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Associações de risco entre os efeitos adversos à PQT e o desenvolvimento de reação

Figura 12. Curva de sobrevivência acumulativa para o surgimento das alterações neurossensoriais em paucibacilares e multibacilares. Alterações Neurossensoriais incluem: alteração do humor, confusão mental, cefaleia, insônia, alucinações, zumbido e tontura. Modelo de Cox

Figura 13. Curva de risco acumulativo para o desenvolvimento das alterações neurossensoriais em pacientes paucibacilares e multibacilares. Alterações Neurossensoriais incluem: alteração do humor, confusão mental, cefaleia, insônia, alucinações, zumbido e tontura. Modelo de Cox

A tabela 8 mostra as associações encontradas entre a evolução dos pacientes para episódios reacionais e efeitos adversos à PQT, com significância estatística pelo teste não- paramétrico do Q-quadrado.

Tabela 8. Análises de associação entre reação hansênica e eventos adversos à PQT.

Reação SIM

N = 73

NÃO N = 46

Eventos Adversos n (%) n (%) IC 95% Valor de

p*

RR**

Alteração do Paladar 27 (87,1) 4 (12,9) 1,59 – 11,37 0,001 4,25

Alterações Neurossensoriais*** 68 (66,7) 34 (33,3) 1,05 – 1,51 0,003 1,26

Ressecamento Ocular 40 (72,7) 15 (27,3) 1,06 – 2,67 0,018 1,68

* Teste de Qui-Quadrado; **RR: Risco relativo

***As Alterações Neurossensoriais incluem: alteração do humor, confusão mental, cefaleia, insônia, alucinações, zumbido e tontura.

As alterações neurossensoriais, como alteração do humor, confusão mental, cefaleia, insônia, alucinações, zumbido e tontura, quando agrupadas, representaram risco para o desenvolvimento de reação hansênica (66,7%; p= 0,003; IC 95% de 1,05 a 1,51; RR = 1,26).

Alteração do paladar (87,1%; p = 0,001; IC de 1,59 a 11,37; RR = 4,25) e ressecamento ocular (72,7%; p = 0,018; IC 95% de 1,06 a 2,67; RR = 1,68) também foram fatores de risco para a ocorrência de reação hansênica, com relevância estatística.

7. DISCUSSÃO

No presente estudo, a maioria das reações adversas estiveram relacionadas à clofazimina, sendo as alterações cutâneas, como a ictiose/ xerose (70,6%) e a pigmentação da pele (65,5%) as mais comuns. De fato, pele seca ou ictiósica ocorre em praticamente todos os doentes sob tratamento com a clofazimina, dependendo da dose utilizada e do tipo de pele (TALHARI; NEVES, 1997) e hiperpigmentação cutânea ocorre em 100% dos pacientes que tomam clofazimina (MAIA; CUNHA; CUNHA, 2013). Dada à pouca relevância clínica, alguns estudos não levaram em consideração os efeitos adversos cutâneos relacionados à clofazimina (DEPS et al., 2007; SINGH et al., 2011).

Após as alterações cutâneas associadas à clofazimina, a anemia (62,2%), relacionada à dapsona, foi a reação adversa mais frequente neste estudo. Esse achado está de acordo com a maioria dos estudos, onde a dapsona foi a droga mais relacionada à ocorrência de efeitos adversos relacionados à PQT em hanseníase (GOULART et al., 2002; DEPS et al., 2007; SINGH et al., 2011). Dentre as reações adversas causadas pela dapsona nesses estudos, destaca- se a anemia hemolítica e as alterações gastrointestinais (GOULART et al., 2002; SINGH et al., 2011)

No que diz respeito às reações adversas causadas pela rifampicina, excetuando-se a coloração da urina, que ocorreu em 100% dos indivíduos que usaram a medicação, o evento adverso mais comum, neste estudo, foi a síndrome pseudogripal (30,3%), considerada leve em todos os casos. Estudos semelhantes a este, que avaliaram as reações adversas relacionadas à PQT em hanseníase, mostram frequência de eventos adversos relacionados à rifampicina em torno de 3 a 6% (GOULART et al., 2002; DEPS et al., 2007; SINGH et al., 2011). Brasil et al. (1996), em estudo retrospectivo baseado em notificações de efeitos graves relatados no Estado de São Paulo, demonstraram que, dentre as 127 notificações de efeitos adversos no tratamento poliquimioterápico, a maioria deles ocorreu devido ao uso da rifampicina: 54 pacientes com síndrome pseudogripal, 20 pacientes com insuficiência renal aguda, 15 pacientes com reações cutâneas, 15 pacientes com hepatotoxicidade, 8 com queixas gastrointestinais, 6 com anemia hemolítica, 4 com metaemoglobinemia, 2 com púrpura trombocitopênica, 2 com hipotensão e 1 paciente com coagulação intravascular disseminada (CIVD) (BRASIL et al., 1996).

Neste estudo, a maioria dos eventos adversos laboratoriais foram classificados como leves; no entanto, ocorreram reações adversas graves e potencialmente letais, como 1caso de

anemia, 1 paciente com elevação de enzimas hepáticas e 2 casos de elevação de bilirrubinas. A dapsona foi a droga relacionada aos efeitos adversos mais graves, tendo havido troca do esquema em 13 pacientes (10,9%), todos relacionados à dapsona e em 1 dos pacientes também à rifampicina. Os eventos adversos relacionados à suspensão da dapsona foram a DRESS, hepatite medicamentosa, anemia hemolítica, erupção fotoalérgica, neutropenia, dermatite esfoliativa e dermatite alérgica. De maneira concordante, outros estudos mostram frequência de suspensão das drogas variando de 5,9% (SINGH et al., 2011) a 24,22% (DEPS et al., 2007), sendo a dapsona a droga mais frequentemente relacionada à mudança do esquema terapêutico. Os eventos adversos relacionados à suspensão da dapsona nesses estudos foram metaemoglobinemia, anemia hemolítica, leucopenia, alterações gastrointestinais, anormalidades hepáticas, desordens psiquiátricas, rash cutâneo e síndrome da dapsona (DEPS et al., 2007; SINGH et al., 2011).

No presente estudo, o evento adverso relacionado à rifampicina que demandou suspensão da droga foi insuficiência renal aguda em 1 paciente (0,8%), embora 7 pacientes tenham apresentado elevação das escórias nitrogenadas. Sabe-se que elevação nos níveis de uréia e ácido úrico podem ocorrer relacionados à rifampicina (OPROMOLLA, 1992; MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, Guia de vigilância epidemiológica, 2009). No entanto, insuficiência renal propriamente dita é pouco frequente, e pode surgir relacionada à anemia hemolítica, ao choque ou por necrose tubular aguda, nefrite intersticial ou necrose cortical. Porém, diversos casos de insuficiência renal, alguns deles graves, com êxito letal, têm sido atribuídos à rifampicina administrada mensalmente na dose supervisionada da PQT (OPROMOLLA, 1992). A frequência de suspensão da rifampicina varia nos estudos de 1,1% (SINGH et al., 2011) a 2,6% (DEPS et al., 2007). Os eventos adversos relacionados à mudança terapêutica pela rifampicina nesses estudos foram alterações hepáticas, reações de hipersensibilidade e leucopenia (DEPS et al., 2007; SINGH et al., 2011). A síndrome pseudogripal, neste estudo, foi leve em todos os pacientes, sem necessidade de suspensão da rifampicina, da mesma forma que os estudos de Deps et al. (2007) e Singh et al. (2011).

A clofazimina não demandou troca do esquema como causadora de eventos adversos, neste estudo, assim como no de Deps et al. (2007). De fato, a clofazimina tem, em geral, boa tolerabilidade quando administrada em doses menores que 100 mg diárias (BULA DA CLOFAZIMINA, 2014). De maneira similar, no estudo de Opromolla (1992), para os efeitos

adversos relacionados à clofazimina, a conduta mais utilizada foi a prescrição de sintomáticos (OPROMOLLA, 1992). No entanto, Singh et al. (2011) verificaram 1caso de hemorragia digestiva associada à clofazimina, demandando troca da medicação (SINGH et al., 2011).

Nos estudos de Gonçalves et al. (2012) e de Maia et al. (2013), não houve troca do esquema terapêutico por efeitos adversos a nenhuma das drogas do tratamento da hanseníase (GONÇALVES et al., 2012; MAIA; CUNHA; CUNHA, 2013).

Estudos acerca da ocorrência de hemólise e anemia induzidas pela dapsona sugerem que tais manifestações ocorrem principalmente na presença de altas doses da medicação (>100 mg/d) ou na deficiência de G6PD (GILL; TINGLE; PARK, 1995).

No presente estudo, nenhum dos pacientes que desenvolveram anemia hemolítica pela dapsona tinha deficiência de G6PD. Ademais, dos 2 pacientes com a deficiência da enzima, neste estudo, apenas 1 deles desenvolveu anemia (não-hemolítica); porém, devido ao fato dessa anemia ter sido assintomática, não foi necessário suspender a dapsona nesse paciente.

De modo semelhante, o estudo de Queiroz et al. (1997) encontrou 44% de frequência de anemia na ausência de deficiência de G6PD e em doses terapêuticas (100mg/d) de dapsona (QUEIROZ; SOUZA; MELCHIOR, 1997).

No presente estudo, metaemoglobinemia só foi encontrada em 1 paciente, que foi assintomático, com dosagem de metaemoglobina de 11,2%. Sabe-se que a metaemoglobinemia manifesta-se clinicamente como uma anemia funcional, com cianose periférica e central, que quase sempre ocorre quando a metaemoglobina encontra-se com níveis séricos de no mínimo 15% (ASHURST et al., 2010; TURNER; KARLIS; GLICKMAN, 2007).

No presente estudo, apenas 1 paciente desenvolveu neutropenia, classificada como moderada pela tabela da ACTG, sem infecção associada, sem necessidade de G-CSF, com melhora dos níveis séricos de neutrófilos alguns meses após a suspensão da droga. Agranulocitose associada à dapsona é uma condição rara, no entanto pode ser potencialmente fatal se ocorrer quadro de sepse (KOBE; SETOGUCHI; KITAMURA, 2011). É uma reação severa, imprevisível, idiossincrática, descrita em 0,2% a 0,4% dos pacientes tratados com dapsona. Suspensão da droga e tratamento precoce com antibióticos e fator estimulante de colônia de granulócitos (G-CSF) são fundamentais para a recuperação desses pacientes (RANAWAKA; MENDIS; WEERAKOON, 2008).

As alterações dermatológicas mais comuns relacionadas à dapsona são dermatite alérgica, urticária e exantema. Prurido, dermatite esfoliativa, fototoxicidade e lúpus eritematoso são menos frequentes (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, Guia de vigilância epidemiológica, 2009; BULA DA DAPSONA, 2014).

No presente estudo, observou-se dermatite esfoliativa em 1 paciente e dermatite alérgica em 1 paciente.

No que diz respeito à DRESS, é fundamental o diagnóstico precoce e suspensão da droga suspeita. O retardo pode estar associado a pior prognóstico (HUSAIN; REDDY; SCHWARTZ, 2013). Os 3 pacientes (2,5%) deste estudo que desenvolveram DRESS tiveram evolução favorável, com regressão completa do quadro, graças ao diagnóstico precoce e à devida suspensão da dapsona.

O estudo retrospectivo de Pandey et al. (2007), com pacientes que fizeram tratamento com PQT entre 1990 e 2006, também encontrou síndrome da dapsona em 2% dos pacientes, mas com mortalidade associada de 0,25% (PANDEY et al., 2007).

No presente estudo, encontrou-se erupção fotoalérgica relacionada à dapsona em 6 (5,0%) pacientes, porém somente em 1 deles houve necessidade de suspensão e substituição da droga. Sulfonamidas são sensibilizantes bem conhecidos para reações fotoalérgicas, sejam elas administradas por via tópica ou sistêmica. Poucos casos foram relatados na literatura acerca da fotossensibilidade causada pela dapsona (DIPANKAR; DOGRA; KAUR, 2007).

No que diz respeito às condutas expectantes, tais medidas, ainda que corretas, devem ser muito bem explicadas aos doentes, visto que muitos abandonam o tratamento em consequência da ausência de uma orientação e/ou de uma solução imediata à sintomatologia (GALLO; NERY; GARCIA, 1995).

Seguindo-se as normas do Ministério da Saúde do Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, Guia de vigilância epidemiológica, 2009; MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2010), dos 13 (10,9%) pacientes do presente estudo que tiveram de suspender uma ou mais medicações da PQT por conta de reações adversas, em 7 deles, a droga substituta foi a ofloxacin (indivíduos multibacilares com intolerância à dapsona), em 6, a clofazimina (indivíduos paucibacilares com intolerância à dapsona), e em apenas 1 paciente multibacilar, com intolerância à rifampicina, a droga substituta foi a minociclina. Nesse último caso, o tratamento foi prolongado para 24 meses. De modo semelhante, no estudo prospectivo de Singh

et al. (2011), esquema alternativo de acordo com as recomendações da OMS foi introduzido em 9 (11%) dos 79 pacientes que apresentaram efeitos adversos (SINGH et al., 2011).

No presente estudo, a maioria dos pacientes que necessitaram de troca do esquema, a mudança ocorreu nos três primeiros meses, denotando que a maioria dos efeitos adversos mais graves tendem a se manifestar no início do tratamento.

De fato, na maioria dos estudos, os efeitos indesejáveis foram observados principalmente nos primeiros meses (BRASIL et al., 1996; GOULART et al., 2002; SINGH et al., 2011), sugerindo que quem supera a fase inicial do tratamento sem maiores intercorrências tem uma maior probabilidade de concluí-lo (GOULART et al., 2002).

Dos 13 pacientes que necessitaram de troca do esquema terapêutico, apenas 1 deles não possuía nenhuma comorbidade, 12 tinham pelo menos 1 comorbidade e, dentre esses, 4 deles possuíam mais de 1 comorbidade, o que denota provável uso de outras medicações e sugere possível interação medicamentosa como influência nas reações adversas, especialmente nas mais graves. De fato, interações medicamentosas podem ser importantes em algumas reações adversas graves, como, por exemplo, a DRESS (BOHAN; MANSURI; WILSON, 2007).

No que diz respeito às associações de risco das reações adversas com parâmetros clínicos e epidemiológicos, observou-se que o sexo feminino apresentou, em relação aos homens, maior risco de desenvolver alterações gastrointestinais, relacionadas às três drogas da PQT e alterações neurossensoriais, relacionadas à dapsona, com significância estatística. Além disso, essas alterações ocorreram mais precocemente nas mulheres em relação aos homens. As mulheres também apresentaram maior risco estatisticamente significativo de manifestar prurido cutâneo relacionado à clofazimina. O sexo feminino também apresentou maior risco de desenvolver anemia, relacionada à dapsona. Como somente eram considerados os pacientes que não apresentavam anemia pré-tratamento e que desenvolveram essa alteração laboratorial no decorrer ou ao final do tratamento, infere-se que a influência do fluxo menstrual feminino não tenha tido influência no fato das mulheres terem apresentado maior risco de anemia em relação aos homens. Além disso, ressalta-se que 46,9% das mulheres que desenvolveram anemia tinham mais de 50 anos, portanto fora da faixa etária que apresenta fluxo menstrual, o que corrobora para o fato da anemia ter sido relacionada ao tratamento da hanseníase (no caso, à dapsona). Vale também ressaltar que, embora a maioria dos casos de anemia tenham sido classificados como leves pela tabela ACTG (Anexo 4) (ACTG, 2004), ocorreram casos

moderados a graves, todos em mulheres e esse dado foi estatisticamente significativo (p = 0,043). De modo similar, o estudo de Goulart et al. (2002) mostrou uma frequência de eventos adversos relacionados à dapsona de 56,3% das mulheres contra 35,8% dos homens (GOULART et al., 2002). Dupnik et al. (2001), em estudo retrospectivo, encontraram o sexo feminino com maior chance estatisticamente significativa de intolerância à PQT relacionada à anemia (DUPNIK et al., 2001). Em nosso estudo, a média de queda de Hb no total dos 119 pacientes estudados foi de 1,94 g/dl e verificou-se que 51 deles (42,9%) tiveram queda de Hb maior ou igual a 2 g/dl. Entre os pacientes que tiveram anemia, a média de queda de Hb foi de 2,35 g/dl.

No presente estudo, observou-se associação entre reações adversas e IMC, quando se avaliaram as faixas de peso agrupadamente. Os pacientes abaixo do peso e na faixa de peso normal pela classificação da OMS (WHO, BMI Classification, 2006c), quando agrupados, apresentaram risco estatisticamente significativo maior de desenvolver anemia hemolítica e elevação de bilirrubinas (alteração laboratorial diretamente relacionada à anemia hemolítica) em relação aos pacientes com sobrepeso ou obesos. No entanto, não houve diferenças no tempo de aparecimento dos eventos adversos entre esses grupos. Da mesma forma, Singh et al. (2011) encontraram relação estatisticamente significativa entre IMC e ocorrência de efeitos adversos (SINGH et al., 2011).

Em relação à faixa etária, alterações da função renal e erupção fotoalérgica somente ocorreram em pessoas com mais de 45 anos de idade, e esse achado foi estatisticamente significativo, demandando que se vigiem pacientes nessa faixa etária. No estudo de Goulart et al. (2002), verificou-seo predomínio de anemia hemolítica em pacientes tratados com idade superior a 35 anos e maior ocorrência de gastrite nos pacientes com idade acima de 54 anos (GOULART et al., 2002).

Neste estudo, verificou-se que a síndrome pseudogripal e alterações neurossensoriais, como insônia, cefaleia e oscilação do humor foram estatisticamente mais relacionados à faixa etária menor que 45 anos. Não se encontrou diferença no tempo do aparecimento dos eventos adversos entre as faixas etárias. Dupnik et al. (2001), em estudo retrospectivo, encontraram razões de chance significativamente maiores de intolerância às drogas da PQT por anemia em idade menor de 42anos (DUPNIK et al., 2001).

Esse achado está de acordo com o estudo de Goulart et al. (2002), no qual a ocorrência de efeitos colaterais concentrou-se na faixa etária da população economicamente ativa (15-54 anos), com 51 (75,9%) casos relativos à dapsona, 17 (77,3%) associados à clofazimina e 4

(57,1%) causados pela rifampicina. Esse dado é importante, na medida em que esses efeitos poderiam prejudicar o rendimento desses indivíduos em seus trabalhos e até mesmo incapacitá- los. A ausência do paciente em suas atividades profissionais, por motivos de efeitos adversos à PQT associados às consultas mensais e estados reacionais próprios da doença, pode ser considerada onerosa, gerando intolerância no meio patronal e acarretando demissões. Tais ocorrências constituem, portanto, um sério problema econômico e geram um imenso custo social (GOULART et al., 2002).

A maioria desses estudos não demonstraram influência estatisticamente significativa de variáveis como sexo e faixa etária dos pacientes no aparecimento de efeitos adversos à PQT, mas tão somente demonstraram diferenças nas frequências sem relevância estatística, ou foram estudos retrospectivos. O estudo atual é prospectivo e, além de descrever as frequências dos efeitos adversos, demonstra a influência do sexo feminino e de faixas etárias em algumas reações adversas, sugerindo uma possível influência do processo inflamatório associado aos efeitos adversos.

Essa hipótese encontra fundamento em estudos que demonstram que as mulheres possuem uma resposta celular e humoral mais intensa e efetiva frente a infecções em relação aos homens; entretanto, apresentam uma maior probabilidade de manifestar doenças autoimunes (ANSAR AHMED; PENHALE; TALAL, 1985; MARRIOTT; HUET-HUDSON, 2006).

No que diz respeito à associação das reações adversas com o esquema terapêutico utilizado, observou-se, no presente estudo, que trombocitopenia foi observada somente entre os indivíduos que se submeteram à PQT-MB, e esse dado apresentou significância estatística, sugerindo um possível papel da clofazimina na redução da contagem de plaquetas no sangue, seja através da interação com a rifampicina, uma vez que a trombocitopenia é uma reação adversa relacionada a essa droga, seja através de reação adversa própria da clofazimina ou por mecanismo autoimune.

De fato, embora Zuidema et al. (1986) tenha sugerido que a clofazimina não parece ter influência significativa nas concentrações plasmáticas e na excreção da dapsona (ZUIDEMA; HILBERS-MODDERMAN; MERKUS, 1986; QUEIROZ et al., 1997), o estudo de Gonçalves et al. (2002) sugere um possível papel da clofazimina no desenvolvimento das reações adversas pela dapsona. Esses autores, comparando efeitos adversos em dois grupos paucibacilares com

tratamento PQT-PB-padrão e PQT-MB-U (esquema unificado de 6 meses) respectivamente, e um grupo multibacilar com tratamento PQT-MB-U (esquema unificado de 6 meses), encontram como efeito adverso mais comum a anemia hemolítica, com significância estatística para o grupo paucibacilar submetido à PQT-MB-U sobre o grupo que recebeu PQT-PB-padrão, sugerindo um possível papel da clofazimina no desenvolvimento das reações adversas. Por outro lado, o estudo não demonstrou diferenças significativas no surgimento de anemia hemolítica entre os grupos paucibacilar e multibacilar que receberam a PQT-MB-U, denotando que a forma clínica de hanseníase não possuiu impacto no surgimento da anemia hemolítica ou de outros eventos adversos, sugerindo que, apesar das diferenças bacteriológicas, imunológicas, histopatológicas, clínicas e genéticas entre os grupos paucibacilar e multibacilar, não devam existir entre eles diferenças na farmacocinética da dapsona, rifampicina e clofazimina (GONÇALVES et al., 2012).

Reação hansênica também se associou a alguns efeitos adversos, porém são sintomas e sinais que podem ser decorrentes da própria reação hansênica, sendo nestes casos difícil de estabelecer uma verdadeira relação causal.

No presente estudo, não se encontrou associação entre irregularidade do tratamento e surgimento de eventos adversos, provavelmente devido ao fato de que, por se tratar de estudo prospectivo, procedeu-se à busca ativa dos pacientes. No entanto, em uma revisão sistemática acerca dos motivos relacionados à não-aderência ao tratamento da hanseníase revelou vários estudos que apontavam as reações adversas das drogas da PQT como uma das principais causas de tratamento incompleto (GIRÃO et al., 2013). O estudo de Kar et al. (2010), em estudo de coorte retrógrada, revelou que as reações adversas às drogas da PQT foram a segunda maior causa de irregularidade no tratamento (KAR; PAL; BHARATI, 2010). O estudo retrospectivo de Honrado et al. (2008) demonstrou que as reações adversas às drogas da PQT foram a principal causa da não-aderência ao tratamento (HONRADO et al., 2008).

De um modo geral, este estudo apresentou maior frequência de reações adversas às drogas da PQT do tratamento da hanseníase, em relação a outros estudos (GOULART et al., 2002; DEPS et al., 2007), possivelmente devido à existência de formulário especificamente criado para a investigação de reações adversas relacionadas às drogas da PQT.

8. CONCLUSÕES

1. Reações adversas ao tratamento da PQT foram comuns. As mais frequentes foram: cutâneas relacionadas à clofazimina, anemia e alterações neurossensoriais relacionadas à dapsona, e alterações gastrointestinais associadas às três drogas da PQT.

2. Embora a maioria dos eventos adversos laboratoriais tenham sido leves, 14 pacientes tiveram efeitos adversos moderados e 4 tiveram reações adversas graves ou potencialmente letais.

3. Os efeitos adversos graves observados foram a DRESS, anemia hemolítica, hepatite medicamentosa (pela dapsona) e insuficiência renal aguda (pela rifampicina).

4. A terapêutica foi substituída em 13 dos 119 pacientes, dos quais 12 tinham pelo menos 1 comorbidade, o que denota provável uso de outras medicações e sugere possível interação medicamentosa como influência nas reações adversas, especialmente nas mais graves. 5. A droga mais associada a mudanças no esquema terapêutico foi a dapsona. Tais mudanças

ocorreram predominantemente nos três primeiros meses de tratamento.

6. O sexo feminino apresentou maior risco de desenvolver alterações gastrointestinais, relacionadas às três drogas da PQT, alterações neurossensoriais e anemia, relacionadas à dapsona. As alterações neurossensoriais e gastrointestinais nas mulheres ocorreram mais precocemente em relação aos homens.

7. Todos os pacientes que tiveram anemia moderada a grave eram do sexo feminino.

8. Alterações da função renal e erupção fotoalérgica somente ocorreram em pessoas com mais de 45 anos de idade, demandando maior vigilância em pacientes nessa faixa etária. 9. Pacientes com menos de 45 anos tiveram maior risco de desenvolver a síndrome

pseudogripal e alterações neurossensoriais, o que pode sugerir um efeito da resposta imune nestas reações e, por serem economicamente ativos, repercutir no absenteísmo ao trabalho por parte desses indivíduos.

10. Pacientes abaixo do peso e na faixa de peso normal tiveram maior risco de anemia

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