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1.3. ATENÇÃO BÁSICA E SAÚDE DA MULHER EM SALVADOR

1.3.2. Atenção Básica em Salvador

Tendo em vista a convergência de propósitos na perspectiva de implementar o SUS em Salvador e fortalecer a AB, o governo municipal, em conjunto com outros setores da sociedade soteropolitana, desenvolveram o Plano Municipal de Saúde (PMS) para o período de 2006/2009, aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde em 2006. Consta no PMS que “a Vigilância da Saúde e o Programa Saúde de Família (PSF) constituem eixos estruturantes da atenção à saúde no Município de Salvador.” 6

Não obstante, o Plano, coloca o direcionamento das suas ações para a transformação progressiva das Unidades Básicas de Saúde convencional para USF7, tornando-se hegemônicas na estruturação da rede básica em Salvador – realidade da USF Ipê8, que se tornou USF há dois anos.

Em Salvador, desde os anos 20009 até 2009, pode-se observar que a cobertura do modelo de atenção PSF aumentou de 1,2% para 11,1 %. Enquanto 28.831 pessoas eram cadastradas no PSF em 2000, no ano de 2009 o número de pessoas cadastradas foi para 333.47110, como ilustra a figura a seguir:

6 SALVADOR, SMS/Instituto de Saúde Coletiva-UFBA. Plano Municipal de Saúde 2006/2009.

Salvador, 2006, p. 14.

7 Ao buscar fontes sobre o processo de implantação do PSF em Salvador, como por exemplo, a data de

quando começou este processo, e o modo como este foi realizado, não foram encontrados estudos publicados.

8

Todos os nomes de instituições, de ruas, de localidades e de pessoas com quem interagi durante o processo de trabalho de campo são fictícios.

9 Data a partir da qual encontram-se dados numéricos no portal do DataSUS. 10 Disponível em: http://dab.saude.gov.br/atencaobasica.php

Fonte: DataSUS. Acessado em 28.02.2011.

Apesar destes dados retirados do DataSUS mostrarem uma discreta expansão do PSF em Salvador nos últimos anos, outros estudos revelam que esta não é a realidade prática. Marcelle Cardoso (2009), em seu trabalho de avaliação da cobertura da Atenção Básica em Salvador, verificou insuficiência das ações básicas em saúde no município. Segundo a autora, há pouca oferta de recursos humanos, problemas na gestão de carga horária de profissionais, distribuição territorial desigual na oferta e utilização dos serviços além da pequena expansão do PSF. Embora tenha ocorrido um incremento na cobertura de PSF durante os anos de 2004 a 2007 (dado visível na figura acima), a autora aponta ainda que este aumento fora insuficiente já que cobre apenas 13,7% da população do município.

Paralelamente, ao levantar os principais problemas do estado de saúde de grupos populacionais como mulheres adultas, idosos, crianças, homens, etc., o PMS identificou, para as mulheres adultas, os seguintes problemas: cárie e doença periodontal em gestantes, gravidez não planejada, aborto, DST, violência, câncer de mama e de útero. Para serviços oferecidos, mais problemas foram observados como, por exemplo, a oferta insuficiente de exames de rotina e complementares para a saúde da mulher; insatisfação da clientela, devido à deficiência dos serviços prestados (saúde da mulher); falta de humanização no pré-natal, parto e puerpério; falta de acompanhamento pós-parto.

Para além dos serviços de saúde, outros problemas da população foram apontados no PMS como: desigualdade socioeconômica para mulheres; agravamento da

vulnerabilidade social e conseqüente aumento da demanda por serviço de saúde; ausência dos homens nos serviços e desinteresse em saúde; entre outras.

Embora façamos referência, sobretudo, àquilo que se relaciona aos problemas que atingem a saúde das mulheres, o PMS também aborda necessidades de outros grupos populacionais específicos, como crianças, homens adultos e idosos. No entanto, mesmo as questões aqui evidenciadas, nos revelam que a dimensão dos problemas é enorme e as ações de enfrentamento requerem alto grau de complexidade, principalmente quando refletimos acerca dos desafios perenes na luta pela consolidação e melhora da AB.

Observa-se, através do PMS, que o municípioteve sua população estimada, no ano 2000, de 2.443.107 habitantes dentre os quais 53% são mulheres (1.150.288 hab.) e 47% homens (1.292.819 hab.). Salvador possui ainda, dentre suas características, um trágico índice de desigualdade: 20% da população mais rica da região metropolitana se apropriam de aproximadamente 70% da riqueza produzida, enquanto que os 20% mais pobres se apropriam de cerca de 1,5% dessa riqueza. Além desses índices, verifica-se ainda a desigualdade racial – os negros, mesmo sendo a maioria da população, são os que detêm menor proporção de renda e os piores beneficiados em serviços públicos básicos (dados retirados do PMS 2006/2009).

Segundo dados da PNAISM, as mulheres também são maioria da população Brasileira (50,77%). Além disso, são elas as maiores freqüentadoras dos serviços de saúde (BRASIL, 2004; SCHRAIBER, 2005; SCOTT, 2005). Podemos constatar tal fenômeno, tendo em vista o problema levantado no plano da pouca freqüência dos homens nestes espaços.

Outros elementos dessa problemática revelam que as mulheres merecem maior atenção, principalmente quando observamos as condições de vida em que se inserem. Segundo a PNAISM,

O relatório sobre a situação da População Mundial (2002) demonstra que o número de mulheres que vivem em situação de pobreza é superior ao de homens, que as mulheres trabalham durante mais horas do que os homens e que, pelo menos, metade do seu tempo é gasto em atividades não remuneradas, o que diminui o seu acesso aos bens sociais, inclusive aos serviços de saúde (BRASIL, 2004: 12).

Os altos índices de mortalidade materna no Brasil, ocorrências de câncer de colo do útero e da mama, confirmaram a importância que se deveria dar à saúde da mulher

(PNAB, 2006). Tanto é assim, que foram definidas ações para o enfrentamento destas questões, entre os gestores do SUS no Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, aprovados no ano de 2006. O PMS 2006/2009 levou em conta as diretrizes estabelecidas nos Pactos e incluiu a saúde da mulher dentre as ações prioritárias para a saúde.

Essas informações podem esclarecer como se estruturam os serviços de saúde na AB de Salvador, e em que sentido as ações de saúde estão supostamente direcionadas, principalmente no que toca à saúde das mulheres – foco desta investigação. Portanto, tendo em vista a prioridade dada à AB pelo PAISM, pela PNAISM, e pelo PMS 2006/2009, esta pesquisa fora realizada neste contexto, de modo a explorar questões que envolvem o processo de trabalho de uma Unidade básica de saúde da família – USF – do município.

Considerando as proposições do PAISM e da PNAISM, que apontam para a transformação da atenção a saúde das mulheres fundamentada na perspectiva de entender as mulheres como cidadãs e promover sua autonomia e compreendendo a relevância de um atendimento integral à saúde baseada na perspectiva de gênero, é que se torna de fundamental importância atentar para as práticas de atenção no serviço de saúde.

Se as práticas cotidianas revelam concepções de gênero, a observação etnográfica no serviço de saúde pode fornecer subsídios para compreender o modo como se processam estas práticas, diante da necessidade de reorientá-las sob a perspectiva de gênero. Posto que a AB seja o lócus privilegiado das ações propostas pelo PAISM e PNAISM, por conseguinte a observação aqui empregada situa-se neste contexto.

CAPÍTULO 2

O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO E A UNIDADE

DE SAÚDE DA FAMÍLIA IPÊ

O presente capítulo reúne a discussão metodológica com a análise empírica. Assim, trata do processo de investigação, desde sua formulação; detalha os aspectos metodológicos; descreve a entrada em campo; retrata os aspectos sócio-demográfico e físico do bairro; apresenta a Unidade de saúde, o seu quadro profissional. Por fim, é feito um retrato etnográfico da dinâmica do trabalho, sobretudo de uma das 4 equipes do PSF da Unidade.

Explicito, neste capítulo, que se trata de um bairro com uma população majoritariamente de baixa renda, populoso, repleto de barreiras geográficas – por ocupar a extensão de um morro – e imerso num contexto de crescente violência urbana, devido ao tráfico de drogas. Saliento que existe um volume da demanda que ultrapassa a capacidade de cobertura da Unidade, que chega a 30% da população, o que implica na restrição ao acesso à saúde da população e em sobrecarga dos profissionais de saúde.

Mostro, na descrição etnográfica do processo de trabalho da equipe, que se busca a horizontalidade, ao procurar estabelecer, nas relações internas da equipe, a valorização do diálogo, e a escuta nas relações externas, com as pessoas usuárias. Igualmente, apresento as dificuldades e limites dos processos de atendimento da equipe e das atividades educativas empregadas por ela.