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Dêitico discursivo assim quantificador

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 161-167)

2 ANCORAGEM TEÓRICA: lingüísticas funcional e textual

3.1 Remexendo nas areias no tempo: o advérbio assim no contexto da

4.2.3 Dêitico discursivo da memória

4.2.3.2 Dêitico discursivo assim quantificador

Levando em consideração que o conteúdo semântico está intrinsecamente relacionado ao propósito da fala, criamos um subtipo de dêitico discursivo da memória que denominamos de quantificador, encontrado, na nossa amostra, com 0.30% de ocorrências. Nessa subfunção, o uso de assim tem como característica básica mostrar que os interlocutores detêm um conhecimento partilhado sobre o assunto comentado, como referimos na subseção anterior, todavia apresentando algo a mais.

Cremos que no momento da interação, o falante aciona o dêitico discursivo assim quantificador com a intenção de também dar ênfase em relação à quantidade de informação tratada por ele e que poderia ser expressa em números, no entanto, não são assim declaradas por razões de conveniência ou até mesmo pelo próprio desconhecimento dessa quantidade

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A análise apresentada por Silva e Macedo (1996), entretanto, revela que, nessa posição, o ‘anunciador de complemento’ caracteriza-se pelo uso pragmático-discursivo, correspondendo a um processo de planejamento verbal.

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A quantificação dos nomes e adjetivos, como sabemos, é dada obrigatoriamente pelo número que opõe, em português, o singular ao plural. Porém, acreditamos que, além desse tipo de quantificação, os nomes podem ser, ainda, quantificados através de outros recursos, como os pronomes indefinidos, os artigos, alguns tempos do verbo e, de um ponto de vista semântico, alguns contextos que ativam o item assim a funcionar com esse sentido. De acordo com Said Ali (1964), os gramáticos mais antigos preferem utilizar o termo “quantidade” em detrimento ao de “intensidade”.

por parte do informante. O assim, pois, indica uma quantidade vaga, indeterminada enquanto os numerais expressam uma quantidade exata, determinada. É o que apresentam os fragmentos a seguir:

(64) I: [...] quando tava pra gente fazer nove mês a gente foi pra casa da minha irmã, mas ela num queria não. Oxe, eu ficava levando regulagem, eu levava mais os amigo dela {inint.}. Mas hoje em dia ela briga comigo por causa dele. “-Que você é safada que tá com ele, num sei o que.” Ela diz coisa com ele, mas ele num abre a boca pra dizer coisa assim na frente dela. Ele vai dizer lá.Aí eu fico com aquele negócio doendo dentro deu, porque eu sei que ele tá ofendendo é minha mãe. Se eu for falar tanto assim da mãe dele ele que... manda eu calar a boca senão quebra minha cara [...] (M.H.S., p. 108, v.II)

(65) I: [...] olha, o guarda-roupa é assim de fita, olha! Aí ela vai, também quando vai fazer compra pros menino dela, que sai, aí os menino diz logo: “Olhe mainha, leve a fita de Dinha.” Que os menino dela me chama de Dinha, sabe? Aí pega e ela todo final de semana assim ou então quando ela vai fazer compra, ela compra uma fita nova pra mim, de cantor novo. E tem também aquele povo, né? De sertanejo, que também eu gosto muito. (M.S.L. p. 100, v.III)

(66) I: É tanto que no final de semana vem meu sobrinho pra que passa... eu já tenho três, numa casa pequena dessa, mas ainda vem mais três, e ... no sábado vem essa menina da minha cunhada fica aqui. Menino aqui é assim! É aqui tem dia que é cheio de menino. (R.T.O., p. 142, v.V)

Nessas situações, observamos que os assim estão sendo usados como dêiticos discursivos quantificadores, uma vez que evidenciam que as falantes acreditam que o conteúdo transmitido, ou melhor dizendo, a quantidade expressa através de gestos, faz parte do conhecimento de mundo dos interlocutores, pertencendo ao saber comum dos participantes. O significado do dêitico discursivo assim está, portanto, intimamente relacionada com o mundo das idéias e também com as experiências do informante no seu

contexto cultural, apresentando a característica de quantificar, de forma indeterminada, algo no discurso, vejamos:

no exemplo (64), notamos que a informante, no momento em que cita que o marido não reclama da própria mãe, isto é, “num abre a boca pra dizer coisa assim” e no mesmo trecho quando se queixa da sogra para o marido “se for falar tanto assim da mãe dele”, junta as pontas dos dedos enfatizando a quantidade de informação que se tem a dizer. No caso, a falante tem o cuidado em não falar muito/bastante “mal” sobre sua sogra, temendo a violência do marido: “manda eu calar a boca senão quebra minha cara”, uma vez que é do conhecimento comum que, algumas noras, falem “mal” de suas sogras; portanto, o interlocutor, através do gesto da informante associado ao uso do item assim, vai inferir a quantidade de informação que se tem a respeito da sogra;

no trecho (65), o uso do dêitico discursivo assim quantificador é revelado quando a informante faz a agregação dos dedos com a intenção de indicar uma grande/muita quantidade de fitas presentes no guarda-roupa, tendo em vista que desconhece o número real delas. O uso gestual, de caráter extralingüístico, só pode ser inferido com auxílio de alguma informação contextual. Suponhamos, então, que o destinatário, através do conhecimento compartilhado, infere a quantidade dessas mesmas fitas;

em (66), percebemos que o objetivo da falante é mostrar que, em sua casa, nos fins de semana, há uma grande quantidade de crianças e transmite essa informação através do uso do assim, juntando os dedos simultaneamente: “Menino aqui é assim!”. Através da utilização do assim, a informante parece chamar o ouvinte para participar da construção do quadro por ela proposto, trabalhando com o conhecimento prévio, proveniente de uma suposta experiência pessoal comum. O falante convoca o interlocutor a imaginar a grande quantidade de criança em sua casa.

Em síntese, podemos argumentar que os “assim” quantificadores, enquanto legítimos dêiticos discursivos da memória, além de revelarem quantidades, retomam o que já se manifestou de modo difuso no discurso anterior, sinalizando para algo na memória que está ancorado em uma base comum, partilhada pelos interlocutores (natureza sócio-cognitiva).

Encontramos em Neves (2000, p. 243) a referência ao termo assim, que, além de mostrativo, indica também quantidade como revela o excerto abaixo:

(67) Essa estrebaria está assim de pulgas.

Martelotta107, Nascimento e Costa (1996, pp. 262-3), com relação ao assim, afirmam existir no português atual a função dêitica, fazendo alusão a gestos ou dados do mundo real. Destacam, entretanto, apenas o valor apontativo, de acordo com os exemplos criados pelos próprios autores:

(68) O boneco é assim, olha! (69) A praça estava assim de gente.

Em consonância com os autores supracitados, entendemos que o espaço físico, mostrado através de gestos, de expressões faciais, faz parte da pragmática e o item assim, que se faz acompanhar desses gestos, se comporta como dêitico espacial em relação a esse mundo físico gestual. Não obstante, acreditamos que o uso do assim aciona, ainda, a função de quantificar. Isso quer dizer que o dêitico discursivo “assim” quantificador108 é um instrumento de referência não só ao universo extra-textual como também ao contexto situacional. Ao usar o assim, verificamos um forte componente de subjetividade, pois o informante quer concentrar o foco de atenção para a quantidade daquilo que ele fala, corroborando Neves (2000), no exemplo (67) visto acima.

Segundo Risso, Silva e Urbano (1996), a distinção nítida entre os fenômenos eminentemente gramaticais dos fenômenos estritamente discursivos são muito difíceis de se estabelecer. Todavia, enfatizamos que as várias funções do item assim, vistas até aqui, acionadas pela dêixis discursiva, se resolvem porque têm seus significados ancorados em elementos presentes

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Martelotta (2004) classifica o item assim, nesses contextos, como dêitico inferível uma vez que esse elemento faz alusão a dados conhecidos ou compartilhados pelos interlocutores.

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Mesmo flagrando um número reduzido de ocorrências, as poucas vezes que o dêitico discursivo assim funcionou como quantificador foram significativas e representaram uma pequena amostragem de uma função pouco cogita para o referido item.

ora na situação comunicativa real, ora no próprio contexto, ou no conhecimento compartilhado (memória). Aspectos teóricos que tanto a lingüística funcional como a lingüística textual contemplam.

Quanto à localização sintática, o dêitico discursivo assim quantificador aparece, predominantemente, entre um verbo de ligação e seu predicativo. Conferir excertos (65), (67) e (69).

De acordo com o exposto na revisão da literatura, seção 3, o elemento lingüístico assim tem seu enquadramento estabelecido pela gramática tradicional109, pouco atenta às questões lingüístico-discursivas, com função modificadora, fundamentalmente, do verbo. No entanto, a grande maioria dos excertos da amostra evidencia, como vimos, a modificação também do nome110, ocorrendo, pois, fora de suas posições convencionais.

As multifunções do assim111, no plano gramatical, a título de fecho, podem ser sintetizadas a seguir: atuam como orientador de focos de atenção dos interlocutores; sumarizam informações; apontam para uma manobra de remissão, recuperando idéias difundidas no discurso anterior; impulsionam o avanço de conteúdos; sinalizam temporalidade; especificam enunciados com a finalidade de um maior esclarecimento; funcionam como pistas de ativação de saber compartilhado; enfatizam quantidade vaga; promovem articulação temática, isto é, funcionam como conectores de caráter retrospectivo e/ou prospectivo. Enfim, cremos que alcançamos o objetivo proposto de buscar indícios para mostrar que a dêixis discursiva, embora não sendo uma categoria gramatical, incita o aparecimento das subfunções do item assim, sugerindo sua categorização como conector.

Na próxima subseção, por outro lado, interpretaremos/analisaremos algumas ocorrências do item assim, bastante freqüentes nos dados, que desempenharam funções estritamente pragmático-discursivas. São nessas

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Os resultados das análises mostram que os critérios utilizados na tradição gramatical para delimitar a classe dos advérbios, não identificam, nem mesmo aproximadamente, as expressões que a mesma tradição gramatical tem apontado como advérbios. De acordo com os diversos empregos que flagramos com o item assim, que transgridem a classificação tradicional, esperamos ter lançado um pouco de luz sobre a única função reconhecida e extremamente genérica – a modificação.

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Conforme visto anteriormente com Silveira (1972), Macambira (1974), Bechara (1999) e Neves (2000), o item assim pode incidir sobre os nomes, apresentando uma qualidade.

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É importante reafirmar que os dêiticos discursivos assim exercem as subfunções, vistas até aqui, com abrangência difusa da referencialidade, diferindo, portanto, das anáforas.

últimas subfunções que encontramos o assim saindo da gramática e migrando para o discurso.

4.2.4 ASSIM: marcador discursivo112

Outra função do item lingüístico assim, encontrada no corpus do VALPB, é a de um termo que não expressa o valor dêitico original, não atua como indicador de modo, conforme atesta classificação gramatical, tampouco funciona como dêitico discursivo. É o assim agindo como lubrificante do discurso, ou seja, como marcador discursivo/conversacional que tende a assumir restrições de caráter interativo113, indiferente às restrições contextuais padronizadas.

Não é unânime a denominação dada a esses elementos114. Martelotta, Nascimento e Costa (1996, p. 262) denominam de marcadores discursivos e afirmam que eles assumem restrições de caráter pragmático, estando a serviço da organização da linha de raciocínio na fala. Nas palavras dos autores, esses itens “marcam uma retomada da linha de raciocínio perdida ou, de um modo geral, mudanças de estratégias comunicativas, reorganizando o discurso e ao mesmo tempo chamando a atenção do ouvinte para essa retomada”.

Também podemos entender como função do marcador, ainda conforme os referidos autores, o fato de servir de “artifício para o falante, sem perder a palavra, refletir sobre o que vai dizer, funcionando como preenchedor de pausa”115.

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Assumimos neste trabalho, a exemplo de muitos autores como Traugott (1995) e Hopper (1987), a idéia de que a teoria da gramaticalização dá conta dos usos dos marcadores discursivos, acreditando que construções que apresentam sintomas de discursivização estão, na verdade, em fase inicial de gramaticalização. Por outro lado, trabalhos como os de Castilho (1997) e Martelotta, Votre e Cezário (1996) defendem a existência do processo de discursivização. Cf.subseção “Gramaticalização: princípios e trajetória”.

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Risso (1993, pp. 32-3) cita, entre outras, formas que considera homônimos de advérbios e podem exercer função interativa (“então, depois, aí, bem, enfim, finalmente)”.

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Urbano (1997, p. 53) argumenta que em pesquisa coletiva realizada em 1994, destinado à busca de traços definidores do estatuto dos marcadores discursivos em geral, distinguiu, de um lado, marcadores “seqüenciadores de tópico” e, de outro, marcadores “de orientação da interação”, funções que, entretanto, acreditamos não se excluir necessariamente. Em trabalho individual subseqüente, 1995, ateve-se apenas à função interacional dos marcadores buscando analisar subfunções interacionais. Conferir maiores detalhes na subseção teórica intitula “Discursivização: fonte que emana controvérsia”.

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Marcuschi (2000, p. 62), por sua vez, os denominam de marcadores conversacionais, asseverando que eles formam uma classe de palavras ou expressões altamente estereotipadas, de grande ocorrência. Para o autor, os marcadores “não contribuem propriamente com informações novas para o desenvolvimento do tópico, funcionando principalmente como indicadores da esfera do planejamento cognitivo do texto”, isto é, aparecem nos momentos em que o texto se organiza.

Podemos identificar, grosso modo, que os marcadores discursivos são caracterizados pela indisciplina sintática, opacidade semântica, multifuncionalidade discursiva e insuficientes para constituírem enunciados completos por si próprios. São marcados na fala por constantes hesitações, reavaliações, adendos e orientação para interação, viabilizando o processamento das informações.

Outra indicação usada para delimitar os marcadores discursivos é a elevada freqüência de uso. No estudo em tela, a construção lingüística assim revelou-se altamente recorrente no espaço textual com 47,3%, ou 1.537 usos no nosso acervo, corroborando os postulados de Bybee (2003) que assevera que a freqüência de um item é evidência empírica do seu grau de gramaticalização. Para melhor estudar essa macro-função, a desdobramos em duas: preenchedores de pausa e iniciadores e/ou tomadores de turno. Comecemos, então, a análise pelo primeiro marcador.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 161-167)

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