiras semanas após o nascimento não são meramente um período de aprender a lidar com um novo bebê, mas um apaixonado confronto com um ser que esteve em seu interior e (...) incita antigos resíduos da infância em ambos, mãe e pai” (p.127-128).

Ao encontro dessas ideias, pesquisando através de tratamentos psicoterápicos e psicanalíticos com mulheres, Langer (1981), Videla (1997), Felice (2000) e Maldonado (2005) apontam que durante a gravidez, o parto e os primeiros anos de vida do bebê acontece toda uma revivência inconsciente do vínculo precoce da mulher com sua própria mãe. São revividas a própria gravidez, parto, amamentação, gratificações, privações, abandonos, estados emocionais patológicos devido a perdas reais ou depressão pós-parto, vivência e outras gravidezes da mãe etc.

Segundo Langer (1981), observa-se uma dupla identificação consciente e/ou inconsciente da mãe com seus próprios pais e com seu bebê. Quando predomina a primeira, a tendência é a reedição de configurações vinculares ,baseadas na internalização de padrões de interação transgeracional. Quando predomina a segunda, a tendência dos novos pais é “fazer tudo diferente” do que seus pais fizeram, projetando- se nos filhos desde a mais tenra idade até a adolescência ou a vida adulta. O nascimento de um filho, portanto, revela um enigma, pois

representa a esperança de autorrealização para os pais e a ameaça da exposição de suas dificuldades ou deficiências.

Outros conflitos psicológicos podem ser vividos pela mulher no puerpério. Se ela apresenta características de personalidade dependente e simbiótica, por exemplo, poderá vivenciar esse período como um momento de separação física e emocional doloroso, no qual o ventre flácido e vazio a faz sentir que perdeu uma parte de si mesma, fazendo-a reviver, segundo, Soifer (1984) uma das angústias mais arcaicas que é a separação da própria mãe. Segundo Maldonado (2005) são comuns, ainda na gestação, os sonhos em que há perda de partes de si própria, como membros, dentes, cabelos, etc. Esse conflito pode ser minimizado pela relação com o bebê após o nascimento.

Mais uma “tarefa” psicológica da mãe, esperada para este período, é a elaboração da perda de seu “bebê ideal”, a partir do momento que se relaciona com seu “bebê real”, que, na maioria das vezes, mostra-se bastante diferente do primeiro. Para a mãe, a realidade do feto in útero não é a mesma do bebê recém-nascido. Durante a gravidez, conforme lembra Felice (2000), a mulher nutre fantasias em relação ao bebê, fruto do desconhecimento de suas características físicas e psíquicas, bem como de suas expectativas e projeções.

A tendência é a idealização de um bebê tranquilo, que chora pouco, dorme bem, negando antecipadamente a realidade de um bebê nas primeiras semanas de vida, diante do qual as mães se sentem angustiadas e confusas, principalmente quando saem da maternidade, onde se sentiam mais seguras, orientadas e supervisionadas. O apoio de familiares e, como destacam Klaus, Kennell e Klaus (2000), as competências dos bebês para a conquista dos pais, através de suas manifestações e reações emocionais a eles, ajudam a minimizar o conflito.

Nesse sentido, já em 1937, Melanie Klein afirmava que o sentimento de gratidão para com a criança que oferece à mãe o prazer de ser capaz de amá-la, realça esses sentimentos e pode conduzir a uma atitude em que a preocupação máxima da mãe seja dirigida ao bem do bebê, e sua própria gratificação associada ao seu bem-estar.

Raphael-Leff (1997) e Szejer e Steward (1997), destacam, ainda, que no puerpério as mulheres podem apresentar uma dissociação entre maternidade e sexualidade, fruto da incompatibilidade consciente ou inconsciente entre a função “sagrada” de mãe, representada pela Virgem Maria, e seu papel como mulher sedutora, representada por Eva. Essa dissociação pode ser decorrente do maior ou menor grau de repressão dos conflitos sexuais. podendo trazer profundas alterações no

relacionamento do casal, influenciando também nas relações familiares. A presença e as atitudes do companheiro podem auxiliar ou dificultar à mulher integrar essas duas faces da sua feminilidade.

3.3 A Depressão Pós-Parto