• Nenhum resultado encontrado

Como referimos atrás, a fraca mobilidade das ocupações profissionais tem um efeito acentuado nas motivações relativamente ao trabalho. Resta então verificar se este efeito ultrapassa aquele que decorre do desenvol- vimento de carreira dos indivíduos ou se, pelo contrário, podemos con- jugar estas duas perspectivas.

A fraca mobilidade na ocupação é explicada nas diferentes fases de de- senvolvimento de carreira não só em termos das experiências e motivações para o desenvolvimento, mas também pela adaptação ao local de trabalho (Ng e Feldman 2007). No entanto, e de acordo com Ng e Feldman, a fraca mobilidade na ocupação é distinta consoante a fase de desenvolvimento de carreira em que o indivíduo se encontra. Assim, enquanto nas fases iniciais esta fraca mobilidade se deve à necessidade de apoio, à possibili- dade de aprendizagem no local de trabalho e ao tipo de relações sociais que os indivíduos estabelecem, na fase de manutenção ela prende-se com o facto de os indivíduos atingirem os topos de carreira e com a sua procura de integração com a família; finalmente, na fase de declínio a fraca mobi- lidade é explicada pela percepção individual de risco associada à mobili- dade e pelas menores possibilidades de empregabilidade. Esta argumen- tação coloca, por um lado, a tónica na estabilidade da ocupação, mas, por outro, na forma diversificada como este mesmo fenómeno ocorre, bem como nos diferentes factores que explicam a estabilidade ocupacional consoante a fase de desenvolvimento de carreira dos indivíduos.

Com efeito, se a ocupação fosse, por si só, tão determinista da satisfa- ção e das motivações, ela limitaria a forma como os indivíduos evoluem na sua carreira profissional. Porém, verificamos que as motivações alte- ram-se ao longo do tempo, o que sugere que a profissão vai sendo vivida de forma dinâmica nas diferentes fases de desenvolvimento de carreira e da vida dos indivíduos. Como propõem e verificam Jepsen e Sheu (2003), as atitudes perante o trabalho e a satisfação com o trabalho dependem das oportunidades que as ocupações profissionais oferecem, mas também dos objectivos que os indivíduos estabelecem, pelo que nas fases iniciais de desenvolvimento de carreira a ocupação pode ter um menor impacto, enquanto nas fases de manutenção a fraca mobilidade ocupacional é mais determinante das atitudes, quer pelo tipo de vivências de trabalho, quer pelas vivências sociais e recompensas que proporciona.

De forma semelhante, Gabriel (2003) verifica que a fraca mobilidade na carreira é muito mais pronunciada junto dos indivíduos que se situam nas fases de desenvolvimento mais tardias (manutenção e declínio), en- quanto nas fases iniciais, e ainda que as taxas de mobilidade não sejam elevadas, é consideravelmente superior. Especificamente, Jepsen e Choudhuri (2001) verificam que é nos primeiros sete anos depois da en- trada no mercado de trabalho que surge, com maior probabilidade, al- guma mudança de ocupações profissionais, mas que depois desse período as pessoas tendem a manter-se em ocupações concordantes com as esco- lhas iniciais.

Podemos, assim, concluir que, enquanto na fase inicial existe a possi- bilidade de mobilidade ocupacional, as fases seguintes são determinadas pela ocupação propriamente dita e pelo desenvolvimento de carreira. Isto significa que na fase inicial será mais difícil separar os efeitos das ocu- pações menos qualificadas, pois estão sujeitas a maior mobilidade, e nas fases seguintes a conjugação entre a fase de desenvolvimento de carreira e a ocupação será mais viável na previsão de atitudes e satisfação de mo- tivações.

Em termos de motivações intrínsecas, a literatura tem apontado que os indivíduos em fases de desenvolvimento mais tardias apresentam menor motivação para a aprendizagem (Maurer 2001; Caldwell, Herold e Fedor 2004). No entanto, também se tem verificado que esta constata- ção resulta em parte da influência de estereótipos, de fenómenos de dis- criminação e de outras características relacionadas com os contextos so- ciais em que estes trabalhadores se integram, nomeadamente dos menores desafios e das menores possibilidades de aprendizagem que são dirigidos aos trabalhadores pertencentes a faixas etárias mais elevadas (Finkelstein, Burke e Raju 1995; Maurer 2007). A nossa perspectiva é a de que a maior motivação para a aprendizagem se encontra dependente das finalidades dessa mesma aprendizagem e que, neste sentido, os tra- balhadores com ocupações profissionais em que é necessária menor qua- lificação não só têm menores oportunidades para aprender, como o co- nhecimento acumulado torna-se relativamente indiferente na sua progressão futura, no tipo de recompensas a auferir ou no aumento da sua empregabilidade.

Neste sentido, é expectável que sejam os indivíduos na fase inicial e de estabelecimento e que pertençam a funções mais qualificadas a pro- curar maiores oportunidades de aprendizagem e a percepcionarem-se com maior autonomia e eficácia na aplicação das suas competências, pois são estes os que, cumulativamente, evidenciam maior motivação para aprender e possuem maiores oportunidades de desenvolvimento. Ao invés, e seguindo este mesmo raciocínio, podemos esperar que sejam os indivíduos em fases de desenvolvimento, de manutenção e de declínio a apresentar valores mais baixos de motivação face à aprendizagem e a percepcionarem-se como menos eficazes, uma vez que são estes os que se sentem menos motivados para aprender e possuem menores oportu- nidades para aplicar as suas competências.

Dado o aspecto determinante da ocupação profissional na definição do estatuto profissional e nas possibilidades de satisfazer as necessidades dos indivíduos, consideramos que são ainda os indivíduos nas fases de

desenvolvimento, de manutenção e de declínio com profissões mais qua- lificadas e que possuem maior responsabilidade que evidenciarão maiores motivações extrínsecas, nomeadamente necessidades de reconhecimento (Greenhaus, Callanan e Godshalk 2000), bem como maior satisfação com o trabalho. De facto, estes indivíduos possuem maiores recursos, quer materiais, quer de capital social, o que lhes permite uma melhor in- tegração com as suas famílias e comunidades. Do mesmo modo, e pelo tipo de intervenção e estatuto que alcançaram, sentirão maior necessidade de serem reconhecidos na sua profissão. Na realidade, diferentes estudos têm mostrado que as atitudes perante o trabalho, tais como a satisfação e o envolvimento com a organização, apresentam valores mais elevados à medida que a idade avança, mas que este efeito é particularmente pro- nunciado quando se analisam indivíduos com ocupações de estatuto mais elevado (Cleveland e Shore 1992; Riordan, Griffith e Weatherly 2003). Estas diferenças podem ser atribuídas à maior estabilidade e segu- rança dos trabalhadores mais velhos em ocupações com maior estatuto ou à maior facilidade com que os indivíduos destes grupos etários e pro- fissionais têm em cumprir as suas expectativas e perceber, assim, maior motivação (Barnes-Farrel e Matthews 2007).

Para obtermos suporte empírico para as linhas de argumentação que apresentámos anteriormente iremos utilizar os dados de indivíduos de di- ferentes países, aglutinando-os e tratando-os como uma única força de trabalho. Em paralelo, iremos analisar em que medida Portugal se distin- gue da generalidade dos países constantes desta amostra. A vantagem de utilizarmos a totalidade dos dados do ESS 2006 é a de conferir uma maior validade ecológica à realidade do mundo do trabalho (Delbridge e Whit- field 2007; Diemer 2008), bem como permitir-nos aceder a grupos que possam estar mais sub-representados (Diemer 2008), como pode ser o caso de jovens que exercem funções de gestão. Como estratégia de análise, pro- curámos, em primeiro lugar, analisar em que medida as perguntas relativas às motivações intrínsecas e extrínsecas presentes no ESS 2006, tal como à satisfação no trabalho, são estáveis e se distinguem entre si, efectuando, para tal, análises factoriais em componentes principais, seguidas da análise da fidelidade dos itens que compõem os factores encontrados. Seguida- mente, e à semelhança de estudos anteriores nesta área (Doering e Rhodes 1996; Bedeian et al. 1991), optámos por realizar análises multivariadas atra- vés de MANOVAs e utilizámos depois análises discriminantes para sa- lientar de que forma as medidas que seleccionámos se associam aos dife- rentes grupos etários e profissionais que iremos estudar.

Método

Amostra

Uma vez que este estudo pretende analisar em que medida as ocupações profissionais se articulam com as fases de desenvolvimento dos indivíduos, optámos por integrar na nossa amostra apenas os inquiridos que neste mo- mento possuíssem uma ocupação profissional, excluindo, assim, aqueles que ainda não entraram no mercado de trabalho, os que se encontram re- formados e também aqueles que afirmaram estar temporariamente sem trabalho, seja por se encontrarem no desemprego involuntariamente, seja por terem optado por não estar a trabalhar no momento em que o inqué- rito ESS 2006 foi conduzido (N = 31 739). A amostra que utilizámos neste capítulo aparece ainda mais reduzida pelo facto de alguns inquiridos não terem indicado qual a sua profissão (cerca de 11,9%).

A amostra final conta então com 27 955 inquiridos (47,3% do sexo fe- minino) dos 23 países em que o inquérito foi realizado, com idades com- preendidas entre os 15 anos e os 91 anos (M = 40,1; DP = 12,5). Os in- quiridos possuem, em média, 13,3 anos de escolaridade (DP = 3,5).