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A assimetria esquerda-direita do corpo dos vertebrados deriva da assimetria molecular no embrião jovem

Vistos de fora, os vertebrados podem parecer bilateralmente simétricos, mas muitos de seus órgãos internos – o coração, o estômago, o fígado, e assim por diante – são muito assimé- tricos. Essa assimetria é bastante reproduzível: 99,98% das pessoas têm o coração no lado esquerdo. Vimos como o embrião de um vertebrado desenvolve suas camadas de tecido in- ternas e externas e seus eixos ântero-posterior e dorso-ventral. Contudo, como surge a assi- metria esquerda-direita?

Estudos genéticos em mamíferos mostram que esse problema pode ser dividido em duas questões distintas – uma relacionada à criação da assimetria e outra relacionada a sua orientação. Em humanos e camundongos, conhecem-se várias mutações que ocasionam uma randomização do eixo esquerda-direita: 50% dos indivíduos mutantes têm seus órgãos internos arranjados da forma normal, enquanto os outros 50% apresentam uma anatomia invertida, com o coração no lado direito. Nestes indivíduos, ao que parece, o mecanismo que torna os lados esquerdo e direito diferentes funcionou corretamente, mas o mecanismo que decide entre as duas orientações possíveis do eixo esquerda-direita está defectivo.

A chave para a base desses fenômenos vem da descoberta de assimetrias moleculares que precedem as primeiras assimetrias anatômicas maiores. Os sinais mais precoces são vistos em padrões de expressão gênica na vizinhança do nodo – o homólogo, no camun- dongo e na galinha, ao Organizador das rãs. Em particular, o gene Nodal, que codifica um membro da superfamília TGF␤, é expresso assimetricamente nesta região (não somente no camundongo, mas também na galinha, na rã e no peixe-zebra) (Figura 22-87). A assime- tria da expressão de Nodal na vizinhança imediata do nodo é transmitida para fora a fim de Figura 22-86 Efeito de mutações no

gene Kit. Tanto o bebê como o camun- dongo são heterozigotos para uma mu- tação de perda de função que os deixa com somente a metade da quantidade normal do produto do gene Kit. Em ambos os casos, a pigmentação é de- fectiva, porque as células pigmentares dependem do produto de Kit como re- ceptor para um fator de sobrevivência. (Cortesia de R. A. Fleischman, de Proc.

Natl. Acad. Sci. U. S. A. 88:10885-10889,

1991. Com permissão de National Aca- demy of Sciences.)

ESQUERDA DIREITA ESQUERDA DIREITA

Nodo (A) (B) Expressão assimétrica de Nodal Notocorda em desenvolvimento O batimento dos cílios direciona o fluxo assimétrico de fluido extracelular Faixa primitiva 100 ␮m Nodal Pitx2 Lefty O coração se desenvolve do lado esquerdo Figura 22-87 Batimento helicoidal dos

cílios no nodo e as origens da assime- tria esquerda-direita. (A) O batimento dos cílios direciona uma corrente de fluido em direção a um lado do nodo, e isso leva à expressão gênica assimétrica na vizinhança do nodo. Segundo uma teoria, o fluxo exerce este efeito pelo transporte de proteínas-sinal extrace- lulares a um lado. Outra teoria observa que os cílios também podem funcionar como mecanossensores, e propõe que um subgrupo de cílios no nodo respon- de à deflexão devida à corrente de flui- do pela abertura de canais de Ca2+, de modo a criar um aumento da concen- tração de Ca2+ nas células em um lado.

(B) O padrão de expressão assimétrico resultante de Nodal, que codifica uma proteína-sinal pertencente à superfamí- lia TGFβ, na vizinhança do nodo (os dois

pontos azuis inferiores) em um embrião

de camundongo de 8 dias de gestação, como mostrado por hibridização in situ. Neste estágio, a assimetria já foi retrans- mitida em direção à parte externa até a mesoderme da lâmina lateral, onde

Nodal é expresso no lado esquerdo

(porção azul grande e alongada), mas não no direito. (B, cortesia de Elizabeth Robertson.)

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criar uma ampla faixa de expressão de Nodal na mesoderme ao longo do lado esquerdo – e somente do lado esquerdo – do corpo do embrião. O mecanismo que transmite a assime- tria a partir do nodo e localiza a expressão de Nodal não é entendido e pode variar entre as diferentes classes de vertebrados. Em todas as espécies, contudo, ele parece depender de circuitos de retroalimentação que envolvem, além de Nodal, um segundo conjunto de genes, os genes Lefty. Estes, como o próprio Nodal, são diretamente regulados pela via de sinalização Nodal, e seus produtos, as proteínas Lefty, são relacionados a Nodal. Porém, as proteínas Lefty se difundem mais amplamente e agem contrariamente, como antagonistas de Nodal. Camundongos com uma mutação nocaute no gene Lefty1 frequentemente apre- sentam o lado direito convertido em uma imagem especular do esquerdo, de forma que a simetria esquerda-direita se perde.

Outro gene diretamente regulado pela via Nodal, Pitx2, que codifica uma proteína de regulação gênica, vincula o resultado das interações entre Nodal/Lefty ao desenvolvimento anatômico subsequente. A Nodal controla a expressão de Pitx2 no lado esquerdo do corpo e, com isso, confere assimetria ao coração e a outros órgãos internos.

Isso nos deixa com o quebra-cabeça de como a assimetria inicial da expressão de No-

dal se origina. Seja qual for o mecanismo, o resultado dos eventos no nodo em um animal

normal deve ser influenciado de tal forma que os genes específicos do lado esquerdo sejam regularmente expressos no lado esquerdo: deve haver uma ligação entre o mecanismo que cria a assimetria e o mecanismo que a orienta. Um indício para o mecanismo de orientação foi primeiramente observado em uma clínica de infertilidade da Suécia. Descobriu-se que um pequeno subconjunto de homens inférteis possuía espermatozoides sem mobilidade devido a um defeito nas moléculas de dineína necessárias ao batimento dos cílios e flagelos. Esses homens também sofriam de bronquite crônica e sinusite, porque os cílios em seus tratos respiratórios eram defeituosos. E, surpreendentemente, 50% deles tinham os órgãos internos esquerda-direita invertidos, com o coração à direita. As descobertas originalmente pareceram completamente misteriosas; porém, efeitos similares são vistos em mamíferos com outras mutações que resultam em cílios defeituosos. Isso sugere que o batimento ciliar, de algum modo, controla como o eixo esquerda-direita é orientado.

A videomicroscopia em tempo real em um embrião vivo de camundongo revela que as células do nodo, em sua face interna, são dotadas de cílios que batem de modo helicoidal: como uma rosca de parafuso, essas células têm um sentido definido e, no nodo, elas estão arranjadas em uma pequena concavidade que é moldada de forma que seus batimentos direcionam uma corrente de fluido ao lado esquerdo (ver Figura 22-87A). Segundo uma teoria, acredita-se que as proteínas-sinal carregadas nesta corrente produzam a tendência que orienta o eixo esquerda-direita do corpo do camundongo. Outra teoria propõe que os cílios, neste sistema, como em outros contextos, agem não somente como direcionadores do fluxo de fluido, mas também como sensores mecânicos, respondendo à deflexão pela geração de uma corrente assimétrica de íons Ca2+ que atravessa o nodo e influencia o teci- do adjacente.

O sentido do batimento ciliar reflete o sentido – a assimetria esquerda-direita – das mo- léculas orgânicas das quais todos os seres vivos são feitos. Parece que isso, portanto, é a dire- triz final da assimetria esquerda-direita de nossa anatomia.

Resumo

O desenvolvimento animal envolve movimentos celulares dramáticos. Assim, na gastrulação, as células do exterior do embrião jovem se dobram para o interior para formar a cavidade intestinal e criar as três camadas germinativas – endoderme, mesoderme e ectoderme – a partir das quais são construídos os animais superiores. Nos vertebrados, os movimentos da gastrulação são organizados por sinais do Organizador (o lábio dorsal do blastóporo de anfíbios, correspondente ao nodo em um embrião de galinha ou camundongo). Esses sinais especificam o eixo dorso-ventral do corpo e governam a extensão convergente, na qual o folheto de células que se move para o interior do corpo se estende ao longo do eixo cabeça-cauda enquanto se estreita em ângulos retos a este eixo. Os movi- mentos ativos de re-empacotamento de células individuais que dirigem a extensão convergente são coordenados pela via de sinalização de polaridade planar Frizzled/Dishevelled – um ramo da via de sinalização Wnt que regula o citoesqueleto de actina.

O desenvolvimento subsequente envolve muitos movimentos celulares adicionais. Parte da ectoderme se torna espessa, enrolando-se e se desprendendo para formar o tubo neural e a crista neural. Na linha média, um bastão de células especializadas denominado notocorda se

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alonga para formar o eixo central do embrião. As longas placas de mesoderme em cada lado da notocorda vêm a ser segmentadas em somitos. Células migrantes, como as da crista neural, des- prendem-se de seus vizinhos originais e percorrem o embrião para colonizar novos sítios. Células germinativas primordiais e muitas outras migrantes são guiadas por quimiotaxia dependente do receptor CXCR4 e de seu ligante SDF1. Moléculas específicas de adesão celular, como as caderinas e integrinas, auxiliam no direcionamento das migrações e controlam a coesão seletiva das células em novos arranjos.

Finalmente, o padrão de movimentos celulares é direcionado pelo padrão de expressão gêni- ca, o qual determina as propriedades da superfície celular e a mobilidade. Assim, a formação dos somitos depende de um padrão periódico de expressão gênica, que é estabelecido por um oscilador bioquímico – o relógio de segmentação – na mesoderme e que dita a maneira pela qual a massa de células irá se dividir em blocos separados. Similarmente, a assimetria anatômica esquerda-direita do corpo dos vertebrados é prenunciada pela assimetria esquerda-direita no padrão de expressão gênica no embrião jovem. Acredita-se que essa assimetria, pelo menos em mamíferos, seja em últi- ma análise direcionada pelo sentido do batimento ciliar na vizinhança do nodo.

O CAMUNDONGO

O embrião de camundongo – minúsculo e inacessível no útero de sua mãe – representa um desafio difícil para os biólogos do desenvolvimento. Contudo, ele tem dois atrativos ime- diatos. Primeiro, o camundongo é um mamífero, e os mamíferos são os animais que mais interessam a nós, humanos. Segundo, entre os mamíferos, ele é um dos mais convenientes para estudos genéticos, porque é pequeno e se reproduz rapidamente. Esses dois fatores têm estimulado um enorme esforço de pesquisa, resultando no desenvolvimento de algu- mas ferramentas extraordinariamente potentes. Desta maneira, o camundongo tornou-se o principal organismo-modelo para a experimentação em genética de mamíferos e o mais intensivamente estudado substituto para humanos. Ele está evolutivamente separado dos humanos por apenas cerca de cem milhões de anos. Seu genoma tem o mesmo tamanho que o nosso e existe uma correspondência muito próxima de um para um entre os genes de camundongos e os de humanos. Nossas proteínas são, tipicamente, de 80 a 90% idênticas quanto à sequência de aminoácidos, e grandes blocos de estreita similaridade quanto à se- quência de nucleotídeos também são evidentes, quando as sequências reguladoras de DNA são comparadas.

Por meio de engenhosidade e perseverança, os biólogos do desenvolvimento encon- traram meios para ter acesso ao embrião jovem de camundongo sem matá-lo e para gerar camundongos com mutações em qualquer gene selecionado. Quase todas as modificações genéticas que podem ser feitas em um verme, uma mosca ou um peixe-zebra agora tam- bém podem ser feitas no camundongo e, em alguns casos, até de forma melhor. Os custos com pesquisa em camundongos são muito maiores, mas também são maiores os incentivos. Como resultado, o camundongo se tornou uma fonte rica de informação sobre todos os as- pectos da genética molecular do desenvolvimento – um sistema modelo-chave não somente para mamíferos, mas também para outros animais. Ele proporcionou, por exemplo, muito do que sabemos sobre os genes Hox, a simetria esquerda-direita, os controles da morte celu- lar, o papel da sinalização Notch e uma série de outros tópicos.

Já fizemos repetidamente uso de dados do camundongo. Iremos utilizá-los ainda mais no próximo capítulo, em que discutiremos os tecidos adultos e os processos de desenvolvi- mento que ocorrem neles. Nesta seção, examinaremos as características especiais do desen- volvimento do camundongo que têm sido exploradas para possibilitar a manipulação ge- nética. Por meio de exemplos, delinearemos também como o camundongo tem sido usado para esclarecer um importante processo adicional do desenvolvimento – a criação de órgãos, como pulmões e glândulas, por interações entre tecido conectivo embrionário e epitélio.

O desenvolvimento de mamíferos começa com um preâmbulo

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