• Nenhum resultado encontrado

158 Assim, depois de ter tido uma primeira vida como suplemento cultural do Jornal do Fundão (entre 1967 e

1971), ressurgiu como revista autónoma (entre 1973 e 74). De facto, em 1973, o suplemento autonomiza- se do Jornal do Fundão, tendo tomado o nome de “folheca cultural q. b.”. Sobre a publicação diz Clara Rocha que

“Alguns slogans de feição anarquista dão o tom à publicação: «Nem Deus nem chefe», «Somos todos ‘eus’», «Só os cães têm dono». Ela coloca-se sob a «protecção tutelar de Artaud, Lautréamont, Pessoa, Mallarmé, António Maria Lisboa, o Deleuze de Capitalisme et Schizophrénie e de L’Anti-Oedipe, Bakunine, Tzara e «todos os cultivadores da liberdade não burguesa»” (Rocha, 1985: 616-617).

JORNAL DE LETRAS E ARTES

O Jornal de Letras e Artes (JLA) foi um quinzenário fundado em Lisboa a 4 de Outubro de 1961 por Azevedo Martins, editado por Alexandre Martins e secretariado por Bruno da Ponte. O periódico prolongou-se por 277 números, datando o último de Julho de 1970.

Luiz Pacheco escreveu longamente sobre os problemas que foi achar neste periódico e sobre a actuação da sua “quadrilha”. A Cruzeiro Seixas escrevia a 18 de Abril de 1965 dizendo:

“a minha situação aqui nas Caldas, mercê primeiro da oferta de alguns amigos, com o Cesariny à cabeça, e, depois, por ter vendido à Ulisseia um livro, e ter outro encomendado, melhorou mas continua (a situação) periclitante, pois na falta de uma renda certa e tendo de arranjar, até fim deste mês, uma instalação definitiva (a casa onde estou, tem hóspedes certos todos os verões), vejo-me obrigado a trabalhar para o Jornal de Letras e Artes, empresa vagabunda e idiota, manejada pelo Manuel de Lime, que está cada vez mais rancoroso e odioso nos seus processos e na sua convivência. Naquele Jornal (isto só acontece acho eu, neste malfadado País, – uma quinta (como dizes) explorada por poucos e a saque dos mesmos, – porque o Jornal não tem concorrentes, não deixam…) não me pagam; ou pagam-me ridicularias; estropiam-me os textos, e não é só a Censura, mas o próprio Director, que é um medricas, sempre com medo de fazer ondas; obrigam-me como ainda aconteceu nesta semana, a ir a Lisboa receber 160$00, com um gasto meu de quase duzentos! Etc. Enfim, é uma quadrilha, que eu aturo há mais de um ano, e não posso de todo em todo abandonar, enquanto as esmolas que ali me dão me forem indispensáveis. Sou um proletário da pena, miseravelmente explorado!” Entre os vários artigos escritos por Luiz Pacheco para o JLA, contam-se recensões assinadas por outros: “Havia uma secção de recenções a 50$00 cada. Mas o Lima e o Bruno davam-me os livros, eu escrevia umas larachas na maior das alegrias e eles assinavam: B. P., M. L. Paga minha: ficar com o livro” (Diário 1986, apud George, 2016: 181) conforme também referido na carta 44 a Luís Amaro. Não só escreveu textos com assinatura de outros, como sob pseudónimo, nomeadamente cartas ao director. Segundo Luiz Pacheco, em carta a Amaro, este procedimento era-lhe imposto por Azevedo Martins e Manuel de Lima, contra a sua vontade, apesar de ter confessado a Jaime Aires Pereira num bilhete-postal datado de 7 de Outubro de 1965 que o fazia por outros motivos: “a minha posição agora subiu, devido a um truque de alta diplomacia: até aqui eu dizia a verdade do Director. Os outros mentiam-lhe e davam-lhe graxa. O lixado era sempre o Mano Pacheco! Como o processo é facílimo e eu não sou menos esperto que os outros – olhe! Até já fui aumentado” (George, 2016: 182).

Os visados pelas cartas eram vários, tendo um deles, segundo Pacheco, tentado exercer a sua influência para afastá-lo do jornal por causa disto. Trata-se de Álvaro Salema (s.v.). Não foi, porém, Álvaro Salema a determinar a sua saída do jornal, mas a “quadrilha que manobrava no Jornal de Letras e Artes – Bruno da Ponte, Urbano Tavares Rodrigues, Manuel de Lima, Cesariny (este, menos, não pertencia à esforçada Redacção) – explorava-me à beça – nem falando no Director, o dr. Azevedo Martins, o dito-dito Mecenas Nicolau” (George, 2016: 183). Pacheco queixava-se, mais propriamente, de censura interna no JLA, mormente no caso de Azevedo Martins (s.v.) e de Manuel Lima (s.v.). A isto se juntava um atraso frequente no pagamento dos artigos, que era agravado por a sua morada ser em Setúbal ou nas Caldas da Rainha, apenas com visitas periódicas a Lisboa.

JULGAMENTO NA SERTÃ V. Prisão das Caldas da Rainha. JULGAMENTO NA BOA-HORA V. Prisão das Caldas da Rainha.

159

KNOPFLI, RUI (Inhambane, Moçambique, 10 de Agosto de 1932 – Lisboa, 25 de Dezembro de 1997)

Rui Manuel Correia Knopfli foi um poeta, jornalista e crítico literário e de cinema. Estreou-se com a obra poética O País dos Outros (1959). Lançou, com João Pedro Grabato Dias, os cadernos de poesia Caliban (1971-72), e dirigiu o caderno “Letras & Artes” (1972-75), da revista Tempo. Residindo ainda em Moçambique, colaborou na imprensa desafecta à administração colonial, como A Tribuna, que dirigiu de Maio de 1974 a Fevereiro de 1975, tendo-se demitido por objecções de natureza ética e abandonado o país. É referido como sendo amigo comum de Luiz Pacheco e Luís Amaro.

LARANJEIRA, MANUEL (Santa Maria da Feira, 17 de Agosto de 1877 – Porto, 22 de Fevereiro de 1912)

Manuel Fernandes Laranjeira foi um escritor e médico. Concluiu o curso na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, em 1904, tendo apresentado a dissertação A Doença da Santidade. Ensaio Psicopatológico sobre o Misticismo da Forma religiosa, 1907. Atacado de sífilis incurável, acabou por se suicidar. Publicou o prólogo dramático Amanhã, 1902, e o volume de poesias Comigo, 1912, entre outros. O volume de Cartas, 1943, conta com prefácio de Unamuno, seu amigo e admirador.

Luiz Pacheco editou Manuel Laranjeira postumamente, tendo reunido sob o título Pessimismo Nacional (1955), um conjunto de artigos que tinham saído no jornal O Norte, entre 1907 e 1908, nas vésperas do regicídio. Trouxera-lhos Túlio Ramires Ferros, segundo escreve no Diário Económico: “Foi o Túlio que me pôs frente a um excepcionalíssimo INTÉRPRETE do povo português”. Trata-se da primeira edição de um ensaio sobre a “crise sobreaguda do pessimismo em que se está debatendo o povo português”. A publicação, apreendida pela PIDE, não o foi na totalidade, tendo Pacheco guardado 100 exemplares em sua casa, que quase foi revistada por um oficial da PIDE, segundo disse Pacheco em entrevista a Elisabete França (“No Outono do patriarca”, Diário de Notícias, 7 de Janeiro de 2004).

A Laureano Barros disse interessar-se por Manuel Laranjeira por ser “uma figura mental da estirpe (quase) de um [António] Sérgio, e injustamente esquecido, com a maior parte da obra e talvez a de mais interesse (os poemas, Comigo, e a peça, Amanhã – as edições do Alberto de Serpa um tanto suspeitas –, publicados, em vida dele, ML, são coisas datadas e algo imperfeitas) dispersa por jornais e revistas que ao tempo consultei, anotei (todo esse material deu em droga: emprestei-o, para uma tese, a uma aluna da Faculdade de Letras de Lisboa que desandou não sei para onde)” (George, 2017: 140).

Sobre Laranjeira escreveu: “Manuel Laranjeira: um espanto”, Diário Económico, 20 de Setembro de 1995, p. 11, e “Manuel Laranjeira: um monumento”, 27 de Setembro de 1995, p. 11.

LEAL, RAUL (Lisboa, 1 de Setembro de 1886 – ibid. 18 de Agosto de 1964)

Raul d'Oliveira Sousa Leal (Henoch) foi um advogado, publicitário, crítico de música e de artes plásticas, ensaísta e filósofo, ligado ao grupo de Orpheu. Depois de exercer advocacia entre 1910 e 1914, viveu como emigrado político monárquico em França e Espanha até ser repatriado. Cultivou o ocultismo, que procurou sistematizar, tendo-se celebrizado com a polémica em torno da obra Sodoma Divinizada (1923).

Com a publicação de Sodoma Divinizada em 1923, pela editora Olisipo, de Fernando Pessoa, Raul Leal toma parte no escândalo conhecido por “Literatura de Sodoma”, assim intitulada pelo jornalista católico Álvaro Maia, em artigo publicado na Contemporânea n.º 4, de Outubro de 1922, em resposta ao artigo de Pessoa publicado na mesma revista, “António Botto e o ideal estético em Portugal” (n.º 3, de Julho de 1922) – v. ficha sobre António Botto. Leal foi acusado por Pedro Theotónio Pereira, à cabeça de um movimento de estudantes de Lisboa, por considerarem urgir uma reacção à publicação de tais textos, “porque é preciso que os livreiros honrados expulsem das suas casas os livros torpes, é necessário que os adeptos da infâmia caiam sob a alçada da lei, que um movimento enérgico de repressão castigue em nome do bem público”, tendo levado a cabo os seus intentos, o que resultou na apreensão da obra de Raúl Leal, bem como de Canções de António Botto e de Decadência de Judith Teixeira, em 1923.

Mais tarde frequentador do Café Gelo, “o septuagenário” de entre o grupo eclético, teve a sua obra Sodoma Divinisada reeditada por Luiz Pacheco em 1961. Através da leitura desta e doutra correspondência, sabe- se que Pacheco congeminou, depois disso, e durante muito tempo, uma reedição da obra, levada a cabo em 1969, segundo João Pedro George (2016: 404). A obra foi reeditada em 1989, pela editora Hiena (Lisboa), com prefácio e organização de Aníbal Fernandes e novamente sob a chancela Babel em 2010.

160

LEME, JOÃO DA CÂMARA (Beira, Moçambique, 1930 – Lisboa, 1983)

João da Câmara Leme foi um pintor e ilustrador. Iniciou a actividade artística no Porto, tendo exposto pintura com 19 anos e colaborado com a editorial Ibérica, ilustrando livros de poesia. Viveu depois disso em Paris, tendo acabado por regressar a Lisboa, tornando-se quase exclusivo da Portugália Editora. É mencionado neste corpus na carta 30 quando Pacheco se refere a censura no Jornal de Letras e Artes (s.v.), tendo um dos cortes incidido sobre um elogio que aquele teria feito a uma das capas de Câmara Leme.

LER

Luiz Pacheco publicou a primeira e a segunda série de Textos de Guerrilha (1979, 1981) pela Livraria Ler Editora, tendo sido depositado na livraria “o Livro Negro, no cofre da Ler desde 1978, parece-me”. Os editores, juntamente com Luiz Pacheco, pensavam poder inclui-lo no segundo volume de Textos de Guerrilha, de que não fazem parte (Diário 1980-1981). Luiz Pacheco também escreveu o prólogo para Dicionário de Milagres (Lisboa, Ler, 1981) – v. nota sobre João Medina.

LIMA, MANUEL DE (Lisboa, Agosto de 1918 – ibid., 1976)

Manuel de Lima foi crítico musical e literário, com colaboração dispersa pelo Jornal de Letras e Artes, O Século e O Século Ilustrado. Estreia-se como ficcionista com Um Homem de Barbas (1944), obra com prefácio de Almada Negreiros, tendo também escrito em co-autoria com Natália Correia a peça Sucubrina ou a Teoria do Chapéu (1952).

O romance Malaquias ou a história de um homem barbaramente agredido (1953) foi uma das obras mais dispendiosas da Contraponto e que terá feito Pacheco perder muito dinheiro, segundo o próprio disse em entrevista (Crocodilo, p. 11) e em artigos escritos sobre Manuel Lima.

A amizade entre Pacheco e Lima oscilou muito, havendo diversa correspondência onde aquele lhe aponta críticas, mormente relativas ao seu papel de alegado censor no Jornal de Letras e Artes (s.v.) sem prejuízo da admiração intelectual que lhe dedica sempre. Em Guerrilha 1 diz “Conheci gente superiormente inteligente, felizmente, com eles muito aprendi. O António Maria Lisboa, o Jaime Salazar Sampaio, o Mário Cesariny de Vasconcelos, para exemplo e escasso. Mais que todos, o Manuel de Lima” (p. 38).

Na correspondência a Luís Amaro, é mencionado na carta 30, na 44, na carta 65, na carta 71, e na carta 75. Em causa, não só desentendimentos com o próprio Lima, no JLA, como depois com Pedro Tamen (s.v.) em defesa daquele. São ainda mencionadas cartas inéditas de Lima (Pacheco considerava Lima “epistológrafo de grão gabarito”, Guerrilha 2, p. 87), provavelmente porque procurava em Amaro uma ponte para publicação do material na Colóquio/Letras. Relativamente aos inéditos de Manuel de Lima, Pacheco lamenta a sorte da maioria dos originais da autoria dele, havendo sobre isto referência a uma relação amorosa entre Lima e Natália Correia, que lhe teria “sugado tudo” (carta 71).

Sobre Manuel de Lima, Luiz Pacheco escreveu: "O caso das salsichas inimigas: ao Manuel de Lima – mestre do non-sense português", Jornal de Letras e Artes, 5 de Fevereiro de 1964, pp. 8 e 10, incluído em Crítica de Circunstância, 67-73 e em Exercícios de Estilo, Lisboa, Estampa, 1971, 1973, 1998. Terá depois escrito “Manuel de Lima está a Chegar!”, Diário Popular, 17 de Novembro de 1977, incluído em Guerrilha 1, 38-41. Dois anos depois: “Manuel de Lima”, Diário Popular, supl. “Letras e Artes”, 30 de Outubro de 1979; em 1979, outros dois artigos: “Uma Carta Inédita de Manuel de Lima”, Diário Popular, supl. “Letras e Artes”, 31 de Outubro de 1979, pp. VI-VII e “Manuel de Lima e a crítica”, O Jornal, 31 de Outubro de 1979, incluídos em Guerrilha 2. Anos mais tarde: "O careca evidente retratado pelo caixa de óculos. À memória de Manuel de Lima", incluído em Figuras, 130-135.

LITERATURA COMESTÍVEL V. Editorial Estampa.

LISBOA, ANTÓNIO MARIA (Lisboa, 1 de Agosto de 1928 — Lisboa, 11 de Novembro de 1953)

António Maria Lisboa foi um poeta associado ao movimento surrealista português. Colaborou na “Primeira Exposição Surrealista Portuguesa” (Junho-Junho de 1949). Mais tarde pretendeu afastar-se do grupo, tendo-

161