• Nenhum resultado encontrado

3.2. As estrelas na campanha Core Values

3.2.3 Assimilação de valores da contracultura

Usar as estrelas do tipo “adquiridas”, conforme já vimos, divulgar a doação de cachês e o apoio ao Projeto Clima na campanha Core Values foram estratégias que fortalecem e divulgam os valores fundamentais da marca. Mas, há outra estratégia que foi explorada dentro da campanha: a de assimilar a contracultura e a cultura de elite aos valores da cultura de massa. Vejamos como.

A contracultura é aquela que busca quebrar os paradigmas instituídos pela cultura dominante, ou seja, contestar os valores culturais hegemônicos da sociedade. Já a segunda é elitizada, aristocrática, ou seja, é a que determina os valores a serem seguidos pela maioria desejosa de ascender na escala sociocultural. Porém, o público da marca é, para além do público consumidor de produto de luxo, um público desejoso de consumir um luxo que se apresenta como acessível. É, portanto, um público situado nas classes dominantes e massificadas. O que se passa com a contracultura, é que o sistema da massificação cultural absorve a contracultura que passa a fazer parte dos seus valores médios. Com isso, as pessoas passam a aceitar a contracultura. A cultura de massa neutraliza o poder da contracultura colocando-a a seu serviço. Morin (2009, p. 42) defende que existe uma corrente principal que ele define como happy end no mundo cinematográfico que significa mostrar ao público apenas “a felicidade e o êxito” das estrelas. Em seguida, ele diz que existe outra corrente que ele define como contracorrente que mostra o “fracasso, a loucura e a degradação”. É óbvio que a contracorrente é importante para o sistema, mas ficará sempre “repelida à periferia”, com base nisso, podemos analisar que a marca Louis Vuitton escolheu mais estrelas que representam a felicidade e o êxito e apenas duas que representam a loucura, a morte e a degradação. São as estrelas Muhammad Ali e Keith Richards, como veremos. Desta forma, a estratégia publicitária se adéqua perfeitamente à lógica da cultura vigente.

O primeiro um famoso boxeador chamado Cassius Marcellus Clay Jr. Mas, converteu-se ao Islamismo e passou a ser chamado de Muhammad Ali- Haj. Sabe-se que o boxe no passado era um esporte marginalizado, praticado

apenas pelos negros, pobres e oprimidos nas periferias. É considerado um esporte violento e de combate. O seu início aconteceu quando o homem sentiu a necessidade de se armar contra o seu adversário e percebeu que poderia fechar os seus punhos e aplicar um golpe certeiro. Com o passar dos tempos, ele passa a ser aceito pela cultura de massa, mas nota-se que o seu início se deu com a negação dos valores instituídos.

Se voltarmos à peça publicitária, lembraremos que o cenário escolhido para a peça 12 de Muhammad Ali e o seu neto foi o jardim de sua casa no Arizona. Há no meio do pátio uma piscina e ao redor diversas plantas com várias tonalidades de verde, flores amarelas, azuis e lilás. O menino está de pé ao lado do avô, usando luvas de boxe. Há uma mala da Louis Vuitton aberta que nos faz achar que as luvas foram tiradas de lá. Um cenário acolhedor que transmite um momento único entre o avô e o neto que nos passa a ideia de que irá lhe ensinar o caminho do sucesso no mundo do boxe. Na peça está escrito: “Algumas estrelam mostram o caminho. Muhammad Ali e uma estrela em ascensão. Phoenix, Arizona”. Ou seja, o boxeador originalmente repelido à periferia e a um esporte marginalizado, agora está plenamente integrado ao mundo do luxo, do conforto e do sucesso. O público consumidor da marca pode se identificar com ele, não só pelo esporte e o sucesso, mas também pelo seu lugar integrado à sociedade do consumo de luxo dito acessível.

Já o segundo um roqueiro famoso que sempre viveu e superou seus limites ao usar drogas pesadas; famoso também pelas suas idas e vindas em clínicas de recuperação, ele desafia e brinca com a morte. É uma figura caricata na sua forma de vestir ao usar muitas roupas e acessórios pretos, maquiagem escura, símbolos de caveira, entre outros objetos que traduzem a sua ideologia. O rock surgiu nos subúrbios dos Estados Unidos e é uma evolução do blues, nascido entre os negros. Muitos não aceitavam o novo estilo musical, com isso, que era considerado algo ligado ao mal. Mas, rapidamente, com as mudanças na cultura das décadas de 1960/1970 todo o mundo ouvia e curtia o rock and roll. Como consequência, esse estilo irreverente, arbitrário, agressivo e contestador influenciou gerações, mudando

a moda da época, as atitudes, as percepções das pessoas em relação ao mundo, a linguagem verbal e corporal e o estilo de vida dos jovens que buscavam e viviam a liberdade sexual e o uso das drogas ilícitas. A peça com Keith Richards é, portanto, o reconhecimento da absorção da contracultura pela cultura dominante massificada. O cantor se beneficia do conforto de um hotel de luxo, porém, acomoda-o a seus valores próprios, encobrindo o abajur com lenços de caveira, trocando o chá da tarde por um lanche com suco e sanduíche, e até exibindo um case da Louis Vuitton personalizado, porém remendado.

Por tudo isso, percebe-se que as duas estrelas são símbolo da contracultura e causam primeiramente um estranhamento ao terem sua imagem estampada na campanha Core Values. Mas com isso, a Louis Vuitton amplia o seu público e, consequentemente, passa a atingir um número maior de pessoas que têm poder de compra. Como estratégia publicitária, podemos inferir que ao incluir os valores da contracultura em sua campanha, a Louis Vuitton não só aumenta o universo de seu público consumidor, mas, sobretudo, coloca-se ideologicamente no patamar da crítica. O público da Louis Vuitton é um público sonhador, porém, não elitista. É um público de classe média, que geralmente lutou para conquistar a sua condição socioeconômica e, consequentemente, tem acesso à marca Louis Vuitton e aos seus produtos de luxo acessível.

No que diz respeito à cultura de elite, trazemos o caso da fotógrafa Annie Leibovitz e do bailarino Mikhail Baryshnikov em cuja peça fica evidenciado o ambiente intelectualizado do estúdio, semeado de livros, como lugar de troca entre a fotógrafa e o bailarino, duas artes bastante elitizadas. A dança clássica, balé, faz parte dessas modalidades artísticas seguidas por poucos. Os óculos, a ausência de maquiagem na fotógrafa, uma certa naturalidade e desordem no ambiente denotam uma postura que valoriza mais o intelecto do que propriamente o glamour das aparências como nos outros casos. Aqui também, a marca Louis Vuitton, com essa escolha, demonstra

assimilação de valores em sentido agora invertido: da cultura dita “culta” e elitizada, para a cultura massificada do consumo.

Documentos relacionados