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Dêitico discursivo pleno

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 133-136)

2 ANCORAGEM TEÓRICA: lingüísticas funcional e textual

3.1 Remexendo nas areias no tempo: o advérbio assim no contexto da

4.2.1 Dêitico discursivo pleno

Os dêiticos discursivos plenos recuperam entidades já introduzidas no contexto e, simultaneamente, mantêm um vínculo com o espaço extralingüístico. Ou seja, são aqueles que preservam o valor dêitico em seu sentido original: o de apontar para o espaço real da enunciação.

Neste subtipo, a posição do falante coincide com a do texto e o assim dêitico discursivo pleno tem seu uso e interpretação baseado crucialmente no conhecimento do contexto particular em que é produzido, funcionando como dêitico ‘puro’. Observemos os seguintes exemplos do nosso acervo, que revelaram 5,72% de ocorrências:

(29) E: Fica longe?

I: Fica. É lá perto da rua da Mata. Ali. Num tem a feira? Depois da feira, já assim no outro lado. Todo dia é esquisito. (M.H.S., p.111, v.II)

(30) I: [...] Aí quando o ônibus vinha, ele disse: “-você vai pagar ou não vai?” “pago não!” Aí ele pegou uma pedra, uma pedra grande. Aí disse: “-Eu lasco essa pedra em você”. Aí fui e peguei outra também. Botei o prato de comida assim num canto, aí disse: “-É elas por elas, é você dando em mim e eu em você! (I.M.S., p. 165, v.V)

Nos fragmentos (29) e (30), respectivamente, acreditamos que os informantes apontam através de gestos, no contexto extralingüístico, um lugar: “depois da feira, já assim no outro lado” e “botei o prato de comida assim num canto”, na intenção de facilitar o entendimento do assunto pelo entrevistador, situando espacialmente o que foi dito por eles. Analisemos outros excertos do nosso corpus:

(31) E: A sua irmã tá doente de que?

I: É uma dor assim do lado. Diz os médicos que é os rins. (I.M.S.,p. 167, v.V)

(32) I: [...] quando arrumava a cozinha eu passava o pano. Aí eu fui passar o pano. Aí eu fui falar com o menino dela. Ele: “-eu passo aqui e é pra você passar o pano toda vez que eu passar.” “-Após bora ver.” Aí ele veio assim por trás aí foi e deu uma cipoada nas minhas costa. Eu num gostei aí meti o pau pra cima[...] (M.H.S., p. 112,v.II)

(33) I: [...] Eu só me lembro que eu era tão arengueirinha, puxava os cabelo da minha vizinha assim ela tinha os cabelão grandão quando arengava comigo eu puxava os cabelo dela assim e rodava assim, eu me lembro mais disso [...] (R.T.O.,p. 142, v.V)

Nas três situações acima, os assim funcionando como dêiticos discursivos plenos chamam a atenção dos interlocutores com relação ao conteúdo da informação, focalizando uma determinada parte do corpo dos entrevistados para melhor se fazerem entender:

o trecho (31), onde aparece “dor assim do lado”, suponhamos que a informante deva ter apontado para um local, entre as costas e a barriga;

em (32) “ele veio assim por trás”, entendemos que a falante apontou para suas costas através de um gesto indicativo;

e no fragmento (33) “puxava os cabelo dela assim e rodava assim”, acreditamos que a informante se fez acompanhar de gestos com as mãos para mostrar o modo como puxava os cabelos da colega.

É importante ressaltar que, diferentemente dos exemplos arrolados acima, os dêiticos discursivos plenos assim, do trecho (33), não só apontam para lugares no espaço extralingüístico, mas evidenciam a maneira, o modo como a informante puxava os cabelos. De fato, isto nos remete ao princípio da persistência advogado por Hopper (1991), quando assevera que uma forma que está passando pelo processo de gramaticalização guarda resquícios de seu significado original. Isso quer dizer, o sentido novo não destrói o antigo. Ambos existem um ao lado do outro. É o caso destes assim que ainda preservam seu sentido enquanto advérbio de modo.

Corroborando a concepção de dêiticos aqui trabalhada, Tavares (2003, p. 160) vai buscar em Grenoble e Riley (1996) a seguinte definição: “dêiticos são palavras ou expressões usadas para apontar, no contexto extralingüístico,

um indivíduo, objeto ou lugar, e introduzi-lo no discurso, relacionando o enunciado a suas coordenadas pessoais, espaciais e temporais”.

Laury (1997), na mesma autora, afirma que os dêiticos funcionam como dedos que apontam para algo presente no momento da interação, “por essa razão, seu uso é freqüentemente acompanhado por um gesto indicativo”.

Na visão de Câmara Jr. (1995, p. 90), a dêixis também é definida como “faculdade que tem a linguagem de designar mostrando, em vez de conceituar”. A designação dêitica, ou mostrativa, “figura ao lado da designação simbólica ou conceptual em qualquer sistema lingüístico”.

Costa (1997, p. 112) e Silva (1999, p. 336) identificam no uso do assim, dos excertos abaixo, também uma conotação dêitica, pois acompanha um gesto e refere-se ao mundo real, físico:

(34) ...No Natal, eu ganhei uma boneca e que ela era assim (fez gesto indicando a forma/ tamanho da boneca), ela era... ela ficava em pé, o nome dela era Patinadora... (JF) (p. 112)

(35) minha avó era baixinha, chegava assim ó em mim. (p. 336)

Quanto à posição sintática do elemento assim, funcionando como dêitico pleno, percebemos que sua colocação é bem variada. No entanto, a maior ocorrência é entre nome e seu complemento, exemplos (30) e (31) e entre verbo e seu complemento, como em (32) e (33). De acordo com Ilari et alii (1990), o princípio geral que explica a colocação diversificada dos dêiticos deriva de sua natureza multifuncional.

Operacionalizando a proposta de Givón (1990), para o estabelecimento do princípio icônico, acreditamos que a estrutura é conseqüência das circunstâncias discursivas e de seus contextos de produção. Em outras palavras, as escolhas lingüísticas realizadas pelo usuário, dentro do sistema, não se fazem sem motivo. O uso se adequa à situação, ou ao propósito comunicativo, ou ainda a ambos.

Logo, o significado nasce do contexto e das associações intra ou extralingüísticas. Ademais, a necessidade comunicativa de se fazer entender, de ser mais expressivo e pela falta de designações lingüísticas adequadas,

levam os falantes dos exemplos analisados a usarem o item assim com função de dêitico discursivo pleno, acompanhado de gestos mostrativos, motivados social e/ou contextualmente.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 133-136)

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