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3.2.1. Os períodos do desenvolvimento infantil até os 7 anos

3.2.1.1. A primeira infância

Baseado em pesquisas realizadas por Lisina e colaboradores, Elkonin (1987b) afirma que a comunicação emocional direta é a atividade principal da criança no primeiro ano de vida. Em seu interior e a partir dela, tomam forma as ações sensório-motoras, de orientação e manipulação.

Para Vigotski (1996), a situação social do bebê no primeiro ano de vida caracteriza-se pela contradição entre, por um lado, sua máxima sociabilidade – pois em função de sua completa dependência dos adultos, toda a relação do bebê com a realidade circundante é socialmente mediada48; e por outro, suas mínimas possibilidades de comunicação – visto que ainda carece dos meios fundamentais de comunicação humana. Segundo Vigotski (1996), a comunicação no primeiro ano de vida, “ao invés de uma comunicação baseada no entendimento mútuo, trata-se de manifestações emocionais, de transferência de afetos, de reações positivas ou negativas” (p.304). Nesse período, para o autor, o afeto é o processo central responsável pela unidade entre as funções sensoriais e motoras; vale ressaltar,

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Vigotski (1996) procura contrapor-se, com tal afirmação, à concepção de que o bebê é a princípio um ser a-social ou pré- social, imerso em sua própria subjetividade, que vai gradativamente socializando-se, concepção essa presente em diversas teorias psicológicas – como por exemplo na noção de autismo do bebê de Piaget ou do narcisismo do bebê de Freud.

ademais, que nessa etapa do desenvolvimento infantil, não se verificam ainda ações dirigidas a um fim (VYGOTSKI, 1996).

Sendo a comunicação emocional direta a atividade principal da criança nesse período de seu desenvolvimento, o déficit de comunicação emocional exerce uma influência decisiva no desenvolvimento psíquico (ELKONIN, 1987b).

A respeito do papel do adulto/ educador nessa fase do desenvolvimento, Elkonin (1960a) afirma:

Neste período todas as aquisições da criança aparecem sob a influência imediata dos

adultos, que não somente satisfazem todas as suas necessidades, mas organizam

também seu contato variado com a realidade, sua orientação nela e as ações com os objetos. O adulto leva à criança distintas coisas para que as contemple, movimenta junto com ela o chocalho, coloca em suas mãos os primeiros objetos para que os segure; a criança aprende a sentar-se com ajuda do adulto, o adulto a sustenta em suas primeiras tentativas de colocar-se em pé e andar, etc. (p.507)

Lima (2001), em estudo dedicado à investigação do papel do professor na educação da criança de 0 a 3 anos em uma perspectiva histórico-cultural, apoiada em autores como Leontiev, Mukhina, Venger, Vigotski, Talízina, entre outros, aponta alguns objetivos pedagógicos do trabalho educativo no primeiro ano de vida:

No primeiro ano, a aprendizagem realiza-se com a ajuda direta do educador. (...) Nessa etapa do desenvolvimento infantil, toda a influência do educador sobre a criança realiza-se através de palavras e gestos. Além disso, o tempo livre deve ser utilizado para o estabelecimento da comunicação adulto-criança, a imitação e a compreensão da linguagem do adulto. Isso significa que o tempo livre é propício para ensinar a criança a movimentar-se, a agir com objetos e a estabelecer relação ativa com o meio circundante.

Em síntese, o trabalho educativo, nessa etapa, deve ter como meta organizar a rotina de sono; desenvolver a compreensão da linguagem e a comunicação; aperfeiçoar os movimentos de mudança de posição (sentar, acostar, levantar, apoiar-se); desenvolver, ainda, a habilidade do caminhar, primeiro com apoio, depois, independentemente e complexificar as ações com objetos (p.138).

Posteriormente, a criança passa a um período em que figura como atividade principal a

atividade objetal manipulatória, ou seja, passa às ações propriamente objetais, iniciando-se

no domínio dos procedimentos socialmente elaborados de ações com tais objetos. Verifica-se, nesse período, um ativo domínio das operações objetais-instrumentais e o desenvolvimento da chamada inteligência prática. Vale ressaltar que o domínio dessas ações é impossível sem a participação dos adultos, que as mostram para a criança e as realizam juntamente com ela.

Conforme Elkonin (1987b), o adulto constitui, dessa forma, o elemento mais importante da situação objetal, mas pode-se dizer que permanece ‘oculto’ pelo objeto e por suas propriedades, na medida em que a criança ocupa-se fundamentalmente com o objeto e sua ação com ele.

Um elemento fundamental desse período do desenvolvimento é o surgimento das formas verbais de comunicação da criança com os adultos. Contudo, “(...) o intenso desenvolvimento da linguagem, como meio para organizar a colaboração com os adultos, não contradiz a tese de que a atividade principal nesse período é a atividade objetal (...)” (ELKONIN, 1987a, p. 118) Segundo Elkonin (1987b), a análise dos contatos verbais da criança demonstra que a linguagem é utilizada por ela essencialmente no contato prático entre adulto e criança, isto é, para organizar a colaboração com os adultos no interior da atividade objetal conjunta. Dessa forma, a comunicação emocional direta com o adulto passa, portanto, a um segundo plano, e ganha destaque a colaboração prática. Assim, verifica-se que, se por um lado, a linguagem atua como meio para organizar a comunicação com o adulto, por outro, a comunicação mesma está mediada pelas ações objetais da criança.

Vygotski (1996) destaca o papel do adulto no desenvolvimento da linguagem na primeira infância. O autor afirma que a linguagem infantil deve sua origem às relações da criança com os adultos e que “são eles [os adultos] que impulsionam a criança a uma nova via de generalização, ao domínio da linguagem” (p.356-7).

Segundo Vigotski (1996), o desenvolvimento da percepção e da linguagem estão estreitamente vinculados entre si nesse período do desenvolvimento. A princípio, a criança é inteiramente dependente do campo visual-direto; percepção e afeto estão intimamente vinculados e há uma unidade entre a percepção afetiva e a ação – cada percepção da criança é seguida por uma ação. O que caracteriza a situação social da criança, de acordo com Vigotski, é a dependência da situação. Leontiev (1987) afirma, nessa direção, que “(...) a criança que

ainda não alcançou a idade pré-escolar, se encontra como se estivesse em poder das impressões externas.” (p.59).

Com o desenvolvimento da linguagem, modifica-se a estrutura da percepção: a percepção sem palavras vai sendo paulatinamente substituída pela percepção verbal, dotada de sentido, isto é, vai-se convertendo em percepção generalizada. Em outras palavras, com o surgimento das generalizações no campo da linguagem, a criança passa a perceber os objetos no interior de um todo que possui, para além de suas propriedades físicas, um determinado sentido social.

Na primeira infância, pela primeira vez, na análise de Vygotski (1996), é possível identificar na conduta da criança a compreensão verbal dos objetos e de sua própria conduta: “(...) creio que a primeira infância é, justamente, a etapa na qual surge a estrutura semântica e sistêmica da consciência, quando surge a consciência histórica do ser humano existente para outros e, por conseqüência, para a própria criança” (p.366).

De acordo com Lima (2001), o trabalho do professor junto a essa faixa etária deve visar:

(...) desenvolver os movimentos; formar hábitos simples de auto-serviço; ensinar o uso de objetos domésticos e brinquedos, de acordo com suas propriedades e funções; estimular a imitação, contributo para o jogo de papéis; desenvolver a linguagem oral e a necessidade de comunicação; aperfeiçoar a percepção visual, auditiva e tátil; educar a atenção e o cumprimento das exigências sociais (regras de conduta mais elementares); desenvolver também as formas iniciais de memória e de pensamento e as bases para a imaginação. (...) a tarefa educativa é possibilitar ações de aprendizagem com o uso de objetos, demonstrar o uso desses materiais e incentivar a comunicação oral e emotiva, através de conversas, contatos e demonstrações de modos de ação cada vez mais complexos. Além disso, o adulto deverá agir intencionalmente na seleção e proposição de situações de aprendizagem e como modelo de ações e de atitudes, indicando, mostrando e fornecendo objetos diversificados para o tateio infantil Por isso, é preciso enriquecer a experiência para que a criança possa aperfeiçoar qualitativamente a atividade psíquica. (p.138-9)