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De modo específico, a literatura sobre o agronegócio indica que este setor econômico nacional estruturou-se em grandes complexos agroindustriais a partir de 1975. Tais complexos compreendem, assim, vários outros complexos que o tornam um espectro amplo e vinculado a indústrias fornecedoras, de beneficiamento e de distribuição, respectivamente no início e no final da cadeia agroindustrial (Kageyama et al., 1990).

Essa opinião corroborada por Alencar et al. (2001), apontando que a característica central na formação de um complexo agroindustrial é o processo de integração da agropecuária com outros ramos industriais, transformando-se em um elo de uma cadeia produtiva ladeada por indústrias de insumos, máquinas e equipamentos, e por outras indústrias de beneficiamento, industrialização e distribuição dos produtos agropecuários.

Pelo exposto, continuam Alencar et al. (2001), o setor da agropecuária não poderá ser analisado separadamente, sem que sejam formuladas vinculações com outros setores industriais complementares, como o ambiente externo, as políticas governamentais e a comunidade internacional.

A complexidade do setor agropecuário é potencializada nas afirmativas de Lamounier (1994), ao indicar a multiplicidade de atores e agentes atuantes, com interesses e poderes de intervenção diferenciados, incluindo-se o Estado, para a consecução dos seus objetivos e a submissão aos meios colocados pelo mercado.

Notadamente, entre o emaranhado de diversas empresas de portes organizacionais e de poder econômico difusos e de interesses antagônicos, incluem-se as pequenas unidades de produção agrícola, objeto do presente estudo. A questão central a ser defendida recai na busca de arranjos organizacionais de pequenos produtores rurais que possam, por sua vez, proteger essas unidades produtivas por meio de mecanismos de associação ou

associativismo e viabilizar vantagens competitivas em processos de negociação que reconheçam as suas reivindicações.

Para tanto, a seguir, serão apresentadas as explicações teóricas de Nassar (1998), Carvalho (2005a,b), Baiardi (1999), Fensterseifer & Vieira (2002) e Lins (2006) sobre estratégias associativistas dos pequenos produtores rurais.

A globalização, a abertura dos mercados internos e externos e a desregulamentação são características marcantes do atual cenário econômico do agronegócio no Brasil. Ainda, o processo produtivo é composto por agentes e atores heterogêneos com espectros de interesses diferenciados, em estágios de modernização e tecnificação diametralmente opostos, com capacidades mercadológicas e de capitalização diversas. Agregado a esses fatores, temos agentes e atores com capacidade efetiva e não efetiva de interferir em decisões econômicas e políticas públicas que possam beneficiar os seus interesses individuais ou coletivos.

Sendo assim, o novo ambiente institucional da agropecuária demanda um reposicionamento das organizações, em especial das pequenas unidades de produção ou dos pequenos produtores rurais, para um enfrentamento das demandas competitivas do mercado, em bases de relativa igualdade com as agroindústrias localizadas nos setores a montante e a jusante. A tese do presente item é demonstrar que mecanismos de associação ou associativismo entre os pequenos produtores rurais constituem uma estratégia empresarial plausível e permissível para que sejam atendidos os interesses individuais e coletivos em mercados competitivos.

Nassar (1998), apoiados nos referenciais teóricos de Olson (1965) sobre a lógica das ações coletivas, que abordam os fundamentos da motivação dos agentes em ações coletivas, e nos escritos de Coase (1937)21 sobre a Nova

Economia Institucional, que se fundamentam na não neutralidade das organizações e instituições na sua atuação em mercados, discutem as ações coletivas e o papel das associações na busca de interesses privados no agronegócio. Para estes autores, as ações das organizações nos complexos agropecuários são posicionadas em um contínuo entre cooperação e conflitos. Dependendo do nível de conflito, as ações poderão ser:

a) ações que beneficiam todo o coletivo, por acontecerem em situações

em que não existem conflitos, sendo fácil a aglutinação dos agentes; b) ações que beneficiam uma parte das organizações, mas que não

criam qualquer tipo de prejuízo para outros, também em situações não conflitantes ou

c) ações que beneficiam parte das organizações com prejuízos para os

demais, em situações de conflito existente. O espaço para a existência das associações de produtores rurais que privilegiem ações de cooperação é localizado nas duas primeiras tipologias, que constituem uma estratégia competitiva de atuação em mercados, opondo-se aos níveis predominantemente conflitantes de desorganização e de ações oportunistas.

Carvalho (2005b) faz uma intrigante associação entre relações cooperativas e relações competitivas, comparando produtores rurais e indústrias. O produtor de leite opera em um mercado com componentes de baixa barreira de entrada e saída, com um número significativo de produtores que não interferem e nem regulam preços, e com produtos sem diferenciação ou valor agregado. É um cenário de extremada competição, em que qualquer tecnologia e inovação agregadas ao processo produtivo difundem-se rapidamente e são incorporadas por outros produtores.

Tal configuração aponta para as seguintes alternativas:

a) o produtor tenta manejar os fatores de produção, numa alusão à

microeconômica clássica. Porém, nas relações dos produtores com as indústrias de laticínios, por exemplo, são submetidos ao poderio de negociação desses agentes, que almejam obter preços reduzidos da matéria-prima que, por sinal, apresenta baixo valor agregado; b) a regulamentação e as políticas de subsídios são excluídas das

pautas de discussão dos agentes públicos ou adotadas de forma incipiente e

c) criam-se arranjos organizacionais de associações ou cooperativas

que possam reter algum valor agregado para o produtor, sem que estes sejam transferidos para os elos subseqüentes da cadeia produtiva.

Salienta Carvalho (2005b) que o setor leiteiro é passível de incertezas decorrentes das constantes desconfianças entre fornecedores e compradores, das características culturais e nacionais pautadas no individualismo, de comportamentos oportunistas, da própria assimetria das informações, da imprevisibilidade dos preços, do elevado custo de transações pela pulverização geográfica dos produtores e pelo baixo desempenho produtivo, especificamente dos pequenos produtores. Por isso, tal setor necessita rever suas atitudes e procedimentos, avaliando mudanças, não só no relacionamento de produtores e indústria, mas na cadeia como um todo, como fator preponderante para o crescimento e desenvolvimento.

A inserção dos pequenos produtores rurais, de forma contundente e competitiva, nos fluxos de comercialização dos produtos agropecuários nos sistemas econômicos internacionais, nacionais e regionais, é abordada por

Baiardi (1999), na análise da agricultura familiar. Para tanto, novas formas organizacionais necessitam ser estruturadas a partir da criação de instituições e redes de cooperação. A justificativa é pautada na observação de que tal inserção não se dá exclusivamente pela individualidade de cada firma ou cada produtor, mas por meio de instituições e organizações coletivas de diferentes matizes, no âmbito da produção, armazenamento, transporte e exportação, com baixos custos de transação.

Baiardi (1999) exemplifica com os modelos adotados pela agricultura italiana, em que são definidos consórcios e alianças estratégicas interfirmas para a obtenção de condições vantajosas para os participantes. Tratam-se, aqui, de ações associativistas ou cooperativas, sem os entraves e riscos de uma cooperativa como ente de consolidação e finalizador das transações. Continua o autor dizendo que a adoção de redes organizacionais faz surgir o conceito de qualidade integral, diferente daquele de qualidade total, por ser objeto não de um único produtor, mas de um grupo de pequenos produtores.

À guisa de exemplificação de estudos sobre o associativismo como estratégia competitiva, mencionamos o trabalho de Fensterseifer & Vieira (2002), que pesquisaram opções estratégicas de três laticínios do Rio Grande do Sul, detentores das marcas Maribo, Camal e Elegê. A motivação básica dos autores é a constatação dos escassos estudos sobre o posicionamento estratégico das pequenas e médias empresas que atendem a um mercado local, vis-à-vis ao processo de globalização da oferta. Essas empresas, sobretudo as pequenas e médias, em geral, não possuem infra-estrutura e recursos suficientes para enfrentar a concorrência das transnacionais e da importação de produtos similares e substitutos aos produzidos no país.

As opções são classificadas como acordos de cooperação, cooperação orientada e redes de cooperação. Os acordos de cooperação objetivam o estabelecimento de relações colaborativas no desenvolvimento de produtos e

processos com intensiva participação das empresas, no que tange a capital, tecnologia e aprendizagem. A cooperação orientada visa à obtenção de vantagens competitivas relativas aos custos de produção e cumprimento de metas de comercialização. É utilizada para empresas que, mesmo com interesses difusos, não conseguem alcançar seus objetivos isoladamente e prima pela transparência das informações e metas. As redes de cooperação são estratégias colaborativas de compra e venda de produtos não regulados exclusivamente pelos preços, mas por ações de médio e longo prazos.

Em especial, dos três laticínios estudados, o que detém a marca Elegê adota ações que corroboram o poder do associativismo entre produtores rurais na obtenção de competitividade. O referido laticínio, entre outros, incentiva a formação de condomínios leiteiros para o aumento da escala produtiva. Concluem os autores que, pelos resultados obtidos, as diferentes formas de cooperação, verticais ou horizontais, apontam um caminho para empresas locais com dificuldades competitivas decorrentes da concentração de transnacionais nos setores agroindustriais ou varejistas.

Um outro exemplo peculiar é apresentado por Lins (2006) sobre a maricultura de moluscos em Santa Catarina. O estudo aborda o sistema agroalimentar localizado (SAL), entendido como uma rede de organizações de produção e serviços na cadeia agroalimentar composta de unidades agrícolas produtoras, agroindustriais, empresas de comercialização, microempresas e empresas de consumo (restaurantes, por exemplo), vinculada a um território determinado por suas características e funcionamento. Em tese, o SAL associa as questões dos clusters nas atividades produtivas como fator de desenvolvimento local e regional e pelas facilidades da proximidade dos agentes, estímulo das interações e as potencialidades técnicas da localidade. Também resgata aspectos de territorialidade, vetor central de ações coletivas e de aprendizagem organizacional, produto de fatores históricos, sociais e

culturais, de inter-relacionamentos e processos de desenvolvimento significativamente diferenciados, denominados de ativos específicos.

As redes organizacionais no SAL apresentam elos verticais e

horizontais. Os verticais correspondem a relações entre

produtores/beneficiadores com empresas fornecedoras de insumos e equipamentos, de um lado e de produtores/beneficiadores com comerciantes, distribuidores e consumidores finais, de outro. No relacionamento horizontal, são observadas exclusivamente as interações entre produtores/beneficiadores por meio de ações de associativismo e cooperativismo, como explicado por Lins (2006) na estruturação de cooperativas de beneficiamento dos mariscos. Tal procedimento se deu pela precariedade de infra-estrutura para o beneficiamento e a armazenagem dos produtores. Salienta-se que as carências possibilitaram o surgimento de “atravessadores” e intermediários que obtêm maiores ganhos que os produtores.

Por esses exemplos e pelos exemplos do condado de Lancaster Country, na Pennsylvania, EUA; da comunidade Menonita, do Paraguai; das atividades nas comunidades de Castro, Carambeí e Arapoti, no Paraná, e de outras em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o associativismo e a produção leiteira são lados da mesma moeda e caminham juntos (Carvalho, 2005a).