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Assim: iniciador e/ou tomador de turno

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 172-200)

2 ANCORAGEM TEÓRICA: lingüísticas funcional e textual

3.1 Remexendo nas areias no tempo: o advérbio assim no contexto da

4.2.3 Dêitico discursivo da memória

4.2.4.2 Assim: iniciador e/ou tomador de turno

Nas interações verbais, os inícios de turno são locais importantes, uma vez que não só é preciso lutar para pegar a palavra, como postula Macedo (1994, p. 45): “quando se consegue a vez de falar, é preciso manter a coesão do discurso antecedente, manter a atenção do interlocutor, expor um ponto de vista”. Tudo isso sem ferir suscetibilidades e sem expor em demasia a ‘imagem’ pública daquele que toma a palavra.

Neste sentido, essa delicada situação deixa seus reflexos na estrutura lingüística: em lugar de ir direto ao assunto, os locutores como que ‘preparam o espírito’ de seus interlocutores quando empregam os marcadores discursivos, como nos trechos a seguir:

(77) E: Como a senhora imagina que seria sua vida, assim, se tivesse terminado os estudos?

I: Assim, eu neim sei neim pensa0, né? pra dizer assim. Sei não. (G.P.S., p. 180,v.III)

(78) E: Ô Vânia, vocês já discutiram, assim, alguma vez muito feio mesmo que você achou que...

I: Já. E: Como foi.

I: Assim, tem que contar isso? (V.E.F., p. 162 v.IV)

(79) E: Você conhece alguma pessoa que fala diferente de você? I: Assim se for de fora eu conheço, né? Uma pessoa do sul eu conheço [...] (V.L.B., p. 31,v.IV)

De acordo com Macedo (1994), as perguntas com pronomes interrogativos (por que, como, quando) e perguntas de opinião (você acha/conhece) ocorrem com o maior número de iniciadores de turno. No nosso entendimento, essas perguntas, por enfocarem assuntos mais complexos e íntimos, são justamente as que vão exigir um desenvolvimento maior do

argumento, situação mais “custosa” para o falante. Os marcadores assim119, iniciando o turno, estão refletindo a tentativa do falante de resgatar o conteúdo da pergunta do entrevistador. O informante, então, parece estar ganhando tempo, organizando melhor o seu raciocínio, respondendo:

no exemplo (77), que não sabe informar como seria sua vida se tivesse terminado os estudos, “Assim, eu neim sei neim pensa0”;

no (78), que, mesmo sentido-se constrangida, re-pergunta se é necessário contar uma discussão que teve com seu esposo: “Assim, tem que contar isso?”;

na situação (79), sobre a questão da variação na fala, que para o informante não é tão “familiar”: “Assim se for de fora eu conheço, né?”.

Urge mencionar, entretanto, que nos estudos sobre marcadores discursivos, o uso de assim no início do turno não é muito freqüente. Macedo (Ibidem, p. 48) encontrou apenas uma ocorrência nessa posição. Para os marcadores mais “prototípicos”120, a autora elenca “aí, olha, bom, bem, pois é, então, ah, né?, acho que” etc.

Apesar de se tratar do gênero entrevista (pergunta-resposta), nossos dados corroboram os resultados frisados pela autora, uma vez que nos revelam ser pouco recorrente o assim funcionando como iniciadores e/ou tomadores de turno. Sua freqüência de uso, nessa subfunção, foi de apenas 4.7%.

É interessante registrar, comprovando os resultados do dêitico discursivo “assim” especificador, o fato de não flagrarmos, também, nenhuma manifestação do marcador assim, em posição inicial, introduzindo um novo assunto. Como vimos nos excertos acima, todos os usos desse item recuperam/resgatam o tema interrompido, promovendo uma continuidade temática.

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Com relação à localização sintática, os marcadores discursivos assim são flagrados em variadas posições, como: antes do sujeito, exemplo (77); entre sujeito e verbo: “[...] que eu assim não me dediquei a estudar” (J.P.S., p.145, v.II); entre nome e apoio (marcador): “[...] pena que todo mundo num veja assim, né?” (L.G.P., p.88, v. V); também entre nome e complemento, (trecho (72)) e entre verbo e seu complemento (75).

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Silva (1999, pp. 297-8) argumenta que o item assim, apesar de apresentar uma transparência parcial, é um marcador discursivo não-prototípico. A autora denomina de marcadores prototípicos os elementos né? e então, que se caracterizam por “traços ou combinações de traços estatisticamente relevantes, inclui aqueles elementos fortemente seqüenciadores e fortemente interativos”.

Os subtipos de marcadores discursivos de assim (preenchedor de pausa e iniciador e/ou tomador de turno), no nosso olhar, parecem se sobrepor e mesmo se confundir entre si, de modo que uma mesma ocorrência de um marcador pode desempenhar mais de uma das subfunções que lhes são peculiares. Isso é uma conseqüência, segundo Martelotta (2004), do fato de as subfunções dos marcadores serem, na realidade, manifestações de uma mesma macro-função discursiva, ligada à viabilização da comunicação, em níveis lingüísticos diferentes.

Podemos afirmar que os usos assumidos pelo elemento assim, nessa subseção, evidenciam características de marcador discursivo, pois: podem ser dispensáveis nas estruturas das porções textuais em que se encontram; não provocam mudança estrutural ou semântica. Logo, o marcador discursivo assim não está primariamente a serviço da organização lógica interna ao texto, mas relacionam-se às limitações cognitivas impostas ao processamento do discurso na situação real de comunicação. Entendemos que os marcadores discursivos têm sua razão de ser como articuladores da interação, uma vez que suas funções interativas comandam e controlam as estratégias adotadas pelos interlocutores na construção do discurso.

O uso relacional do assim como marcador discursivo, ou seja, como marcador pragmático discursivo de interação, revela ser semanticamente de sentido genérico (é quase imperceptível o sentido inicial de indicação dêitica) e muito comum na língua falada. A análise dos dados confirma, portanto, a hipótese, levantada anteriormente, de esvaziamento/descolorimento semântico na trajetória de assim e seu deslizamento para outras funções que, pelo processo de gramaticalização, migra, como veremos na subseção a seguir, de [+ concreto] e [+ referencial] para [+ abstrato] e [– referencial] (HEINE, CLAUDI e HÜNNEMEYER, 1991).

Os resultados das observações feitas do decurso da presente análise servem para reafirmamos nossa premissa básica e geral de que o item assim, por ser empregado por falantes reais,pode atuar no nível gramatical, como um mecanismo para a construção do significado e, no nível pragmático como um mecanismo interacional. Sendo atingido, de fato, por processo de variação/mudança, não em sua estruturação formal, mas em suas funções sintático-semântico-pragmático-discursivas. Apesar de o dêitico discursivo não

pertencer a uma categoria gramatical, a direção para a qual apontam nossas análises é a confirmação de que ele aciona várias funções gramaticais, ratificando nossa hipótese fundamental.

As inúmeras manifestações do item assim, colhidas no corpus, atestam o emprego recorrente dessa construção lingüística em várias situações no discurso, assumindo, como vimos, sentidos e funções diferenciadas. Esses múltiplos usos não podem ser considerados arbitrários/aleatórios121 ou manifestados inconscientemente pelos falantes, eles sinalizam que o assim vem perdendo sua vinculação icônica original e agregando outros valores; como argumenta Givón (1995, p. 9): “a estrutura serve a uma função cognitiva ou comunicativa”. Em outras palavras, o falante faz opções que correspondem ao seu interesse no momento da comunicação, levando em conta que efeito ele pretende atingir com essa escolha. Acreditamos, enfim, que as estruturas lingüísticas estão correlacionadas às circunstâncias discursivas nas quais são geradas, entrelaçando aspectos cognitivos, culturais na produção e veiculação de informações.

Na subseção seguinte, buscamos traçar, a partir dessa multifuncionalidade de assim (ora gramatical ora interacional), a trajetória de gramaticalização desse tão produtivo item lingüístico.

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Os diversos usos do item assim já estão tão internalizados que o falante os utiliza sem tropeços e de forma automática que até parece que são destituídos de propósitos.

4.3 ASSIM: trajetória de gramaticalização

No processo de mudança lingüística interagem dois tipos de condicionalismos: um interno à própria língua (inerente ao sistema lingüístico) e um externo (extralingüístico). Se a língua se organiza como um sistema dinâmico em permanente busca do equilíbrio, as suas estruturas poderão ser, elas próprias, causadoras de mudança no sentido de preencher lacunas, ou serem pressionadas pelo ambiente externo.

Mas, por que muda a língua? A resposta a esta questão deve ser procurada no próprio sistema lingüístico. Se a função da língua é permitir a comunicação entre seus usuários, dois requisitos terão de ser cumpridos: continuidade e adequação às necessidades dos falantes. A língua muda, pois, porque é um sistema em perpétua adaptação às necessidades das comunidades que a utilizam e essas necessidades também mudam. Cardeira (2006) argumenta que se as circunstâncias históricas, sociais e culturais mudam – em algumas épocas paulatinamente, em outras quase abruptamente – é fato que as necessidades expressivas dos falantes também se modificam.

A gramaticalização, um dos caminhos de mudança lingüística, é definido por Hopper e Traugott (1993) como um processo de mudança situada num “continuum que se estabelece entre unidades independentes, localizadas em construções menos ligadas, e unidades dependentes tais como clíticos, auxiliares, construções aglutinativas e flexões”.

A idéia de que há um contínuo na trajetória da gramaticalização impõe- se como um dos princípios que norteiam os estudos voltados para a compreensão desse tipo de mudança lingüística. Essa trajetória, segundo Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), se manifesta em escala crescente de abstratização, obedecendo a uma transferência do universo referencial para o discurso, e vai do sentido mais concreto para o menos concreto. No caso da trajetória desenhada pelo item assim, aqui investigada, acreditamos que esse termo migra de uma função mais referencial (gramatical), para uma mais abstrata (discursiva):

A gramaticalização, de modo geral, se evidencia quando o elemento assim dêitico pleno, por metáfora espaço > texto > tempo, segundo Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), passa a fazer alusão a dados dos textos já mencionados ou por mencionar, estabelecendo relações de uma parte discursiva com outra e orientando o interlocutor quanto a essas relações. Manifesta, então, a seguinte trajetória:

dêitico pleno > circunstanciador de modo > conector

Analisando passo a passo esse percurso, começamos, primeiramente, evidenciando que o ponto de partida para a gramaticalização do elemento assim é o seu valor original dêitico espacial, (aquele que faz alusão a algo do mundo real que estava próximo ao falante), conforme vimos no nosso corpus.

Rastreando o itinerário evolutivo do assim, constatamos em Ernout e Meillet apud Martelotta, Nascimento e Costa (1996, 267), que ele provém do composto latino ad sic. Em latim, ad exercia tanto o papel de preposição, com sentido de aproximação no tempo ou no espaço “em direção a”, “para”, como também reforçava formas adverbiais – adpost, adpressum, adpropr – conferindo a elas um valor de aproximação, direção ou adição. Já sic(e), do antigo seic, era advérbio modal “dessa maneira”, apresenta o elemento ce, que é uma partícula comum nas “línguas itálicas, e que se liga normalmente a pronomes demonstrativos como hic(e) (este) e illic(e) aquele ou a advérbios tirados de temas demonstrativos, como tunc(e) (então) e nunc(e) (agora).”

Na continuação do processo, sempre numa perspectiva sincrônica, percebemos que ocorre a evolução do item assim para circunstanciador de modo, uso tradicional de advérbio, alargando-se e daí chegando à função de conector, sob a influencia dos dêiticos discursivos, estabelecendo uma relação coesiva de continuidade. Nessa última atuação, as acepções de significado do assim vão se expandindo e contribuindo com novos sentidos que atendem às necessidades do falante. (Cf. dêitico discursivo resumitivo bidirecional; dêitico discursivo temporal e dêitico discursivo inclusivo).

Não se trata de um privilégio esse comportamento do assim, tampouco de anormalidade. Hopper e Traugott (1993) já asseveravam que os itens lingüísticos na sua evolução, em certos contextos, passam a assumir funções gramaticais e, mesmo já gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais, num processo unidirecional que se caracteriza por uma trajetória do tipo espaço > tempo > texto.

Vimos na subseção 2.6 desse trabalho, que a gramaticalização é um tipo de mudança lingüística que envolve o percurso unidirecional122 de regularização gradual em que itens ou construções lexicais, adquirem, no curso do tempo, funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, podem continuar a desenvolver novas funções gramaticais.

Tavares (1999, p. 46) comenta que diferentemente desse percurso léxico > gramática, Givón (1979) põe em relevo o papel da pragmática ao postular que o percurso discurso pragmático > sintaxe representa o início da onda cíclica para o desenrolar da gramaticalização: discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero. Nesse sentido, a autora (1999, p. 53) propõe uma escala que salienta a passagem de um elemento, inicialmente lexical, para a função gramatical e desta, para a interação, podendo assumir a função de marcador discursivo: (léxico-discursivo) > gramaticalização (gramática) > discursivização (pragmática).

Logo, é possível, aqui, notar a aplicação desse fenômeno quando a seqüência de mudança lingüística procedida com o assim, numa trajetória parcial, tem continuidade e essa construção sai da esfera da gramática e passa a atuar no plano pragmático como marcador discursivo, cujo rastro denuncia o exercício de funções cada vez menos lexicais e mais abstratas. Nesse ‘novo’ papel, o item assim se destitui de suas atribuições de organizador do fluxo textual, tornando-se mais genérico e menos referencial do que as demais funções que o antecedeu. O esquema delineado a seguir nos permite uma melhor compreensão do processo:

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O critério da unidirecionalidade é questionado em algumas abordagens funcionalistas, segundo as quais não se pode comprovar, numa perspectiva diacrônica, que haja sempre uma origem concreta para termos abstratos, ou relativamente menos concretos. Assim, o sistema sempre reformataria ou reabilitaria itens e construções, independente do grau de abstratização ou concretude observado na sincronia em voga (Cf. VOTRE, 2000; FERREIRA, 2003 e ALVES, 2004).

Dêitico pleno > circunstanciador de modo > conector > marcador discursivo

No ponto final da trajetória, o uso mais recorrente e generalizado do assim aplica-se a funções ainda mais abstratas. O referido elemento passa, pois, a pulverizar passagens diversas do texto sem que exerça função gramatical, destituindo-se, quase completamente, de seus valores sintáticos e semânticos.

Esse estudo pode reivindicar que, em relação ao assim, o princípio da unidirecionalidade se impõe e parece mover as alterações por que passa o citado item. De acordo com Hopper e Traugott (1993), a gramaticalização se processa unidireconalmente. Essa característica marca a evolução lingüística aqui cotejada numa escalaridade: do concreto para o abstrato, ou, num ponto de vista mais moderado, do [+ concreto] para o [– concreto], corroborando a literatura funcionalista que postula que há um aumento de abstratização123 à medida que o elemento se gramaticaliza, conforme podemos ver no quadro abaixo:

Quadro 8: distribuição das funções de assim quanto aos traços concretude/abstratização

+

CONCRETO

-

CONCRETO dêitico circunst. de modo dêitico discursivo marcador discursivo

Como está ligado a emprego dêitico, desde suas origens, o assim passou a exercer função de circunstanciador de modo, migrando, sob o acionamento dos dêiticos discursivos, para a função de conector, seguindo um percurso universal tipicamente envolvido na emergência de nexos, passando, enfim, a assumir o papel de marcador discursivo, completando o percurso de gramaticalização124. A aplicação do parâmetro da persistência, proposto por Hopper (1991), se materializa em alguns dos exemplos vistos na nossa

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É importante registrar que não foi medida neste estudo, propriamente, a abstratização do assim, mas sim do seu ambiente.

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Martelotta (2004, p. 83), como já mencionado, exclui o desenvolvimento de marcadores discursivos do âmbito da gramaticalização, argumentando em favor da discursivização. Optamos em manter o tratamento de assim, nessa função, em termos de gramaticalização, mas ciente de que a questão é controversa e requer mais discussão.

amostra, sinalizando também a gramaticalização que está se processando com a construção assim.

A inserção do componente pragmático no conceito de mudança assumido pelos funcionalistas, cumpre mencionar, não só ampliou a definição clássica de gramaticalização, vinculado, até então, à mudança diacrônica, como também redirecionou o entendimento sobre a evolução da língua, demonstrando que itens gramaticalizados tendem a avançar para um estágio discursivo.

Com efeito, o item assim tendeu a incorporar traços pragmático- discursivos, perdendo suas funções mais gramaticais e tornando-se mais abstrato. O seu sentido tornou-se mais opaco, sendo flagrado (re)formulando a produção de fala. Observamos com esse elemento, assim como ocorre com os marcadores discursivos em geral, que ele assumiu a função básica de viabilizar o discurso no ato da comunicação falada, não planejada. É, pois, através dele, que o falante marca para o ouvinte, entre outras coisas: em relação à exatidão das informações transmitidas; as pós-reflexões e reformulações conseqüentes do dinamismo da fala; a permanência, tomada do turno da fala, com o preenchimento das pausas conseqüentes dessas reformulações.

Com relação à freqüência, também se assume a posição de Traugott e Heine (1991), segundo os autores, formas lingüísticas mais recursivas tendem com maior probabilidade à gramaticalização125. As ocorrências do item assim estariam nesse conjunto, como confirmam os dados, pois, apontou para um deslocamento em direção a funções mais visivelmente relacionadas à interação. Esse fato é um indício de que não há mais restrições gramaticais e que assim se tornou um marcador utilizado nos momentos em que há problemas na continuidade do fluxo discursivo.

Numa avaliação geral do panorama aqui delineado, o levantamento sincrônico esboçado permite que afirmemos que o ‘novo’ perfil semântico- funcional do assim consubstancia um caso de gramaticalização em curso, tendo em vista que, no seu ‘novo’ uso, o assim vem se distanciando semanticamente de seu item lexical-fonte e assumindo outras funções que vão

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Bybee (2003), fazendo coro com os autores supracitados, postula que a freqüência é um aspecto muito importante no processo de gramaticalização, uma vez que fixa o uso inovador, estabelecendo mudança semântica via repetição.

além de sua função prototípica. Essa constatação ratifica nossa hipótese básica sobre o pressuposto da direcionalidade da mudança, que aponta, preferencialmente, para uma pragmatização do significado.

Transformações dessa natureza constituem evidências de que a linguagem é moldada continuamente ao longo de trajetórias que são, até certo ponto, passíveis de sistematização. A partir de tal perspectiva, é possível, concebermos que palavras, sintagmas e demais construções que apresentam um significado fixo hoje podem deixar de sê-lo no futuro. Comungamos, portanto, com a idéia de Silva (2005, p. 46), quando assevera que as palavras não estão “acondicionadas em arquivos de onde são retiradas para a produção de enunciados, retornando após o uso, como se voltassem para um castelo indevassável”. Afinal, a grande importância da consideração do processo de gramaticalização para o estudo lingüístico reside na colocação em foco de uma característica básica dos sistemas lingüísticos: a sua existência e vitalidade são exclusivamente em função da sua necessidade para uso dos falantes.

4.4 Tipos de discurso e as funções de assim

Como já referido, o nosso corpus é constituído de 60 entrevistas sociolingüísticas. Em cada uma, os informantes são levados, através das perguntas, a produzir diferentes tipos de discurso (narrativa, descrição e outros), que no desenrolar da interação verbal, vão surgindo e se sobrepondo uns aos outros, como resultado do modo de estruturação na linha condutora seguida pelo informante na organização de sua fala.

Nosso objetivo principal é verificar como o princípio da iconicidade126 atua ao determinar a escolha do assim nesses diferentes tipos de discurso, mostrando que, a depender deles, esse item pode apresentar um grau maior/menor de ocorrências, além de assumir funções específicas.

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Martelotta (2008) assevera que as formas não-marcadas apresentam várias características, tais como: maior freqüência de ocorrência; contexto de ocorrências mais amplo; forma mais simples ou menor e aquisição mais precoce pelas crianças.

Deste modo, tomando por empréstimos as idéias expostas por Tavares (2003)127 em relação aos tipos de discurso, catalogamos quatro tipos: narrativas, descrição de vida, descrição e argumentação.

A narração constitui um relato em que o informante conta fatos que se passaram em certo tempo e lugar, envolvendo determinados personagens, com grande presença de verbos no pretérito perfeito, vejamos os exemplos extraídos do nosso acervo:

(80) [...] Bom, lembrar assim uma aventura, é: um pouco difícil, :: mays :: uma veyz, teve uma veyz que :: eu :: fui passear com minha irmã, é: a gente :: sempre tinha essa mania de de:: de : explora0 lugares que a gente não conhecia, já, :: isso quanto a gente morava em Tambaú. Ali, na {inint.} de Manaíra. Aí, :: na volta me perdi, :: não [sa-] a gente não conseguia encontra0 o o luga0 de volta, né? o caminho de volta, :: e: foi aquela loucura assim, começou a chove0, parecia:: aquela coisa assim de filme de terror. :: começou a chove0 :: e já tava escurecendo e: num tinha ninguém assim pra gente pedir ajuda, até a agente encontra0 uma casa lá, uma casinha assim, bem humilde. Aí chegou lá, foi, perguntou se ele conhecia nossos pais, ele disse que não, mays, pelo menos eles mostraram:: a estrada, a gente pegou e conseguiu chega0 em casa:, já isso a às sete horas da noite. Eu acho que isso: marcou assim bastante é:: essa aventura que eu tive. (F.P., p. 29, v.V)

(81) [...] era umas dezoito horas, eu saí pra, da rua “Quatro” pra rua “Um”. Quando eu ia caminhando assim, chegou um, aí um cara assim me encarou, aí olhou pra mim assim, aí eu aí eu tive que, tive

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 172-200)

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