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Aspectos que integram a noção baconiana de progresso

Capítulo 2 O progresso do conhecimento, o bem da humanidade e a obediência à

2.3 Aspectos que integram a noção baconiana de progresso

Nesse tópico, discutiremos à luz da filosofia baconiana, sobretudo tomando como referência a primeira parte de O progresso do conhecimento, aspectos que são fundamentais à noção de progresso concebida pelo autor do Novum Organum. Por um lado, o inglês indica uma série de fatores. Por exemplo, que os Estados invistam em pesquisa, que se busque reunir em volta das instituições de pesquisas os melhores pesquisadores, que se valorize tais pesquisadores e os remunerem bem. Por outro, ele propõe que se abandone o saber professoral desarraigado da prática, a educação meramente repetitiva, a prática de exercícios que não correspondam à realidade, entre outros. Acompanhemos a seguir os posicionamentos do inglês, a começar pela crítica ao saber professoral. Por motivo didático, abordaremos esses aspectos em alíneas.

a) É preciso superar o saber meramente professoral. Afirma o filósofo, “nem há que se esquecer tão pouco que essa dedicação das instituições e dotações ao saber professoral não só têm tido um aspecto e influência malignos sobre o crescimento das ciências, como ademais têm sido prejudicial para os Estados e governos”. (BACON, 2007, p. 105). Destaque meu. Até os doutos, salienta Dussán, ajustados à proposta de se construir novos e úteis saberes, deveriam “despojarse de la investidura de docto, esto es, dejar de lado los discursos típicos de los doctos, dejar por un momento la academia y sus argumentacionesy situarse del lado del común de los hombres”. (DUSSÁN, 2009, p. 102).

b) É necessário estudar a natureza com profundidade e descer à raiz das coisas. Nas palavras do Chanceler, “mas, se se quer que uma árvore dê mais frutos do que costuma dar, não é o que se faça aos ramos, mas o revolver a terra e pôr humo novo em redor das raízes o que resolverá”. (BACON, 2007, p. 105). A árvore que o autor inglês se refere aqui diz respeito à ciência e de modo especial à filosofia natural. Se a ciência e a filosofia natural quiserem dar passos mais firmes na direção de investigar melhor, interpretar e conhecer com verticalidade a natureza, é necessário afastar-se do saber professoral e livresco. É preciso buscar uma nova lógica ou um novo método em contraposição ao silogismo de Aristóteles fortemente cultivado pela teologia escolástica. Pois, assevera Bacon,

há que se recordar a propósito deste último ponto [a conversão da filosofia de Aristóteles em teologia pelos escolásticos], ... que na demonstração da dignidade do conhecimento ou saber separei desde o começo o testemunho divino [fé] do humano [razão], e tal é o método que tenho seguido, tratando os dois [filosofia e teologia] separadamente. (BACON, 2007, p. 96). Destaques meus.

c) É preciso que a educação seja capaz de aliar teoria e prática, conteúdos e realidade, exercícios e correspondência com a vida. Na avaliação de Bacon, as ciências estavam estagnadas e os príncipes da sua época tinham dificuldades em encontrar pessoas capacitadas nos assuntos de Estado, “porque não há nos colégios uma educação livre com a qual os que tiverem esta inclinação possam dedicar-se às histórias, às línguas modernas, aos livros de política e temas civis, e outras coisas semelhantes...”. (BACON, 2007, p. 105). Em Bensalém, ilha descrita por Bacon na Nova Atlântida, ao contrário, a educação vigente por lá mostrava- se bastante dinâmica e frutífera. Por exemplo, um dos tripulantes do navio que se perdeu e atingiu a ilha, constatou que “o povo [daquela ilha] dominava várias línguas e era tomado de humanidade...” (BACON, 1999, p. 224). Destaque meu.

Vale destacar que, a crítica que Bacon tece contra o estudo das palavras não significa, por exemplo – como apresenta Mauro Grün, um Bacon a-histórico e negador da tradição, discutiremos isto no terceiro capítulo –, uma recusa absoluta ou desvalorização do estudo da história, dos saberes antigos, das letras ou coisas parecidas. Não restringir-se meramente às palavras, segundo o inglês, quer dizer voltar-se para a realidade, para a observação dos fatos, para o estudo cuidadoso das coisas mesmas, portanto, para a tentativa de se aliar teoria e prática.

A educação, na esteira da proposta baconiana, deve levar em consideração uma coisa, a saber, a criatividade. Não poderão surgir inventos úteis para a humanidade nem avanços

para a ciência se a educação basear-se somente em repetições e decorações do mesmo. Numa crítica bastante veemente à separação entre pensamento e ação, teoria e prática, imagens e realidade. Numa crítica extremamente vigorosa à educação livresca e repetitiva tal como faziam os escolástico, escreve Bacon,

é uma falta que encontro nos exercícios empregados nas universidades, que divorciam demasiadamente invenção e memória; pois seus discursos são, ou bem premeditados, onde não se deixa nada à invenção, ou bem

extemporâneos, onde se deixa pouco à memória; enquanto na vida e na ação

o que menos se usa é um ou outro, empregando-se, isto sim, combinações de premeditação e invenção, notas e memória. De modo que neste caso o exercício não se ajusta à prática, nem a imagem à vida... (BACON, 2007, pp. 108-109).

O trecho aponta aspectos fundamentais do pensamento de Bacon. Primeiro, a universidade precisa estar atenta à realidade que cerca. Segundo, no tocante à produção do conhecimento, as coisas não podem correr aleatória e separadamente. As invenções são relevantes, mas a memória também. Os discursos precisam girar em torno das questões e problemas pertinentes. Os conteúdos trabalhados nas universidades devem considerar a prática e a vida na realidade. Se não os saberes produzidos cairão no âmbito da inutilidade. A realidade e a vida não podem ser perdidos de vista. Neste sentido, a educação, o Estado, as instituições de ensino, de pesquisa, sobretudo, as universidades têm um papel importante.

Sobre o tema ainda da educação eficiente que pode contribuir para o avanço das ciências e o estudo da natureza, segundo Bacon, é fundamental que além dos livros se tenham outros recursos e instrumentos. Afirma o Lord:

Mas é certo que para o estudo profundo, frutífero e operativo de muitas ciências, e em especial da filosofia natural e da medicina, os livros não são os únicos instrumentos; (...) pois vemos que com os livros se têm utilizado esferas, globos, astrolábios, mapas, etc., como aparatos necessários para a astronomia e a cosmografia; vemos também que alguns lugares destinados ao estudo da medicina têm anexado a comodidade de jardins com todo tipo de amostras, e dispõem também de cadáveres para as dissecações. (BACON, 2007, p. 107).

O filósofo adentra por meio desse texto numa questão metodológica. O que é importante no estudo da natureza? Como fazer para que os conhecimentos produzidos pelas universidades e homens doutos não incorram em inutilidade e ausência de bons frutos? Esbarramo-nos na relevância do método experimental. Entram aí, não só a invenção ou criatividade, mas a utilização de experimentos e de instrumentos que corroborem com o êxito

da experiência e da pesquisa. Até os jogos de entretenimento podem contribuir com o processo de uma educação não estática. Declara o filósofo: “quanto aos jogos de entretenimento, os considero incluídos dentro da vida e educação civis”. (BACON, 2007, p. 178). O que não dá para admitir é conformar-se com o estabelecido. É preciso pensar a ordem vigente.

O inglês deixa patente que se a meta é adquirir conhecimento aprofundado da natureza, saber frutífero e útil à vida do homem, os livros sozinhos não são suficientes. Munir-se de instrumentos e valorizar a experimentação são indispensáveis para que se possa avançar no processo de interpretação e conhecimento da natureza. Aliás, foi graças ao cultivo de uma educação que valorizasse, de um lado, o estudo da história e das línguas, e do outro, a experimentação e a prática, que a Ilha de Bensalém, por intermédio da Casa de Salomão – esta, uma instituição ou centro de pesquisas – atingiu resultados relevantes para o melhoramento da vida humana. No entanto, pode-se questionar: mas, Bensalém, a Casa de Salomão, a Nova Atlântida estão no âmbito da utopia?!

Segundo Oliveira, as narrativas utópicas foram escritas para um público muito mais amplo do que o que lia os ensaios e tratados filosóficos. Ele afirma que, no imaginário utópico do século XVII, se sobressai o interesse pelas técnicas e ciências e a aposta no desenvolvimento da filosofia da natureza como um conhecimento socialmente útil. No seu artigo intitulado A Ciência Nas Utopias De Campanella, Bacon, Comenius, E Glanvill, Oliveira afirma que a Utopia de Bacon deve ser vista como uma forma de tentar ensinar os homens a desejarem, mostrando a eles o que seria possível com sua força. Conforme Oliveira, em Nova Atlântida se encontra o modelo de uma sociedade unificada, na qual o empenho na busca do conhecimento-domínio da natureza traria estabilidade civil e prosperidade econômica. De acordo com a explicação do autor no artigo supracitado, a Casa de Salomão trata-se de um grande laboratório dedicado ao desenvolvimento da pesquisa tecnológica para o avanço do conhecimento e bem-estar da população. Ao analisar estes aspectos sinalizados por Oliveira, torna-se plausível afirmar que, para Bacon, desenvolvimento científico e tecnológico – ou seja, o progresso – se vincula fortemente ao conhecimento da natureza e ao beneficiamento da sociedade35. Acerca dessa discussão em torno da utopia baconiana, completa Japiassu: “a obra de ficção Nova Atlântida é uma utopia técnica, situada numa ilha

35 Toda a discussão desenvolvida nesse parágrafo pode ser conferida em: (OLIVEIRA, em

de felicidade, abrigando um “Templo de Salomão” ou uma “universidade técnica” onde se fabricam objetos extraordinariamente úteis à vida humana” (JAPIASSU, 1995, p. 26).

Assim, voltando à questão acerca dos resultados oriundos da educação e da prática científica em Bensalém, escreve Bacon:

Temos ainda diversas artes mecânicas... bem como produtos obtidos por meio delas, como o papel, o linho, a seda, tecidos... temos calores que imitam o calor do sol e dos corpos celestes, ... Temos certos aparelhos que, aplicados ao ouvido, aumentam a audição, ... Imitamos ainda o vôo dos pássaros e dispomos de algumas formas de voar pelo ar; navios e barcos que vão sob a água e que são capazes de suportar a violência dos mares, ... Imitamos ainda os movimentos das criaturas vivas, como os do homem, dos animais, dos pássaros, dos peixes e das serpentes. (BACON, 1999, pp. 249- 251).

A citação ilustra bem o que Bacon entendia por avanços da ciência e progresso. Provavelmente, estejam aí elementos que fundamentam a tese de Oliveira, para quem, em Bacon encontra-se fundamentação para a ciência como tecnologia. Ciência e tecnologia aparecem muito próximas. O filósofo concebe coisas que só serão concretizadas séculos depois. É o caso do avião, do submarino, dos aparelhos auditivos, da robótica, etc. Todos esses aspectos podem ser discutidos e foram pensados pelo inglês. Talvez seja por isso que Japiassu considera o filósofo um profeta da ciência moderna.

Não resta dúvida que o universo de Bacon ainda é bastante pré-científico. Mas ele contribuiu para lançar o homem na conquista da natureza. Homem de transição, uma espécie de novo Moisés, mostrou à humanidade a terra prometida. Mas não conseguiu entrar nela. Foi o profeta da revolução científica, não seu realizador, seu herói e ser mártir. (JAPIASSU, 1995, p. 22).

Estudando a natureza e imitando o movimento das criaturas vivas como o homem, os animais, pássaros, peixes e serpentes, tornaria possível criar uma segunda natureza. Teríamos aí, o que se pode chamar em termos baconianos, a plasticidade. Porém, nada disso seria efetivado se uma educação eficiente, criativa, ampla e voltada para a prática não fosse implementada. Esse seria o caminho para que o homem pudesse controlar a natureza. Por isso, acrescenta Japiassu ao se referir à Nova Atlântida, “as instalações da ilha devem comportar laboratórios de todos os tipos, onde todos os aparelhos precisam ser estudados e aprimorados para o melhor bem-estar técnico da humanidade e para sua maior felicidade geral” (JAPIASSU, 1995, p. 21). O barco deveria navegar tendo em vista este porto: ampliação do conhecimento da natureza e felicidade para a humanidade. Lembrando que, para Bacon, porto não significaria acabamento, apreensão total da verdade, nem tão pouco conformar-se ou

aceitar o estabelecido inquestionavelmente. O porto seria um estágio, uma pausa, um momento de espera até iniciar a próxima viagem. Pois, a pesquisa deve ser contínua. Entretanto, vale lembrar igualmente, nessa conjuntura de barco, mar, viagem e porto – imagens que são trabalhadas por Bacon –, o naufrágio também se insere como possibilidade.

d) É preciso investir na prática de experimentações. Declara Bacon, “dificilmente se fará avanço importante no desvelamento da natureza se não se designam fundos para gastos de experimentação...”. (BACON, 2007, p. 107).

e) É fundamental que se requisite os mais preparados professores – investigadores da natureza – e pague a estes pesquisadores salários que lhes permitam viver dignamente. Pontua o filósofo inglês,

Pois para o progresso das ciências é necessário que os professores sejam escolhidos entre os homens mais capazes e eficientes... Isto não será possível se sua condição e remuneração não são tais que possam persuadir o mais capacitado a dedicar todo seu esforço e permanecer toda sua vida nessa função e serviço... (BACON, 2007, pp. 105-106).

f) Além dos investimentos em pesquisas, reconhecimento e valorização do papel dos pesquisadores inclusive pagando-os bem, indica Bacon, é preciso que haja fiscalização nos serviços de educação com a seguinte finalidade: o que estiver adequado deve ser mantido, porém, o que estiver desajustado deve sofrer intervenção e reforma. Declara o filósofo:

Outro defeito que observo é uma negligência e descuido, nas consultorias dos reitores das universidades, e nas inspeções dos príncipes ou superiores, para tomar em consideração e examinar se as aulas, exercícios e outras coisas habitualmente associadas ao saber, iniciadas em tempos antigos [Bacon não ignora o saber antigo] e desde então mantidas, estão bem instituídas ou não, e sobre isso fundamentar uma emenda ou reforma daquilo que pareça inadequado. (BACON, 2007, p. 107). Destaque meu.

Não é bom que se opere a educação com descuidos. O acompanhamento por parte do Estado e sua responsabilidade no quesito educação e pesquisa é fundamental para que o saber torne-se eficiente, avance e seja útil para a humanidade. A educação e a pesquisa sobre a natureza precisam ser levadas a sério.

g) É extremamente relevante – ante a tarefa de procurar conhecer a natureza na sua complexidade – que haja intercâmbio e permanente diálogo entre as universidades e as instituições de pesquisas. Trocar experiências é indispensável ao avanço do saber. Esse posicionamento do inglês está contemplado não só em O Progresso do Conhecimento,

quando ele escreve que “o progresso do conhecimento..., conheceria ainda maior avanço se houvesse mais inteligência mútua entre as universidades...” (BACON, 2007, p. 109), como igualmente em A Nova Atlântida. A ilha de Bensalém na qual foi estabelecida a Casa de Salomão, tendo em vista a divulgação da ciência produzida por lá, a troca de saberes e de experiências com outras instituições de pesquisa, estabeleceu o seguinte regulamento:

que cada doze anos seriam enviados para fora do reino dois navios, para várias viagens; que em cada um deles fosse uma comissão de três dos membros ou irmãos da Casa de Salomão, cuja missão seria apenas a de nos dar a conhecer os assuntos e o estado, naqueles países para os quais fossem enviados, especialmente, das ciências, artes, manufaturas e invenções de todo o mundo; e também trazer livros, instrumentos e modelos de toda espécie... (BACON, 1999, p. 237).

A primeira inferência da citação „cada doze anos...‟ aponta para a paciência que deve ser cultivada no desempenho da pesquisa. A natureza, possuidora de estratos profundos, de uma enorme complexidade e, portanto, superior aos sentidos e ao intelecto do homem, não pode ser conhecida adequadamente se as pesquisas forem apressadas e imediatistas. Embora, Bacon fosse entusiasta do conhecimento voltado para a utilidade, todavia, a construção desse conhecimento envolve: paciência, humildade e foco no bem-estar da humanidade. Por isso a importância de não restringir-se somente às palavras. Estas podem nos impor falsas aparências. “A cautela que se tome contra elas [as palavras] é de suma importância para a reta direção do juízo humano”. (BACON, 2007, p. 201). Destaque meu.

h) Considerar e avaliar as diversas opiniões que se tem sobre a natureza. Assevera o filósofo, “convém ver as diversas glosas e opiniões que se tem dado sobre a natureza, nas quais pode suceder que cada um tenha visto mais claro numa questão que seus colegas”. (BACON, 2007, p. 161). Essa postura do inglês aponta para a importância de se considerar as atividades que envolvam outras instituições de pesquisas, outros grupos de pesquisadores, outros estudos desenvolvidos em períodos diferentes, inclusive o saber dos antigos. Seria extremamente frutífero ao progresso do conhecimento, reunir a diversidade de opiniões acerca da natureza. O próprio Bacon planejava desenvolver trabalho nesta perspectiva. Fazia parte do seu objetivo, recompor a história da natureza. A Instauração era um projeto enciclopédico. Nos termos de Japiassu, “Bacon revela uma universal curiosidade. E sua sede de maravilhas já se projeta num programa enciclopédico. A Grande Instauração define um inventário das possibilidades técnicas e científicas da humanidade” (JAPIASSU, 1995, p. 20). Considerar as diversas opiniões sobre a natureza pode ainda apontar, dentro da filosofia baconiana, para o

diálogo que deve haver entre os pesquisadores e outras áreas do saber. Mas não apenas isso. Aponta também para a importância de considerar os saberes não acadêmicos, as experiências dos homens comuns. Os exemplos comuns e familiares não podem ser desperdiçados. “Temos abandonado muito prematuramente e nos afastado excessivamente dos particulares” (BACON, 2007, p. 149). Conhecer a totalidade de uma determinada realidade é extremamente relevante. Porém, não se pode esquecer das partes.

i) É preciso afastar-se da fragmentação do saber. O filósofo criticou veementemente a fragmentação dos conhecimentos. O objetivo da Grande Instauração era recuperar essa fragmentação. No Progresso do Conhecimento, ele escreve: “e em geral há de seguir-se esta norma, aceitar todas as partições dos conhecimentos mais como linhas e veias que como seções e separações, e manter a continuidade e integridade do conhecimento”. (BACON, 2007, p. 163). Destaque meu. Nesse sentido, ouvir o(s) outro(s) contribui em larga medida para que o conhecimento seja aperfeiçoado, menos quebradiço. Esse aspecto é encontrado também na Nova Atlântida, mediante a saída periódica de uma embarcação, cuja finalidade é aprender coisas novas, informar-se a respeito do que está acontecendo no mundo, agregar novas técnicas e saberes. Ao escrever sobre a divisão e classificação do conhecimento, haja vista o projeto da Grande Instauração, Menna, amparado em um posicionamento de Zagorin, expressa: “Bacon considera todas as regiões do conhecimento como partes interligadas e igualmente importantes do „globo intelectual‟, e portanto evita fazer uma organização hierárquica das diferentes ciências”. (MENNA, 2011, p. 45). Assim, fica claro que o diálogo entre pesquisadores, instituições de pesquisas, diferentes áreas do conhecimento e a troca de experiências eram extremamente bem vistos e admitidos pelo Barão de Verulam. Encontramos aí uma nuance metodológica. Abre-se até uma janela para formular a seguinte questão: teríamos aqui sementes da chamada interdisciplinaridade36?

36 Segundo José de Ávila Aguiar Coimbra, a interdisciplinaridade entrou para o vocabulário acadêmico usual,

timidamente e tateando, há cerca de dois decênios. “O vocábulo “interdisciplinaridade” apresenta-se despretensioso na sua origem, ambíguo na sua acepção corrente e complexo na sua aplicação. Na verdade, parece que tais características se verificam facilmente. Tome-se como ponto de partida a gênese da palavra, na sua conceituação etimológica. Sua formação deu-se efetivamente pela união da preposição latina inter ao substantivo disciplinaridade, resultando num conceito que é gráfica, fonética e semanticamente diferente de outros afins, como a multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a intradisciplinaridade”. (COIMBRA, 2000, p. 54). Conforme Coimbra, a interdisciplinaridade tem a ver com um tema, um objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexo e vínculo com o objetivo de apresentar como resultado um conhecimento amplo, mas ao mesmo tempo diversificado e unificado. A imagem que serve para ilustrar a interdisciplinaridade é a do balé. (Cf. Idem, p. 58). No balé, tem-se uma série de movimentos, porém essa diversidade de movimento é coordenada, harmônica, ensaiada, discutida, portanto, unificada.

O conhecimento da natureza é processo e não teria êxito se se desse isoladamente, portanto, na perspectiva apenas do gênio e do indivíduo. Segundo argumenta Rossi, “Bacon introduziu um conceito de grande importância que ficará no centro de sua obra de reforma do saber: na ciência podem-se alcançar resultados efetivos e consistentes apenas mediante uma sucessão de pesquisadores e um trabalho de colaboração entre os cientistas”. (ROSSI, 2006, p. 121). Nessa mesma referência, Rossi declara que na filosofia de Bacon, a ciência deve abandonar a genialidade não controlada de um indivíduo, deve abandonar o acaso, a arbitrariedade, a síntese apressada em detrimento de tomar como base, um experimentalismo construído e bem fundado no conhecimento da natureza. Um pouco mais adiante, assenta Rossi, “A luta em favor de uma coletividade organizada de cientistas, financiados pelo Estado ou por outras instituições de utilidade pública, e a tentativa de criar uma espécie de