• Nenhum resultado encontrado

Dêitico discursivo assim resumitivo bidirecional

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 139-143)

2 ANCORAGEM TEÓRICA: lingüísticas funcional e textual

3.1 Remexendo nas areias no tempo: o advérbio assim no contexto da

4.2.2 Dêitico discursivo do contexto

4.2.2.2 Dêitico discursivo assim resumitivo bidirecional

Embora sejam bem recorrentes os “assim” resumitivos, com 16.4% de ocorrência, analisados na subseção anterior, a construção assim, funcionando como resumitivo bidirecional, constitui o tipo mais freqüente na nossa amostra com 17.63%. Esse uso mostra-se produtivo tendo em vista sua dupla função85: além de agir como resumidor de informação, apresenta ainda, a função de sinalizar que o falante está avançando para um novo estágio em sua

85

Se fôssemos romanos, talvez chamássemos o item assim, constituindo-se uma ocorrência dêitico-discursiva bidirecional, de categoria ‘janeira’, em homenagem ao deus Janus, representado na mitologia por uma figura bifronte. Ele olha para trás, referindo-se ao assunto que passou, e para frente, relacionando o conteúdo que vem vindo.

explicação86, revelando total adesão ao conteúdo por ele desenvolvido, vejamos as seguintes situações:

(39) [...] O mais danado é Luisinho, que ele vive por cima dos muro da casa dos outro, procurando o que num é dele, sabe? Menino né assim. Tem mania de procurar mexer nas coisa que num é dele. Mas a gente se aperreia muito com ele [...] (M.L.S., p. 95,v.I)

(40) I: Ela num é casada no papel não, né? Que nem o povo diz. Ela foi morar com o namorado dela, né? Que agora é o marido dela, né? O povo diz que casado só é no papel, assim é ajuntado, num é? Mas pra mim a pessoa morou junto com outro tá casado. (M.L.S., p. 95, v. I)

(41) E: Como você gostaria que ele fosse?

I: Como eu [gost] eu gostaria de ter um: ter um homem que me respeitasse, me considerasse, apesar de eu num ter nunca tive:: amor na minha vida, eu esperava um homem assim pra mim, que me respeitasse, tratasse como gente, tudo que eu combinasse, ele combinasse comigo [...] (I.M.S., p. 133,v.I)

Podemos perceber, através desses fragmentos, que os conteúdos relevantes para o propósito do falante foram salientados pelo item assim, acionados pela dêixis discursiva, que inauguram um novo ponto a ser discutido, orientando os focos de atenção do destinatário. Com efeito, o uso do assim incita o fenômeno de volta ao enunciado passado, como uma fonte de informações para o discurso subseqüente, e direciona a atenção para mostrar, além da idéia de veracidade que os informantes imprimem aos assuntos por eles tratados, a idéia de conseqüência dessas informações, em:

(39), a informante sintetiza e progride o texto, expondo sobre as “qualidades” do seu filho Luisinho, tentando conquistar a opinião do interlocutor naquilo que ela acha verdadeiro: o fato de os meninos, de uma maneira geral, se apropriarem daquilo que não lhes pertencem: “mania de procurar mexer nas coisa que num é dele”;

86

Observamos que, nessa subfunção, a exemplo do que ocorreu com os dêiticos discursivos plenos, o item assim tem maior predominância de uso, novamente, entre um elemento (nome ou verbo) e seu complemento sintático ou semântico. Conferir trecho (41).

no trecho (40), a falante resume a informação difusa na proposição anterior e acrescenta sua opinião à respeito do que disse “assim é ajuntado, num é? [...] morou junto com outro tá casado” e;

no excerto (41), a informante, ao usar o assim, sumariza e avança seu discurso quando reafirma, não dando margem a dúvidas, que gostaria de encontrar/ter um homem que a tratasse bem “que me respeitasse, tratasse como gente”.

Os “assim” atuando como dêiticos discursivos resumitivos bidirecionais87 recuperam, então, não só a idéia difundida no segmento discursivo precedente, bem como antecipam uma explanação mais detalhada da tese em exposição. Esse tipo de remissão “bidirecional”88 tem caráter não apenas resumidor, mas de progressão do conteúdo, promovendo a articulação temática.

Notamos, assim, nesses contextos discursivos, que existe uma estratégia empregada pelos falantes para estabelecer uma relação entre o ouvinte e o texto no sentido de concentrar o foco em um ponto particular desse texto. O significado do dêitico discursivo assim reveste-se de um forte componente de subjetividade. Isso quer dizer que, tendo em conta certos elementos cognitivos compartilhados pelos intervenientes no ato da comunicação, o uso desse item, pelos informantes, pode demonstrar que eles avaliam como pertinente à inserção do assim como sumarizador do discurso precedente e um fabuloso recurso de veiculação de conteúdos avaliativos e esperam que seus interlocutores, devido aos conhecimentos compartilhados, também acreditem nessa veracidade.

Pelo princípio da iconicidade sabemos que a estruturação é orientada pelos propósitos do falante. A conseqüência e/ou efeito do uso do dêitico

87

Não percebemos concretamente que o dêitico discursivo assim, por si mesmo, contenha qualquer teor informativo que relacione os movimentos de anáfora e catáfora as informações, à maneira do que ocorre, por exemplo, com os demonstrativos, mas reconhecemos nele um poder mobilizador-detonador de um movimento que realmente retroage e propulsa. Os termos retroagir – guiar a atenção para trás e propulsionar – guiar a atenção para frente, são utilizados por Tavares (2003, p.20) para definir o movimento da seqüenciação anafórica-catafórica.

88

Em Neves (2000), encontramos o item assim desempenhando a função anafórica e catafórica respectivamente de acordo com os exemplos a) “Não custa muito dizer “sim senhor, padrinho.” No meu tempo de rapaz era assim que se dizia”; e b) “medida de tamanho alcance tomada assim de afogadinho explica-se pelas circunstâncias do momento”. No entanto, a autora não registrou nenhum assim anafórico e catafórico simultaneamente em um mesmo contexto.

discursivo assim é percebida quando o falante, por exemplo, depois de expor seu argumento (casado é só no papel), marca a idéia de conseqüência ou conclusão (“assim é ajuntado, num é?”). Caracteriza-se, dessa forma, uma sucessão lógica, em que aquilo que vem antes constitui razão para o que vem dito depois. O assim, além de introduzir o acréscimo de informações ao texto, enquanto marca as idéias de explicação e conclusão, faz com que o texto progrida discursivamente. Tal procedimento autoriza esses elementos a se comportarem, efetivamente, como orientadores cognitivos, pois auxiliam os interlocutores a relacionar os enunciados entre si.

Neste sentido, urge mencionar que os dêiticos discursivos “assim” resumitivos bidirecionais, motivados pelo contexto, estabelecem uma relação de implicação entre a proposição anterior e a conseqüente (relação de inferência: a primeira é a premissa e a segunda conclusão). Esse uso, na verdade, ocorre quando um falante estabelece uma relação coesiva de continuidade e consonância entre informações que se sucedem no discurso. Funcionam, portanto, como um nexo semântico de causa-conseqüência, uma vez que executam uma remissão dupla (para trás e para frente).

Esse comportamento remete-nos a Carone (1988, p. 59) que argumenta que os itens lingüísticos “além disso, assim, então, aliás”, situam-se na faixa de transição de advérbio para conjunção. Como termos híbridos, participam da natureza do advérbio e da natureza da conjunção: exprimem várias circunstâncias, mas se comportam como elementos de coesão, a caminho de cristalizarem-se ou, preferencialmente, gramaticalizarem-se como conjunções89 coordenativas. É o que parece ocorrer nos casos discutidos aqui.

A fluidez categorial do assim encontra justificativa nos processos de gramaticalização que deram origem ao item. Como bem postula Said Ali (1964), a maior parte das conjunções resultou de adaptações e combinações de palavras de outras categorias, principalmente da classe dos advérbios.

É curioso notar que Cunha (1985), que se filia à tradição gramatical, reconhece a atribuição de valores de assim que exprimem, além da idéia de modo, a idéia de conseqüência ou conclusão, entre os segmentos. Nessa acepção, no entendimento do autor, assim é uma conjunção coordenativa e

89

Câmara Jr. (1976, p. 123) argumenta que alguns advérbios podem fixar-se no estado atual da língua como conjunções.

pode ser parafraseado por portanto, por conseguinte, apresentando as seguintes características: aparece entre pausas, faz remissão às informações do período precedente, pesando-as, para então introduzir uma conclusão.

Cumpre ressaltar, todavia, que mesmo reconhecendo essa possibilidade de atuação de assim, distinta das de modo, Cunha não a valoriza enquanto objeto de análise, talvez por não haver consenso a respeito do estatuto conjuncional desse vocábulo ou por encontrar uma forte resistência dos gramáticos que, numa visão estanque das categorias, fingem não perceber a fluidez da língua em uso. Acreditamos que isso se deve, principalmente, ao fato de que, em certas situações, embora assim associe um argumento a uma conclusão, tal como uma conjunção conclusiva, ele não reúne todas as propriedades que lhe garantam o pertencimento ao rol das conjunções prototípicas (NEVES, 2002)90.

Ao fechar as observações em relação a essa subfunção, chamamos a atenção para mostrar que nesses casos o assim funciona como conector, tangenciando a categoria de conjunção, ratificando nossa hipótese fundamental sobre a influência do fenômeno da dêixis discursiva sobre a categorização desse item.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 139-143)

Documentos relacionados