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3.2.1. Os períodos do desenvolvimento infantil até os 7 anos

3.2.1.4 Atividade de estudo e ensino na infância

Para Vigotski (1996), a transição da idade pré-escolar à idade escolar é marcada pela

crise dos sete anos. Essa crise se caracteriza, segundo o autor, fundamentalmente pela ‘perda

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Elkonin (1987a) considera que os sistemas burgueses de educação não podem encontrar o verdadeiro lugar do jogo no desenvolvimento da criança, porque as qualidades que se educam nessa atividade, dentre elas o desenvolvimento dos aspectos criativos da personalidade, contradizem o sistema de relações sociais em que o indivíduo deverá atuar nessa sociedade. Para o autor, apenas no sistema socialista de educação o jogo pode ser explorado em todo o seu potencial educativo.

da espontaneidade infantil’56. A criança passa a ser capaz de julgar a si mesma e a valorar sua posição no contexto social. A partir desse período, pode-se dizer que as vivências da criança adquirem sentido.

Com a transição à idade escolar, segundo Elkonin (1987b), emerge como atividade principal da criança a atividade de estudo. Para o autor, a importância primordial da atividade de estudo consiste em que, por meio dela, se mediatiza todo o sistema de relações da criança com os adultos que a circundam. Logo, somos levados a concluir que, anteriormente a esse momento do desenvolvimento infantil, as relações da criança com os adultos têm caráter mais propriamente imediato.

Elkonin (1987b) não analisa pormenorizadamente a atividade de estudo, mas a define como aquela na qual transcorre a assimilação de novos conhecimentos, “(...) cuja direção constitui o objetivo fundamental do ensino” (p.119). Tal afirmação do autor sugere que a atividade de ensino poderia ser definida como aquela que tem como objetivo fundamental dirigir a atividade de estudo. Nesse sentido, sua pertinência na atuação pedagógica junto à faixa etária de 0 a 6 anos poderia ser questionada. Vale ressaltar que essa definição aproxima- se da diferenciação que encontramos no texto O desenvolvimento do psiquismo, de Leontiev (1978), como visto no segundo capítulo dessa dissertação, entre a simples imitação do meio, que caracterizaria o processo de ensino-aprendizagem na criança pequena e as formas de

educação e ensino escolares, mais complexas e especializadas.

Entretanto, uma importante constatação é que na perspectiva de Elkonin (1960a) a atividade de estudo não se inicia com a transição à idade escolar, mas já na idade pré-escolar, embora não figure ainda como atividade principal. Ao analisar – no texto Característica

general del desarrollo psiquico de los niños – as atividades produtivas que, ao lado do jogo,

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Deter-nos-emos mais demoradamente na análise da ‘perda da espontaneidade infantil’ no tópico dedicado à discussão da espontaneidade do pensamento e das ações da criança de 0 a 6 anos.

também fazem parte da idade pré-escolar – tais como desenho, construção, modelagem, etc. – Elkonin (1960b) afirma:

Dentro desses tipos de atividade, pela primeira vez se coloca a tarefa de aprender determinadas habilidades. Assim aparecem as premissas para sua aprendizagem. Na

segunda metade da idade pré-escolar se torna possível separar o ensino em classes especiais nas quais as crianças aprendam conhecimentos e habilidades que lhe são

acessíveis. Essas classes nas quais se coloca a tarefa de adquirir conhecimentos e habilidades são um grau preparatório para o ensino primário. Preparam as crianças para a escola. (p.515-6, grifo no original)

Nessa mesma direção, Leontiev (2001a), ao ilustrar a premissa de que a atividade principal é aquela na qual surgem e a partir da qual se diferenciam outros tipos de atividade, apresenta a seguinte afirmação a respeito da pertinência da ‘instrução’ na idade pré-escolar:

Por exemplo, a instrução, no sentido mais estreito do termo, que se desenvolve em

primeiro lugar já na infância pré-escolar, surge inicialmente no brinquedo, isto é,

precisamente na atividade principal deste estágio do desenvolvimento. A criança começa a aprender na brincadeira. (p.64, grifo nosso)

Assim, mesmo se definida como a atividade cujo objetivo fundamental consiste em dirigir a atividade de estudo, na perspectiva dos autores o ensino deve iniciar-se já antes da transição à idade escolar. Voltaremos, contudo, a refletir sobre a questão da definição da atividade de ensino.

A pertinência da atividade de estudo no trabalho pedagógico junto a crianças de seis anos é apontada por Davidov (1988), no contexto de sua análise das mudanças do sistema de ensino em seu país. O autor nos esclarece que a Reforma Escolar de 1984 antecipou, na Rússia, o início da escolaridade para os seis anos e não deixa dúvidas quanto à possibilidade de se introduzir a atividade de estudo na educação de crianças dessa faixa etária:

A organização da atividade de estudo das crianças de seis anos requer a elaboração

e a introdução de novas formas e meios para realizá-la. Ademais, opinamos que

esta atividade, de uma maneira ou de outra, deve começar a formar nas crianças as bases iniciais da consciência e o pensamento teóricos. (DAVIDOV, 1988, p.83, grifo no original)

Embora o autor não explicite quais seriam as novas formas e meios para realizar essa atividade, podemos inferir que, segundo sua perspectiva, a atividade de estudo teria como finalidade já nesse momento do desenvolvimento lançar as bases para o desenvolvimento do

pensamento teórico na criança. De acordo com Abrantes e Martins (2006), o conceito de

pensamento teórico em Davidov refere-se ao pensamento que opera sobre a base de conceitos, em oposição ao pensamento empírico, o qual se sustenta em representações gerais. Ainda segundo os autores, enquanto o pensamento empírico propicia o conhecimento imediato da realidade e se pauta pelos princípios da lógica formal, o pensamento teórico pauta-se pelos princípios da lógica dialética, buscando reproduzir o processo de transformação dos fenômenos e objetos, compreendendo-os em sua relação com a totalidade e abarcando aspectos que não podem ser imediatamente captados.

Ainda a respeito da antecipação do início da escolaridade para o sexto ano de vida, situação, semelhante à implementada no Brasil com a resolução que institui o Ensino Fundamental de 9 anos, Davidov (1988) considera que essa mudança lança uma série de questionamentos para os pesquisadores e profissionais que atuam junto a essa faixa etária:

Que novas particularidades psicológicas do período dado surgirão nas crianças de seis anos que ingressarem na escola, diferentes das que geraram nas crianças de sete anos essa mesma situação? Apresentar-se-á antes ou se conservará aos sete anos o período de virada? Do caráter que tenha a solução dessas e outras questões dependerá muito o trabalho dos professores, educadores e pais com as crianças de 6- 7 anos de idade. (p.91)

Destacamos que os questionamentos do autor reiteram o princípio histórico-cultural da dependência do processo de desenvolvimento psicológico em relação às condições de vida e educação da criança.

Por fim, ressaltamos que Elkonin (1960c) evidencia a importância do trabalho realizado na educação infantil na promoção do desenvolvimento da criança e de sua preparação para o ingresso na escola. O autor postula que na primeira época de estudo na escola, o trabalho do escolar depende em grande medida do grau de preparação com que chega a ela, o que, por sua vez, é determinado pela educação na primeira infância e na idade pré-escolar. Além disso, Elkonin (1960c) chama a atenção para os possíveis prejuízos que a

ausência de um trabalho pedagógico consistente e de qualidade na faixa etária anterior à idade escolar pode acarretar ao posterior desenvolvimento da criança:

Também se encontram crianças que, embora desde o princípio demonstrem uma atitude cuidadosa em relação ao estudo, não podem realizar as tarefas da escola

porque na idade pré-escolar não lhes haviam ensinado a fazer esforços mentais

(dados de Slavina). Essas crianças somente podem realizar trabalhos intelectuais se estão incluídos em uma tarefa prática ou em um jogo. Com freqüência, para resolver as tarefas, em vez de utilizar os meios que lhes ensina o professor, empregam métodos próprios, não verdadeiros: na leitura e no cálculo adivinham, procuram contar com os dedos sem que o professor perceba, fixam na memória o que é necessário compreender, copiam de seus companheiros, etc. A essas crianças não foi

ensinado a pensar, por isso não sabem e não gostam de fazê-lo; mas tudo o que não

exige um trabalho mental ativo realizam com cuidado, como as outras crianças, e adquirem com bastante facilidade alguns hábitos técnicos, como, por exemplo, a escrita. (p.524, grifos nossos).

As afirmativas de Davidov e Elkonin nos levam a duas conclusões. A primeira é que a educação da criança de 0 a 6 anos tem como uma de suas tarefas fundamentais ensinar a

pensar. Tal proposição sustenta-se na compreensão de que o pensamento não se desenvolve

natural ou espontaneamente na criança, como resultado da maturação orgânica, mas como resultado do processo educativo. Fica evidente, ainda, que uma educação meramente calcada no prazer, que não exija da criança pequena ‘esforços mentais’, não apenas desconsidera as futuras exigências que se colocarão para a criança na escola como pode retardar as aprendizagens escolares, por não ter garantido, no processo de desenvolvimento infantil, suas premissas.

A segunda conclusão refere-se à vinculação mais estreita que deveria existir entre a educação pré-escolar e a séries iniciais do Ensino Fundamental. Resgatando a hipótese de Elkonin (1987b) acerca da relação entre os períodos e as épocas do desenvolvimento infantil, segundo a qual a idade pré-escolar e a idade escolar compõem uma mesma época do desenvolvimento, temos que:

De acordo com as exigências que se depreendem dessa hipótese, ali onde no sistema atual se observa uma ruptura (instituição pré-escolar – escola) deve existir uma vinculação mais orgânica. Por outro lado, ali onde existe hoje uma continuidade (graus primários – graus médios) deve haver uma passagem a um novo sistema educativo e de ensino. (p.124).

Fica evidente, assim, que a idade pré-escolar e a primeira idade escolar apresentam importantes vinculações que merecem ser exploradas pelos pesquisadores, movimento que não se tem observado na literatura da área. Na busca pela especificidade do trabalho pedagógico junto à criança de 0 a 6 anos, que inclui a negação da identidade da educação infantil como segmento voltado para a preparação para a escola, tem-se incorrido, muitas vezes – como evidenciado no primeiro capítulo dessa dissertação – no rompimento dos vínculos entre essas fases do desenvolvimento.