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O contexto familiar se modifica em decorrência do nascimento de um filho, surgindo exigências de adaptação às novas circunstâncias. Com o nascimento do bebê, a mulher deixa de ser o centro de sua própria vida, o bebê passa a ocupar essa posição; ela enfrenta privação de sono e se adapta ao ritmo do bebê, das mamadas dele, impossibilitando que ela retorne de imediato à rotina anterior ao nascimento do filho.

Os pais, especialmente a mãe, devem passar por processos psicológicos e sociais que envolvem: (a) iniciar as funções maternais com sua bagagem psicológica, familiar e transgeracional; (b) auxiliar o bebê em seu desenvolvimento, estimulando-o globalmente; (c) adaptar- se e reorganizar o núcleo familiar e social para incorporar o novo membro.

Praticamente até o início do século passado, a maternidade era um evento, em sua essência, familiar e social, no qual as mulheres se viam mais envolvidas e apoiavam umas às outras, quer fossem da mesma família ou não. Hoje, o cenário social da maternidade encontra- se modificado, as famílias não vivem mais tão agrupadas, mães e avós são ativas profissionalmente e a mulher passa a contar com muito menos pessoas para apoiá-la tanto nas tarefas envolvidas nos cuidados de um bebê, quanto no compartilhar de dificuldades e emoções. O estudo longitudinal realizado por Cindy-Lee e Nicole (2007) confirma a diminuição de traços depressivos em mães que tinham a possibilidade de trocas com outras mães nas primeiras oito semanas após o nascimento do bebê.

De acordo com Langer (1981) as condições sociais atuais constituem uma perda para as mães, pois o auxílio feminino é importante para que elas se sintam aprovadas em sua maternidade e feminilidade. Apesar da ambigüidade, que inclui necessidade de confiança e reconhecimento e, ao mesmo tempo, temor à rivalidade e ao fracasso, recorrer a outras mulheres com pedido de ajuda, denuncia que, inconscientemente, há uma transferência da própria mãe boa para as mulheres que a apoiam e acompanham.

Nesse novo contexto social, vê-se alterado o papel atribuído ao pai, como explicitado no item anterior e se ressalta o papel da rede social de apoio na experiência da maternidade. Rapoport e Piccinini (2006), em seu levantamento bibliográfico sobre o tema, definem a rede social de apoio como “a disponibilidade de sistemas e pessoas significativas que proporcionam apoio e reforço às estratégias de enfrentamento do indivíduo diante das situações de vida” (p.86), incluindo-se a família extensa, os amigos, colegas de trabalho, relações comunitárias e serviços de saúde, de credo religioso ou político.

Hernández, Kimelman e Montino (2000) observam que quando as mulheres provêm de uma rede familiar de apoio que estimule suas competências e aptidões, o enfrentamento das questões relativas à maternidade e ao bebê é mais seguro. Mas, nos casos de perturbação das relações familiares, o risco de laços patológicos é bastante significativo, caso a mãe repita seu modelo familiar de vinculação.

Em seu estudo, Cindy-Lee e Nicole (2007) detectaram a percepção das mães quanto ao suporte psicológico oferecido pelas equipes. Em função disso, as autoras afirmam que uma maior compreensão das abordagens de apoio específico pode auxiliar os profissionais da saúde no desenvolvimento de intervenções preventivas efetivas. Diagnosticar e intervir precocemente na gravidez e no pós- parto previne complicações para a mãe, para o bebê e para toda a família. Independente da terapêutica aplicada, a abordagem das mães nas maternidades e nos centros de saúde engloba três aspectos importantes: a importância da família e da rede social de apoio; o papel de acolhimento da equipe de saúde; e a psicoterapia.

Cada mãe pode apresentar necessidades diferentes, quer seja “uma orientação, uma ajuda prática ou mesmo algumas palavras de carinho. Muitas vezes a ajuda pode não ser solicitada ou mesmo recebida, mas o fato de a mãe saber que tem com quem contar tem um impacto potencial positivo” (Rapoport & Piccinini, 2006, p.94).

Confirmando a relevância das redes sociais de apoio na perinatalidade, Rapoport e Piccinini (2006) realizaram levantamento de estudos longitudinais que diagnosticaram:

- a importância do papel promotor de saúde das redes sociais de apoio desde a gravidez, uma vez que demonstraram influências positivas não só no período de gestação, como no desenvolvimento ao longo da infância. Mães e bebês acompanhados por redes de apoio se mostraram em boas condições de saúde, sem necessitar cuidados intensivos.

- mães com uma rede de apoio social maior mostraram-se sensíveis em sua interação com o bebê, tornando-se hábeis para atentar às necessidades do bebê, uma vez que têm oportunidade de contato com outras pessoas, tendo suas próprias necessidades emocionais atendidas.

- a adequação do apoio social mostrou-se visivelmente associada à responsividade materna.

- pai como a fonte principal de apoio social, seguido por outros membros da família, especialmente parentes mulheres (mães e irmãs) e creches, essas últimas, mencionadas após os seis meses de idade da criança.

Atualmente, em conformidade com os novos recursos tecnológicos, mundialmente difundem-se as salas de “chat”, listas on line, blogs e comunidades, que proporcionam às novas mães se “encontrarem”, dividir dúvidas, crenças, indicações, ideologias quanto à criação de seus filhos. Além disso, sites com textos científicos, escritos por profissionais, divulgam informações das mais diversas, tornando-se a tecnologia um novo tipo de suporte social.

Bergeret- Amselek (2000) e Agard-Maréchal (2007) observam, porém, que o que predomina é o silêncio das mães diante das grandes dificuldades, eminentemente as emocionais diante da experiência da maternidade. Por isso as mulheres acabam desenvolvendo as chamadas “doenças da maternidade” (Delassus, 2002) em diferentes níveis de intensidade e significados psicológicos. Daí a importância de que profissionais de saúde e comunidade conheçam a fundo a problemática envolvida no período perinatal, que facilitam o encaminhamento a tratamentos psicoterápicos, como possibilidade de ajuda.

4 MÉTODO

“Em metodologia psicanalítica, não há critério para se determinado uso é certo ou errado, significativo ou demonstrável, mas se promove ou não um desenvolvimento.” Wilfred Bion Os métodos de investigação escolhidos para serem utilizados no desenvolvimento de um estudo são consequências de como o pesquisador vê e entende a natureza da realidade, o conhecimento e os processos de mudança. São mais do que uma decisão de como fazer a pesquisa, mas do por que fazer e para quem fazer (Cifuentes, 2004).

A escolha do método clínico empregado para sustentação desta tese foi uma consequência natural dos objetivos antes referidos e da minha prática em psicoterapia. Identificada com as ideias de Marion Minerbo (2004) e Cifuentes (2004) considero que os pressupostos metodológicos que regem uma pesquisa são essencialmente uma postura diante do conhecimento que determina os procedimentos de aproximação do objeto de estudo.

O método clínico lança mão de conhecimentos psicanalíticos, tanto para a pesquisa de campo, através da valorização dos fenômenos transferenciais16, quanto para a discussão dos resultados, através da valorização do funcionamento psíquico inconsciente. Mais do que compreender o comportamento humano, o método clínico procura entender o processo pelo qual as pessoas constroem significados, tentando dar-lhes sentido ou interpretação (Turato, 2000).

A opção pela psicoterapia psicanalítica como instrumento se baseia também no fundamento epistemológico psicanalítico defendido por Freud (1912), Mezan (1998), Roudinesco (2000) e Aguiar (2001), de que pesquisa e tratamento coincidem, e de que cada caso estudado adquire um valor “exemplar”, já que contempla singularidades e vivências compartilhadas por outros sujeitos. Além disso, a prática clínica, como acesso à realidade psíquica subjetiva é, segundo Berlink (1993), uma fonte para a formação de problemáticas que impulsionam a construção do saber metapsicanalítico17 que, por sua vez, está pautado na necessidade de rigor quanto à sua aplicação.