• Nenhum resultado encontrado

2. Coping no trabalho

2.2. O coping e a saúde no trabalho

2.2.1. Aspetos teóricos

Nesta secção, discutimos a saúde especificamente relacionada com o trabalho. Para compreender a saúde de quem trabalha e descrever uma organização saudável, a literatura tem recorrido de forma proeminente ao quadro teórico e ao paradigma do stresse no trabalho (Tetrick, 2002; Vandenberg, Park, DeJoy, Wilson & Griffin-Blake, 2002). Começamos, em pri- meiro lugar, por identificar de modo genérico os processos que constituem a saúde no traba- lho. Em segundo lugar, recuperamos os processos específicos que relacionam o stresse com a saúde no trabalho. Por fim, revemos os principais modelos de stresse e saúde no trabalho.

Para introduzir a saúde no trabalho escolhemos intencionalmente uma proposta que não faz referência ao coping. O quadro teórico de Danna & Griffin (1999) apresenta um mode- lo interativo da saúde e do bem-estar, enquanto determinados pela interação entre o ambien- te (físico) de trabalho, a personalidade dos indivíduos e fatores organizacionais geradores de stresse. Por sua vez, é da saúde e do bem-estar dos trabalhadores que dependem as conse- quências individuais e organizacionais consideradas. A Figura 2.3 representa este modelo.

Danna & Griffin (1999) consideram o conceito de bem-estar como mais lato e abran- gente que o de saúde. O bem-estar no trabalho inclui não apenas a saúde, avaliada por indica- dores psicológicos (e.g., afeto, ansiedade, frustração) e fisiológicos (e.g., pressão sanguínea, estado físico geral), mas sobretudo a satisfação quer com as dimensões de vida não relaciona- das com o trabalho (e.g., vida social, familiar, espiritualidade), quer com as dimensões relacio- nadas com o trabalho (e.g., salário, perspetiva de promoção, relação com colegas). O bem- estar e a saúde são determinados pelos riscos físicos do trabalho, pelos traços da personalida- de (os autores destacam aspetos do padrão comportamental Tipo A e o locus de controlo) e

Figura 2.3. Saúde e bem-estar no trabalho: quadro de referência

(Danna & Griffin, 1999, p. 360)

pelos stressores organizacionais. Danna & Griffin designam-nos por stresse ocupacional, ainda que se refiram, em rigor, aos fatores organizacionais geradores de stresse, os quais poderiam também ser designados por fatores psicossociais do trabalho. As consequências do bem-estar e saúde no trabalho são distinguidas ao nível individual e organizacional, ainda que ambos sejam interdependentes. Os autores destacam as consequências da (falta) de saúde dos traba- lhadores ao nível da segurança financeira e da rentabilidade das organizações, e propõem intervenções dirigidas aos três planos considerados (antecedentes, saúde e bem-estar e con- sequências). Este quadro de referência (1) concebe a saúde de acordo com os modelos mais recentes, (2) ilustra a generalidade dos modelos de saúde no trabalho, mas (3) não esclarece como os indivíduos “materializam” os fatores antecedentes em saúde, e em concreto não con- sidera o papel do coping nesse processo.

A saúde no trabalho é entendida adentro da perspetiva positiva que enunciámos no ponto 2.2, sobretudo por destacar o conceito de bem-estar. A literatura refere-se ao bem- estar usando vários qualificativos, dos quais os mais salientes são o bem-estar afetivo, o bem- estar subjetivo, o bem-estar psicológico e bem-estar social. Novo (2005), reportando-se aos três últimos, defende um conceito global de bem-estar que integre os múltiplos aspetos do funcionamento psicológico representado pela noção de bem-estar, no qual o bem-estar subje- tivo representa a vertente emocional do conceito, apoiado no funcionamento positivo pessoal e social. Ensaiamos uma representação desta integração na Figura 2.4.

O bem-estar subjetivo reflete o quanto a pessoa se julga feliz. O conceito traduz a ava- liação global da satisfação com a vida e inclui as respostas emocionais da pessoa e a satisfação com os seus diferentes domínios de vida. O bem-estar subjetivo é constituído por três compo- nentes, o primeiro de natureza cognitiva e os dois últimos de natureza emocional: satisfação com a vida, afeto positivo (energia, entusiasmo, excitação) e afeto negativo (raiva, culpa,

Figura 2.4. Modelo global do bem-estar

depressão). Uma pessoa com elevado bem-estar subjetivo (i.é, uma pessoa feliz) combina ele- vada satisfação com a vida, baixa afetividade negativa e elevada afetividade positiva (Diener, 1984; Diener, Suh, Lucas & Smith, 1999). O bem-estar psicológico traduz o funcionamento psi- cológico positivo e é constituído por seis dimensões: autoaceitação (avaliações positivas de si mesmo e do seu passado), crescimento pessoal (sentimento de desenvolvimento contínuo enquanto pessoa), objetivos de vida (crença de que a vida tem propósitos e significado), rela-

ções positivas com os outros (possuir relações interpessoais de qualidade), domínio do meio

(capacidade de gerir com eficácia a própria vida e o mundo circundante) e autonomia (senti- mento de autodeterminação) (Ryff, 1989; Ryff & Keyes, 1995). O bem-estar social representa a avaliação das circunstâncias e do funcionamento pessoal em sociedade e é constituído por cinco dimensões: integração social (pertença, partilha e qualidade da relação com a sociedade e a comunidade), contribuição social (avaliação do seu próprio valor social), coerência social (avaliação do mundo social como compreensível, sensível e previsível), aceitação social (con- fiança e consideração pelos outros) e evolução social (crença no potencial da sociedade e na sua concretização pelas instituições e pelos cidadãos) (Keyes, 1998).

O conceito de bem-estar afetivo representa uma estimação subjetiva de quanto uma pessoa se sente bem ou mal, e refere-se especificamente ao trabalho. Inclui indicadores não contextuais (como a satisfação com a vida e a felicidade) e indicadores contextuais relativos quer à organização em termos gerais (como a satisfação profissional e o envolvimento com o trabalho), quer a facetas organizacionais específicas (como a satisfação com o ordenado e com os colegas). O bem-estar afetivo define-se em duas dimensões – ativação e prazer –, as quais permitem classificar todos os estados afetivos relacionados com o trabalho em quatro catego- rias: estados afetivos prazenteiros de elevada ativação (i.é., entusiasmo) e baixa ativação (i.é., conforto), e estados afetivos desagradáveis de elevada ativação (i.é., ansiedade) e de baixa ativação (i.é., depressão). A conjugação daquelas duas dimensões permite classificar o bem-

Bem-estar subjetivo Bem-estar psicológico Bem-estar social

estar afetivo no trabalho segundo três eixos: desprazer-prazer; ansiedade-conforto; e depres- são-entusiasmo. O bem-estar afetivo é um dos cinco componentes da saúde mental, a par da competência, autonomia, aspiração e funcionamento integrado; a competência, autonomia e aspiração refletem a relação com o ambiente, enquanto o funcionamento integrado represen- ta uma soma subjetiva de todas as restantes dimensões (Mäkikangas, Hyvönen, Leskinen, Kin- nunen & Feldt, 2011; Warr, 1990, 1994, 2011).

Os modelos da saúde no trabalho destacam a noção de bem-estar, como conceito mais vasto que o de saúde. O modelo de Danna & Griffin (1999) é uma boa ilustração dos elementos e processos habitualmente identificados a propósito da saúde e bem-estar no trabalho. Desig- nadamente, a saúde e bem-estar dependem de dois tipos de fatores, um relacionado com o trabalho em sentido lato, o qual pode ser subdividido em fatores físicos e em fatores psicosso- ciais do trabalho, e o outro relacionado com os indivíduos, em concreto com a sua personali- dade. Adicionalmente, o estatuto de saúde e bem-estar influencia a saúde funcional e financei- ra das próprias organizações.

Como afirmámos anteriormente, a saúde e bem-estar no trabalho têm sido estudados maioritariamente no contexto do paradigma do stresse no trabalho. Entenda-se o stresse no trabalho enquanto transação cognitivamente mediada entre o indivíduo e o ambiente de tra- balho (Lazarus, 1991; Lazarus & Folkman, 1984), em particular com as fontes de stresse organi- zacional (Cooper & Marshall, 1978 citado por Cartwright & Cooper, 1996), que desencadeia respostas neuroendócrinas tendentes a assegurar a adaptação das pessoas (McEwen & See- man, 1999; Sapolsky, 2004; Selye, 1978) e que se fazem acompanhar de alterações fisiológicas e psicológicas. É por via destas alterações fisiológicas (e.g., aumento do ritmo cardíaco) e psi- cológicas (e.g., desânimo) que se instalam as doenças e perturbações, quer físicas (e.g., hiper- tensão), quer mentais (e.g., depressão). Nos domínios específicos da psicologia organizacional e da saúde ocupacional, o pensamento e a investigação sobre o stresse e a saúde e bem-estar no trabalho têm seguido, de modo geral, três modelos principais: (1) modelo das facetas do

stresse organizacional de Beehr & Newman (1978); (2) modelo do coping em organizações de Burke (1979 citado por Burke, 2002); e (3) modelo do contexto, coping e adaptação de Moos

(1984; Chun, Moos & Cronkite, 2006). Estes modelos representam um marco histórico capital no estudo do stresse e da saúde no trabalho, na medida em que foram propostos no fim da década de 1970, em resultado de extensas revisões bibliográficas, estabeleceram os consti- tuintes e processos a estudar e orientaram a investigação na área desde os anos 1980 até aos nossos dias, mantendo a sua atualidade e utilidade. As Figuras 2.5, 2.6 e 2.7 apresentam os modelos.

Como se pode verificar nas suas representações gráficas, os três modelos revelam ele- vada concordância conceptual, chegando mesmo a partilhar denominações para os aspetos que os constituem (painés, no casos dos modelos de Moos, 1984, e de Burke, 2002), ou deno- minações sinónimas (facetas, no caso do modelo de Beehr & Newman, 1978). Estes painéis ou facetas, e os processos entre eles, indicam os constructos a estudar e sobre os quais intervir. Nos seus aspetos distintivos, os três modelos complementam-se, acabando por fornecer uma imagem integral da saúde no trabalho, destacando em particular o quadro referencial do stresse e o papel desempenhado pelo coping. De forma sucinta, apresentamos a síntese destes modelos, aspeto a aspeto, começando por aqueles que são comuns.

Figura 2.5. Modelo das facetas do stresse organizacional

(Beehr & Newman, 1978, p. 676; Jex & Britt, 2008, p. 207)

O ambiente organizacional (ou faceta e sistema ambiental) refere-se às condições (objetivas) do ambiente de trabalho que podem ser percecionadas como causas de stresse pelos indivíduos. No Capítulo 2.1 referenciámos já estas condições. Chun, Moos & Conkrite (2006) apelidam-nas mesmo de stressores e acrescentam o clima social e os recursos que o ambiente também oferece ao indivíduo. Na dupla aceção de stressores e de recursos, equipa- rámos estas condições aos fatores psicossociais do trabalho (Cf. Capítulo 2.1), com exceção daquelas que são de natureza física.

O sistema (ou faceta) pessoal inclui as características da personalidade e os recursos de que os indivíduos dispõem para lidar com as condições ambientais. Abordámos já estas características no Capítulo 1.2. Beehr & Newman (1978) destacam de forma minuciosa e inclu- siva os traços de personalidade e as características comportamentais (intolerância à ambigui- dade, extroversão/introversão, autoestima, motivações, ansiedade-traço, valores, experiência prévia, etc.), a condição física (saúde, hábitos alimentares, padrão de sono, etc.), característi- cas da fase de vida (ciclo de vida familiar, fase da carreira, etc.) e fatores demográficos (idade, nível educacional, sexo, estatuto socioeconómico, etc.).

A faceta do processo traduz a relação (transação) entre os sistemas ambiental e pes- soal, e reporta-se aos processos biológicos e psicológicos que transformam os estímulos em consequências individuais e organizacionais (Beehr & Newman, 1978). Noutras palavras, o processo refere-se à perceção (avaliação cognitiva) e resposta de stresse. Burke (2002) destaca esses mesmos processos nos painéis (2), (3) e (4), referentes à avaliação cognitiva, às reações de stresse e ao coping. Burke (2002) salienta que o coping é escolhido em função das reações

Figura 2.6. Modelo do coping em organizações

(Burke, 2002, p. 84)

(7) Características individuais

Personalidade

Recursos e opções percebidos

(1) Ambiente organizacional (2) Avaliação cognitiva Benigna/Positiva Ameaçadora Irrelevante (3) Reação individual de stresse Cognições pertur- bantes Afeto negativo Mobilização fisio- lógica (4) Comportamentos individuais de coping Eficazes-Ineficazes (5) Bem-estar/tensão individual Psicológica Fisiológica Comportamental (6) Saúde Doença

Figura 2.7. Modelo do contexto, coping e adaptação

(Holahan, Moos & Schaefer, 1996, p. 27; Moos, 1984, p. 8; Chun, Moos & Cronkite, 2006, p. 30) Painel I

Sistema Ambiental Clima social, Stres- sores e Recursos Painel II Sistema Pessoal Capacidades cognitivas, Competência social, Confiança Painel III Condições transi- tórias Acidentes de vida; Programas de intervenção Painel IV Avaliação cognitiva e Competências de coping Confrontação e evitamento Painel V Saúde e Bem-estar Funcionamento psicológico; Maturação Cultura

95

desempenham um papel essencial neste processo (e.g., Lazarus, 1999, 2006). Chun et al. (2006) apresentam a primeira grande diferença relativamente aos outros dois modelos, ao incluírem a influência de condições transitórias (painel III), ou seja aspetos exteriores ao con- texto de trabalho (como acidentes de vida), na definição deste processo, em particular na escolha das estratégias de coping (painel IV).

A saúde e bem-estar traduzem o sucesso dos atos de coping e a remissão dos sintomas de tensão psicológica, fisiológica e comportamental (painel [5] do modelo de Burke, 2002) que acompanharam a transação de stresse. O seu lado negativo representa as facetas das conse-

quências humanas e organizacionais, que refletem condições de saúde (por ex., cardiovascula-

res, depressivas, ansiosas, consumo tabágico) e interferências com o rendimento organizacio- nal (por ex., redução do desempenho, absentismo, queixas, redução da criatividade e inova- ção, greves).

Entre os três modelos registam-se quatro diferenças significativas, uma delas já identi- ficada acima, a propósito das interferências de condições transitórias (extratrabalho) nos pro- cessos de stresse, coping e saúde ocupacional. Vejamos as restantes.

O modelo de Beehr & Newman (1978) é o único a referir as medidas corretivas, de prevenção, gestão e controlo do stresse e de promoção da saúde no trabalho (faceta das res-

postas adaptativas). Os autores assinalam três planos de respostas adaptativas: (1) individuais

(por ex., meditação, apoio social, redução da importância psicológica do trabalho, atividade física, et.), (2) organizacionais (por ex., reorganização dos trabalhos, alterações nos sistemas de avaliação e recompensas, melhoria da comunicação, fornecimento de serviços de saúde, etc.); e (3) por terceiros (por ex., legislação acerca da qualidade de vida no trabalho, orientação vocacional pelo sistema de ensino, apoio social pela família e amigos, etc.). Neste sentido, o seu modelo revela-se mais completo e abrangente.

Beehr & Newman (1978) consideram ainda a faceta do tempo enquanto variável que interfere com o desenvolvimento de todo o processo e das relações entre as restantes facetas. O objetivo dos autores é duplo. Por um lado, desejam realçar a duração enquanto fator crucial na determinação das consequências dos encontros de stresse. Por outro lado, pretendem aler- tar os investigadores para a necessidade de estudos com desenho longitudinal, os quais podem de modo mais apropriado contribuir para compreender a relação bidirecional entre o stresse do trabalho e a saúde dos indivíduos.

Por fim, Chun et al. (2006), relativamente ao modelo original de Moos (1984), acres- centam a dimensão cultural enquanto contexto fundamental dos processos de saúde, stresse e

coping. Chun et al. entendem a cultura como um sistema macrossocial ou ecológico que

influencia o ambiente (de trabalho, no caso concreto) e os indivíduos e que se interpõe em todo o processo do stresse e do coping, atuando em todos os painéis do seu modelo. Os auto- res salientam que o sistema cultural não é habitualmente considerado nos modelos de stresse e coping. Sugerem ainda que os processos do stresse e coping podem desempenhar um efeito recíproco sobre a cultura, influenciando-a e mudando-a.

Um elemento comum aos modelos anteriores (ainda que menos explícito no de Burke, 2002) é a inter-relação e a interdependência entre os seus constituintes e a reciprocidade e bidirecionalidade entre os seus processos e efeitos, os quais sinalizam a presença de fenóme- nos de retroalimentação. Edwards (1992) constatou que a generalidade dos modelos de

Figura 2.8. Modelo cibernético do stresse, coping e bem-estar nas organizações

(Edwards, 1992, p. 248)

stresse organizacional apresenta curvas de feedback negativo entre os seus constituintes, refletindo princípios elementares da cibernética. No entanto, o autor verifica também que a investigação empírica privilegia a análise bivariada em detrimento do estudo desses mesmos princípios, o que pode concorrer para um hiato entre as proposições teóricas e os dados empí-

Desejos Importância Discrepância Bem-estar Coping Perceção Ambiente físico e social Características pessoais Construção cognitiva da realidade Informação social

ricos, desse modo deixando por revelar muito conhecimento necessário sobre os processos do stresse, coping e bem-estar. Baseando-se na importância dos sistemas autorregulados e na ciência que os estuda (a cibernética) e destacando a sua unidade básica de controlo (volta de

feedback negativo), Edwards propõe o modelo cibernético do stresse, coping e bem-estar. O

modelo é apresentado na Figura 2.8.

Edwards (1992, p.256) define o stresse enquanto discrepância entre o estado perce- cionado e o estado desejado, quando essa discrepância é considerada importante pelos indiví- duos. O “stresse prejudica psicológica e fisicamente o bem-estar e ativa o coping”, que o autor define enquanto “tentativas para reduzir os impactos negativos do stresse no bem-estar”. O

coping atua sobre o stresse através da alteração das perceções, desejos e da importância da

discrepância, e pela melhoria direta do bem-estar. O stresse e o coping são assim entendidos como um sistema dinâmico de curvas de feedback negativo interrelacionadas, que permitem ao autor estabelecer várias proposições. Referenciamos apenas duas, que envolvem outros constituintes do modelo: (1) quando a informação ambiental, pessoal e social é ambígua ou indisponível, o impacto da construção cognitiva da realidade sobre as perceções é maior; (2) quando falta evidência física, as pistas sociais são mais consistentes ou as fontes de informa- ção social são consideradas credíveis, o impacto da informação social nas perceções é maior. Ao propor esta teoria, Edwards pretendia fornecer um quadro de referência unificador para o estudo do stresse, coping e bem-estar nas organizações, destacando a importância do controlo na autorregulação, ideia que aliás ele reconhecia ser subjacente à generalidade dos modelos de stresse e coping.

A saúde e o bem-estar no trabalho dependem grandemente da avaliação dos sujeitos, mas também das características do trabalho. Então, o que é que torna a interação das pessoas com o trabalho, ou a transação entre elas, stressante, e, por essa via, potencialmente deletéria para a saúde, ou não, e até boa para o seu desenvolvimento pessoal? Responder a esta ques- tão implica conhecer os principais modelos de stresse no trabalho.

Modelo de Ajustamento Pessoa-Ambiente

De acordo com o modelo de ajustamento pessoa-ambiente (Caplan, 2011; Edwards, Caplan & Harrison, 2000; French, Rogers & Cobb, 1974), o stresse no trabalho é o desajusta- mento entre o indivíduo e o ambiente de trabalho. Por seu lado, a saúde no trabalho realiza-se no acerto entre a pessoa e o trabalho. Ou seja, fracos ajustamentos pessoa-ambiente definem o stresse no trabalho, enquanto bons ajustamentos pessoa-ambiente refletem a saúde e o bem-estar no trabalho.

A discrepância entre a pessoa e o ambiente pode situar-se em duas dimensões distin- tas: (1) entre as exigências do trabalho (quantitativas e qualitativas, associadas ao papel, rela- tivas às normas) e as competências da pessoa (aptidões, atitudes, formação, tempo, energia); e (2) entre as necessidades da pessoa (psicológicas e biológicas, valores, motivações) e as pro-

visões do trabalho oferecidas pela organização (dinheiro, envolvimento social, oportunidade

de autorrealização) (Edwards et al, 2000). Assim, existe stresse no trabalho quando as exigên- cias do mesmo (por ex., sobrecarga, complexidade) suplantam as habilidades do indivíduo ou

quando as suas motivações (por ex., salário, utilização das suas capacidades) não encontram no trabalho adequada satisfação. Naturalmente, a inversão dos fatores também poderá consti- tuir uma situação de stresse e perturbar concomitantemente a saúde e bem-estar pessoal e organizacional: por exemplo, se o indivíduo possuir mais capacidades que as requeridas pelo trabalho poderá sentir-se subestimado e acusar desinteresse (Ramos, 2001).

Figura 2.9. Modelo Ajustamento Pessoa-Ambiente

(Edwards, Caplan & Harrison, 2000, p. 29)

O modelo encontra-se ilustrado na Figura 2.9. Os círculos traduzem discrepâncias entre os conceitos adjacentes, as linhas a cheio representam efeitos causais e as linhas a trace- jado refletem contribuições para os efeitos das interações. O modelo prevê dois tipos de ajus- tamento, um objetivo (entre as propriedades objetivas do trabalho e os atributos objetivos dos indivíduos) e outro subjetivo, que reflete as perceções das pessoas sobre o primeiro. Dada a dificuldade em obter medidas isentas de enviesamentos sobre o ajustamento objetivo, a inves- tigação tem preferido estudar o ajustamento subjetivo (Caplan, 2011). Além do mais, a investi- gação tem demonstrado que o ajustamento objetivo tem pouco impacto sobre a saúde men- tal, ao contrário do ajustamento subjetivo (Edwards et al, 2000). Assim, é a perceção das pes- soas que determina o sentido e a amplitude do desajustamento, perceção essa suportada pelo

contacto com a realidade (grau em que o ambiente subjetivamente percecionado corresponde

ao ambiente objetivo) e pela precisão da autoavaliação (grau de correspondência entre a pes- soa subjetiva e a objetiva). O desajustamento percecionado produz dois tipos de resultados, que podemos diferenciar em operativos (o que a pessoa faz em função do desajustamento) e em finais (o efeito de combinação do desajustamento e da ação da pessoa para a sua saúde e

Ambiente objetivo Ambiente subjetivo Pessoa objetiva Pessoa subjetiva

Coping Defesa Tensões Doença

Contacto com realidade Precisão da autoavaliação Aj. obj. P-A Aj. subj. P-A

bem-estar). O modelo distingue coping de defesa, representando o primeiro as ações da pes- soa para alterar o desajustamento objetivo (dominando o ambiente e/ou procurando adaptar- se a ele) e a segunda as distorções cognitivas destinadas a aumentar o ajustamento percebido (por ex., negação, projeção, repressão). Por fim, o desajustamento percecionado causa ten- sões fisiológicas (aumento da pressão sanguínea, do colesterol, incompetência do sistema imunitário…), psicológicas (insatisfação, ansiedade, disforia, insónias…) e comportamentais (consumo tabágico, absentismo…). A manutenção destas tensões pode determinar a ocorrên- cia de doenças físicas e perturbações psicológicas. Por outro lado, a manutenção de um bom ajustamento pessoa-ambiente produz resultados positivos para a saúde e bem-estar.

O modelo do ajustamento pessoa-ambiente é um dos mais antigos, tendo começado a ser desenvolvido no início dos anos 1970, e a sua eficácia foi já testada empiricamente. Por exemplo, o ajustamento entre a pessoa e o ambiente explica seis por cento mais de variância em termos de satisfação profissional que a pessoa ou o ambiente de trabalho considerados isoladamente (Caplan, 2011). Concluindo, há stresse no trabalho quando as exigências ocupa- cionais e organizacionais suplantam as competências do trabalhador, ou quando as necessida- des deste último não são satisfeitas pela organização.