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Assim: preenchedor de pausa

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 167-172)

2 ANCORAGEM TEÓRICA: lingüísticas funcional e textual

3.1 Remexendo nas areias no tempo: o advérbio assim no contexto da

4.2.3 Dêitico discursivo da memória

4.2.4.1 Assim: preenchedor de pausa

O preenchedor de pausa tem como característica marcar uma interrupção na linha de raciocínio para evitar uma conseqüente pausa no fluxo da fala. Não desempenha, portanto, função gramatical referente à organização interna do texto.

Sabemos que o texto oral apresenta problemas de formulação que podem ser percebidos através de hesitações. As hesitações, pois, executam uma importante função na construção desse texto, uma vez que deixam marcas que permitem detectar os procedimentos usados pelo falante, a fim de

conseguir seu objetivo comunicacional como também permite maior interação entre os participantes de uma conversação.

Fávero, Andrade e Aquino (1999, p. 55), citando Antos, lembram que formular um texto significa “deixar marcas, traços no texto que possibilitem a sua compreensão.” Na formulação de um texto oral, diferentemente do que ocorre com o texto escrito, as marcas de seu processo de organização são perfeitamente visíveis através de hesitações.

Flagramos, na nossa amostra, com freqüência de 41.99116 %, as hesitações que coocorrem com o marcador assim, evidenciando dificuldades de processamento e sugerindo que o mesmo está agindo como um preenchedor de pausa. Em outras palavras, a hesitação do falante no momento da construção de sua fala é usada simplesmente para possibilitar um tempo maior para o falante se organizar e dar continuidade ao discurso, apresentando uma orientação prospectiva.

De fato, os itens assim são usados como um recurso para preencher uma pausa, o que garante para o falante “ganho de tempo” para procurar o termo mais adequado, e reformular o que disse. Enfim, são acionados para o planejamento local do texto, e, conseqüente impedimento da interrupção completa do processamento discursivo. A função seria de ordem pragmática: o locutor sinaliza que sua fala não está encerrada ainda e assim garante a manutenção do turno, vejamos os trechos a seguir:

(70) I: Todo ano sempre tem uma notícia que me impressiona, entende? Agora esse ano deixa ver..., são tantas assim... me diga uma pra ver se... chega aqui a minha mente. (G.G., p. 58,v.IV)

(71) I: Eu acho o seguinte, eu acho que deve ter sido algum, algum, assim esforço demais assim, alguma coisa assim, eu num vi direito, mas eu tô sabendo. Eu acho que foi esforço físico demais. (V.L.B., p. 29,v.IV)

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Os itens lingüísticos altamente repetidos, como é o caso aqui, funcionam, de acordo com Bybee e Hopper (2001), como estratégias automáticas, tornando-se cada vez mais eficiente na interação.

(72) E: Você acredita que o país tem solução?

I: Tem, a::cridito. Só mudá o presidente. Mudá de presidente. Se PC: qui PC eu vi na televisão, sabe, qui esse tal de PC é uma boa pessoa assim, eu iscutei puralto assim qui ele tem muito dinhêro, aí eu aço qui ele:: só iscuti poralto, assim o qui ele tava passano. (S.V.S., p. 25,v.I)

Os exemplos (70), (71) e (72) demonstram como é ‘complexo’ falar sobre o que não se sabe. Logo, os usos dos itens assim pelos falantes funcionam como estratégia para solucionar esses problemas ocorridos no processamento de suas falas. Destituídos, quase completamente, de seus valores sintáticos e semânticos, os itens negritados quase não têm função, pois estruturalmente suas presenças são dispensáveis no processamento do assunto.

Entretanto, uma função atribuível e altamente relevante, nesses casos, seria interacional: o falante, atento ao interlocutor, quer manter a posse do turno conversacional, e, para isso, sinaliza a manutenção por meio do uso de assim, não deixando espaço suficiente para uma ruptura na fala e, conseqüente, troca de turno, uma vez que pretende continuar seu discurso.

Na perspectiva da formulação textual, com efeito, o assim revela o planejamento lingüístico. Prova disso é o fato de em (70), o falante parecer não ter em mente ainda a construção que deseja usar e, então, dar a entender que está pedindo para o interlocutor lhe socorrer com alguma notícia, pois nada vem a sua mente. O assim vago, impreciso, funcionando como preenchedor de pausa pode ainda ser visto nas situações (71) e (72) onde notamos a presença de marcas de oscilação/hesitação dos falantes na escolha lexical mais adequada, demonstrando que esses informantes estão “ganhando tempo” para organizar/planejar internamente suas falas:

para responder em (71), sobre o fato de um atleta ter se machucado devido aos esforços físicos que fazia em demasia; e

em (72), sobre a situação política do Brasil, revelando claramente a dificuldade do processamento on line.

Do ponto de vista cognitivo, ocorrências dessa natureza evidenciam a dificuldade inicial para se organizar as informações a serem colocadas no

momento da atividade de formulação textual, isto é, no momento em que o informante planeja sua fala, constrói seu discurso.

No que diz respeito ao papel interacional, o princípio que parece reger as hesitações que coocorrem com o marcador assim, é o envolvimento interpessoal: a grande preocupação do falante é manter o fluxo da malha tópica, solicitando a atenção do interlocutor, para que esse não venha a “tomar” o seu turno. Na verdade, esse tipo de uso acontece em textos orais, com maior freqüência, desempenhando uma importante função na construção desses textos, pois elaboração e produção coincidem no eixo temporal, deixando marcas que permitem detectar os procedimentos usados pelo falante, a fim de conseguir atingir seu objetivo comunicacional.

Essa constatação reitera nossa hipótese de que o item assim perde seus traços gramaticais, ajustando-se às circunstâncias e necessidades dos usuários, revelando claramente seu papel como sinalizador pragmático do monitoramento local do texto falado e das relações interlocutivas responsáveis por sua co-produção dinâmica e emergencial.

Mapeando os usos do item lingüístico assim no espaço textual da nossa amostra, encontramos 20 ocorrências da expressão “tipo assim”. Nesses contextos, notamos um enfraquecimento da força semântica dessa expressão, que revela a perda da sua função dêitico discursiva especificadora, vista anteriormente, e assume a função de marcador discursivo (preenchedor de pausa).

Como preenchedor de pausa, a expressão “tipo assim”117 é insuficiente para constituir enunciado completo por si próprio, funcionando, nos momentos em que o texto se organiza, como indicadora da esfera do planejamento cognitivo, vejamos:

(73) I: Bom, o “Sonho de uma Noite de Verão” é muito interessante, porque tem um punk, que é o que {inint.} fayz o personagem assim como um duende, ele mistura <a> tipo assim, tipo uma mágica,

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Segundo Casseb-Galvão; Lima-Hernandes e Gonçalves (2007), a expressão tipo assim está mais presa à conversação e menos ambígua. Essas características conferem a essa expressão um uso não-marcado pelos (pré) adolescentes, que incorporam mais facilmente usos inovadores.

entendeu? Bota em pessoas erradas que se apaixonam errado, entendeu? (V.L.B., p. 13 v.IV)

(74) I: [...] se eu falo diferente eu algumas coisa0 que eu falo diferente, mas eu não sei o que é alguma, algum algumas rimas que eu falo diferente algum algum tipo assim de palavra que eu sempre falo diariamente.

(P.A.M., p. 107,v.V)

Através dos fragmentos, entendemos que são os usuários da língua os agentes desencadeadores de alterações no sistema lingüístico, criando e recriando significados, ampliando seus usos, em um processo constante e atualizador, como é o caso aqui. O “tipo assim”, nos excertos, é resultante de escolhas dos falantes para satisfazer suas necessidades comunicativas de manter suas malhas tópicas. Bittencourt (1997, p. 08), também advogando em favor da função de marcadores discursivos, frisa que “tipo assim” pode ser usado retoricamente para indicar algum aspecto associado ao jogo interacional, como nos exemplos da autora (75) e (76):

(75) I: ninguém tá quereno pagá ... tipo assim...num tá confiano nesse tesoureiro...

(76) e aí:: tipo assim....graças a Deus sou brasileira...

Um dado importante a salientar é que fica patente o deslizamento (ou até um certo esvaziamento118) semântico que o item sofre, uma vez que não é possível atribuir-lhe um significado claro. O uso tão freqüente corrobora o fato de não haver, nas situações analisadas, mais restrições gramaticais e que o “tipo assim” se tornou um preenchedor de vazios causados por pausas para calcular as informações subseqüentes discursivo. Quanto ao papel cognitivo, esse uso revela a própria atividade cognitiva do falante, com relação à compreensão e intenção dos enunciados.

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A hipótese de esvaziamento semântico ocorre no uso do assim como “sinalizador de precisão vocabular ou como marcador de hesitação conversacional que poderia ser verificada em pistas de contextualização paralingüísticas como entonação, evidencia a fluidez, a generalização de sentido” (COSTA, 1997, p. 115).

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (páginas 167-172)

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