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Assistência directa aos filhos: mães primeiro, pais depois?

O quarto indicador que se propõe trabalhar neste contexto descentra o focus analítico da relação conjugal propriamente dita para o focalizar na conciliação do exercício profissional com a vida familiar (e, em particular, com a assistência directa aos filhos). Na medida em que os pressupostos da pergunta e, sobretudo, os fundamentos das respostas poderiam ser substancialmente diferentes, tratando-se de filhos adolescentes ou de crian- ças mais pequenas, cumpre sublinhar que a interrogação se referia, espe- cificamente, a crianças com idades inferiores a 3 anos: «em que medida aprova ou desaprova se uma mulher tiver trabalho a tempo inteiro en- quanto os filhos têm menos de 3 anos/se um homem tiver trabalho a tempo inteiro enquanto os filhos têm menos de 3 anos». Significativa- mente, este é o indicador que mais clivagens de género fez emergir.

A principal linha de segmentação dos resultados ocorre logo na mani- festação da opinião pessoal dos inquiridos, segmentação essa que se ex- pressa, justamente, pela emergência de uma clara diferenciação de género. Na verdade, os apuramentos estatísticos apontam no sentido de somente por relação às mulheres a média das respostas traduzir, em alguns países, uma menor aprovação da possibilidade de trabalho a tempo inteiro nos casos em que elas tenham filhos com idades inferiores a 3 anos; já por re- lação aos homens, e não obstante as variações estatísticas existentes entre eles, regista-se que a média das respostas coloca todos os países mais pró- ximos do ponto de aprovação do pressuposto do indicador.

Paralelamente, chama-se ainda a atenção para o facto de os países nos quais, por relação às mulheres, a média das respostas se aproxima do ponto da desaprovação serem muito diversos entre si (países do Leste eu- ropeu, da Europa central, países com estruturas e modelos de protecção social distintos, tradições sócio-religiosas diversas, etc.). Ainda que a na- tureza quantitativa da informação recolhida não permita saber a racio- nalidade subjacente às respostas, acredita-se que os inquiridos poderão ter associado esta pergunta a múltiplas dimensões dos contextos sociais em que se inserem, dimensões essas relacionadas não só com a questão dos valores em si mesma, mas também, num outro plano, com factores específicos, como, por exemplo, as políticas de apoio à família existentes

Quadro 4.5 – Opinião pessoal sobre a opção por emprego a tempo inteiro tendo filhos com idades inferiores a 3 anos (médias)

Se um homem optar por emprego Se uma mulher optar por emprego

a tempo inteiro tendo filhos a tempo inteiro tendo filhos

com idades inferiores a 3 anos com idades inferiores a 3 anos

Desaprova Suécia** (3,52) Ucrânia*** (2,36)

totalmente Suíça*** (3,55) Áustria*** (2,42)

Alemanha*** (3,56) Suíça*** (2,43)

Portugal*** (3,57) Estónia*** (2,45)

Áustria*** (3,58) Rússia*** (2,50)

Eslovénia** (3,58) Alemanha*** (2,59)

Irlanda*** (3,73) Hungria*** (2,64)

Reino Unido*** (3,79) Eslováquia*** (2,70)

Espanha*** (3,83) Bulgária*** (2,74)

Eslováquia*** (3,83) Reino Unido*** (2,75)

Estónia*** (3,92) Holanda*** (2,76) Holanda*** (3,92) Irlanda*** (3,06) França*** (3,93) França*** (3,06 ) Rússia*** (3,97) Eslovénia** (3,20) Ucrânia*** (3,99) Polónia*** (3,21) Polónia*** (4,01) Portugal*** (3,27) Chipre (4,04) Espanha*** (3,27) Hungria*** (4,05) Suécia** (3,34) Bulgária*** (4,06) Bélgica*** (3,40) Finlândia*** (4,15) Chipre (3,54) Bélgica*** (4,17) Finlândia*** (3,61)

Aprova Noruega*** (4,23) Noruega*** (3,90)

totalmente Dinamarca*** (4,46) Dinamarca*** (3,95)

Total ESS*** 3,87 2,97

Escala: 1 (desaprova totalmente) a 5 (aprova totalmente). Teste F; **p < 0,01***p < 0,001; ; sem * = n. s.

nos seus países (Wall, Samitca e Leitão 2008), medidas de apoio à natali- dade, de conciliação da vida familiar com a vida profissional, etc. O que se pretende salvaguardar é a possibilidade de estes resultados não decor- rerem exclusivamente da manifestação da estrutura de valores enraizada nos diferentes contextos sociais e nos referenciais dos indivíduos,4mas

também das expectativas e/ou da avaliação que eles façam dos apoios disponíveis nos seus países em termos, por exemplo, da conciliação da família com o trabalho. A ter acontecido, tal significaria que as respostas poderiam ter sido dadas não tanto (ou não apenas) em função da estru- tura de valores dos indivíduos, mas também enquanto manifestação de aprovação/desaprovação de modelos e de políticas de protecção social específicos.

De resto, vários estudos têm demonstrado a diversidade de factores que enquadram a questão da conciliação entre a vida familiar e profis- sional no contexto europeu (Crompton 2006) e, em particular, a forma como em alguns países – por exemplo, a Suécia – a implementação de políticas específicas de promoção da igualdade de género tem possibili- tado esbater algumas assimetrias no que toca às condições de acesso e de inserção no mercado de trabalho e de conciliação, como se disse, da vida familiar e profissional. (Aboim 2007; Almeida 2003; Crompton 2006; Torres, Mendes e Lapa 2006; Wall 2007).

Acredita-se então que estes resultados suscitam um número significa- tivo de questionamentos que poderão ser explorados e aprofundados por outras pesquisas ou noutras fases de inquirição do European Social Survey, aferindo, designadamente, se o que está em jogo é a discordância per si da inserção profissional de mulheres mães de crianças de pouca idade (resultante de uma estrutura normativa enraizada) ou, por exemplo, a crí- tica à inexistência ou à insuficiência de medidas de apoio social que via- bilizem que a inserção das mulheres no mercado de trabalho seja, verda- deiramente, uma decisão individual ou familiar sustentada na capacidade de opção e não apenas ditada pela necessidade (no sentido da necessidade do rendimento acrescido para fazer face às despesas familiares). A poten- cial pertinência deste tipo de aprofundamento é ainda reforçada quando se consideram, por exemplo, os resultados de estudos recentes que con- testam a veracidade e a aderência à realidade de determinadas ideias dadas por alguns como mais ou menos adquiridas: por exemplo, a noção de

4Por exemplo, ser liminarmente contra e, por si só, a integração das mulheres no mer-

cado de trabalho nos casos em que estas sejam mães de filhos com menos de 3 anos de idade.

uma maior valorização do «trabalho» por parte dos homens e da «família» por parte das mulheres (Torres, Mendes e Lapa 2006) ou de que a mater- nidade é muito mais importante para o sentido de realização pessoal das mulheres do que a paternidade para os homens (Almeida 2003).

Independentemente das ressalvas anteriores, os resultados apurados destacam elementos que importa não ignorar, nomeadamente ao nível das diferenciações de género. Na verdade, apesar de a média dos resulta- dos de alguns países os colocar próximo dos pontos de neutralidade ou de aprovação da escala (indiciando, assim, a expressão de uma atitude que relega a questão para a esfera privada da decisão pessoal e familiar ou então a aceitação da suposição da inevitabilidade face à necessidade

Figura 4.4 – Opinião pessoal versus «outros» sobre homens/mulheres trabalharem enquanto os filhos têm menos de 3 anos (médias)

Teste F; **p < 0,01; ***p < 0,001; sem * = n. s. Chipre Espanha Holanda Eslovénia*** Suécia** Polónia Alemanha*** Bélgica França Finlândia Noruega Irlanda** Dinamarca Portugal Áustria** Hungria*** Eslováquia Reino Unido Suíça Rússia** Ucrânia** Bulgária*** Estónia*** –0,5 0,0 0,5 1,0 –1,0

de rendimento do agregado familiar), o facto de ser principalmente em relação às mulheres que em alguns países o posicionamento médio se desloca para o ponto da desaprovação desvela a manutenção de um re- ferencial que não só tende a atribuir responsabilidades acrescidas à mu- lher na prestação de cuidados familiares, como a concebe como a pri- meira responsável directa pelos cuidados de suporte aos filhos (neste caso, com idades inferiores a 3 anos).

Sob este ponto de vista, estes resultados revelam, portanto, a manu- tenção de um duplo padrão de género na estrutura de valores dominante em alguns países. Este duplo padrão manifesta-se, igualmente, quando se analisam os dados relativos à percepção dos inquiridos sobre as atitu- des que julgam prevalecentes nos seus contextos sócio-territoriais de in- serção, pois também quando os inquiridos projectam o que julgam ser a opinião dos «outros» não se assiste a uma alteração estrutural do padrão de resposta, mas antes a um extremar da posição que atribuíram a si mes- mos.

Uma vez mais se regista, assim, que a descolagem que os inquiridos ten- dem a fazer entre a sua opinião pessoal e as percepções sociais dominantes resulta na atribuição aos «outros» de uma posição mais conservadora. Aqui as únicas excepções são a Bulgária e a Estónia, países nos quais, e apenas por relação às mulheres, os inquiridos julgam que a sociedade em geral tem uma posição mais aberta e liberal do que eles próprios no que respeita à conciliação do exercício parental com a actividade profissional por parte de mulheres que têm filhos com idades inferiores a 3 anos.