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ASPECTO OBSERVADO OC %

5.2 A OBSERVAÇÃO DAS AULAS

5.2.2 Atividade 2: Music preferences (ANEXO B)

As professoras Maria, Marisa, Marina e Janaina apresentam aos alunos trechos de canções dos seguintes estilos musicais: Pagode, Música Techno, Rock, Forró, Funk, Música Clássica, Arrocha27, Pop e Hip Hop. Os alunos devem numerá-los, de acordo com a ordem em que os

escutam. Em seguida, devem responder uma série de perguntas acerca do tema. Por fim, há uma tabela com alguns personagens e suas preferências musicais. Os alunos devem consultá-la e escrever sentenças sobre a preferência dos personagens.

A atividade trazida pelas professoras oportuniza diversas possibilidades de interação e favorece a discussão de aspectos culturais. Elas apresentam uma grande variedade de estilos musicais, alguns estilos genuinamente brasileiros, como o Forró, o Pagode e o Arrocha, e outros mais universais, como a Música Clássica e a Tecno, o Pop e o Rock. Há ainda um estilo fortemente ligado à cultura alvo, especialmente à cultura estadunidense, o Hip Hop, e outro que, após chegar ao Brasil, sofreu um processo de adaptação, o Funk. Além disso, os estilos apresentados percorrem uma escala que vai do mais erudito ao mais popular.

A opção dessas professoras por uma atividade que contemple diferentes estilos musicais está em consonância com o pensamento defendido à luz de vários autores nesta pesquisa, de que trabalhar com cultura significa trabalhar com o diferente, com a variedade. Nesse caso, as professoras acertam ao trazer exemplos da cultura de origem, com as quais os alunos se identificam, embora não necessariamente tenham apreço pelos estilos apresentados, e podem estabelecer comparações com os estilos mais relacionados à cultura alvo. Além disso, pela forma como foi conduzida a atividade, os alunos podem se manifestar livremente acerca, inclusive, de outros estilos não listados na atividade, o que favorece as discussões e as interações culturais. Contudo, esse encontro jamais pode ser tratado de forma neutra. Pelo contrário, ele deve ser gerador de constantes tensões e conflitos, típicos do encontro entre culturas distintas. Dentro dessa perspectiva, é possível apontar algumas lacunas na abordagem das professoras.

27 O Arrocha é um estilo musical originário da cidade de Candeias, na Bahia. Derivado da Seresta. Sofre influências do estilo romântico e da chamada Música Brega, o que se reflete na dança de mesmo nome.

6) Ao tocar um trecho de Forró, os alunos ficam em dúvida sobre qual estilo se refere. Um aluno sugere que seja Forró, e Maria afirma que se trata de um Forró diferente. Outro aluno diz parecer Tecnobrega. Maria afirma desconhecer o que é Tecnobrega, e os alunos discorrem sobre o estilo: um deles afirma que vem do Pará; outro, diz: "É tipo Gaby Amarantos, professora". A atividade prosseguiu;

7) Ao apresentar um trecho de Arrocha, os alunos ficam agitados e pedem que Marisa deixe a canção tocar até o final. Um aluno começa a dançar discretamente, sentado em sua carteira. Quando o vocal da canção inicia, um aluno lamenta: "Devia ser em inglês"! No primeiro excerto, surge, espontaneamente, um estilo musical não previsto pela professora: o Tecnobrega. Trata-se de um estilo musical originário do estado do Pará, e que ganhou certa projeção nacional no último ano, principalmente devido ao seu maior expoente, Gaby Amarantos. Seu nome vem da junção de dois outros estilos: o Tecno e o estilo conhecido como Brega, este último de natureza subjetiva. Ao perceber que os alunos estão em dúvida acerca do estilo, a professora provoca os alunos para que estes expressem melhor suas dúvidas, o que resulta no enunciado do estilo não previsto na atividade.

No segundo excerto, a exibição de um estilo musical relacionado à cultura local, o Arrocha, outro estilo musical comumente referido como Brega, provoca no aluno uma reação interessante: este lamenta o fato dele não ser cantado em inglês, o que demonstra o acerto, por parte das professoras, das opções feitas com a atividade.

Apesar de a atividade ter sido bem conduzida, provocando reações e interações entre os alunos e entre estes e as professoras acerca de um aspecto visível da cultura, penso que ela não atingiu completamente seu objetivo. Em ambos os casos, caberia uma reflexão acerca do conceito de música Brega, visando à identificação e a compreensão de possíveis preconceitos acerca do tema. Da mesma forma, seria salutar uma discussão sobre a existência de um amálgama entre dois estilos aparentemente tão diferentes, inclusive em sua origem. Estaria havendo uma "invasão" da cultura estrangeira em nosso país? Esse processo, exemplificado pela sugestão de que um estilo musical brasileiro fosse cantado em inglês, descaracteriza, de alguma forma, a nossa cultura? Por outro lado, na sociedade globalizada atual, onde o próprio conceito de cultura nacional homogênea está em profundo processo de redefinição (BHABHA, 1998), essa mistura seria bem vinda? São questões que poderiam ser discutidas e refletidas, e que poderiam levar o aluno a uma melhor compreensão de sua própria cultura e da cultura alvo,

afinal, como pontua Kramsch (1993), essas tensões ocorrem porque, no fundo, o que buscamos é a construção de significados.

8) Ao tocar um trecho de Funk, Marina pergunta, brincando, se os alunos gostariam de dançar o "quadradinho de oito28". Os alunos riem;

9) Marina quer saber a diferença na forma de dançar o Arrocha e o Pagode baiano. Os alunos tentam explicar. Para um deles, "a técnica do Pagode é diferente da técnica do Arrocha". Os demais gargalham com uso do termo técnica relacionado ao Pagode. O aluno explica que, para dançar Arrocha, é preciso colocar o corpo em uma determinada posição – ele se levanta para demonstrar – mexendo o joelho e o quadril. Por outro lado, para dançar Pagode, "você mexe a bunda". Outro aluno compara o Arrocha com o Forró. Segundo ele, Arrocha é um Forró "mais solto". Seu colega discorda, e afirma que Arrocha é a mesma coisa que Pagode, porém sem ser agressivo. Outro colega diz que, mais que agressivo, o Pagode é vulgar. Ele defende que, no Pagode, a imagem da mulher é tratada de forma vulgarizada (alguns alunos aplaudem o comentário do colega). Pagode, para esse aluno, se equipara ao Funk;

Os excertos oito e nove tratam, direta ou indiretamente, de questões relativas à sexualidade. A professora e os alunos descrevem as diferenças na forma de dançar de estilos musicais como o Pagode, o Arrocha e o Funk, e novas formas de dança-los, tais como o quadradinho de oito, são trazidas ao debate. A professora provoca a discussão em diversos momentos, e os alunos se posicionam, alguns de forma bastante crítica. Embora tenha conduzido a atividade de forma satisfatória, acredito que a professora poderia ter ido ainda mais fundo nas discussões, com a inclusão de questões relacionadas à idade, gênero, histórico familiar, experiência de vida ou ambiente socioeconômico, como sugere Kramsch (1993), que poderiam ajudar a compreender o fenômeno da erotização crescente de determinados estilos musicais.

Além disso, discussões relativas à cultura devem ser estendidas à cultura alvo. Destarte, ao comparar as diferentes culturas, o aluno amplia sua visão de mundo, podendo tornar-se, consequentemente, um indivíduo mais crítico e mais reflexivo (BENNETT, 1998; KRAMSCH, 1993, 2001; TRIFONOVITCH, 1980). Alguns exemplos de questões que poderiam ter sido

28 Trata-se de uma forma erotizada de dançar o Funk feito no Brasil. A dança consiste em levantar as pernas para o ar e fazer movimentos em forma de quadrado com as nádegas – as quais, juntas, formariam um oito.

abordadas para serem discutidas com os alunos são: Há um fenômeno de erotização semelhante nas músicas da cultura alvo? Como a mulher é tratada nas canções em inglês que vocês conhecem?

10) Janaina quer saber quais estilos de música os alunos gostam ou odeiam, conforme a atividade proposta. Um aluno diz gostar de Tecnopagode. Janaina não se manifesta. Outro afirma odiar "dramatic Pagode". Janaina se surpreende e pergunta o que é

dramatic Pagode. O aluno explica que é o Pagode feito em São Paulo. Um quarto

aluno diz que odeia Funk. Janaina brinca, perguntando-lhe se não gosta do "quadradinho de oito".

O décimo excerto traz elementos bastante semelhantes aos anteriores. Há uma menção a um amálgama de estilos – aqui é o Tecnopagode que surge – e à erotização da música. Há, também, uma breve descrição de uma subcategoria de um estilo musical – o Pagode produzido no estado de São Paulo, referido pelo aluno como "dramático". Esta colocação do aluno me remete mais uma vez à Kramsch (1998), quando esta se refere à relação entre língua e cultura, mais precisamente à ideia de que a língua expressa, incorpora e simboliza realidades culturais. Nesse exemplo, o aluno utilizou uma categoria não existente, inclusive na língua portuguesa, para expressar seu sentimento acerca daquele estilo musical.

11) Os alunos interagem entre si buscando descobrir suas preferências musicais, enquanto Marisa observa e auxilia, quando necessário. Ao ser questionado por um colega sobre música Pop, um aluno afirma odiá-la. Surpresa, Marisa questiona o aluno se ele realmente odeia música Pop. Em seguida, pede que o primeiro aluno repita a pergunta. O aluno então modifica sua resposta: "I like it" (Eu gosto);

12) Um aluno não sabe como responder a um item do exercício, o qual pede para que ele cite seu cantor favorito, pois ele não tem um. Marisa sugere que ele escreva Michael Jackson;

13) Maria pergunta aos alunos se eles preferem canções em português ou em inglês. Os alunos se mostram divididos. Um aluno afirma preferir canções em inglês pelo simples fato de ser em inglês. Outros comparam alguns artistas brasileiros com estrangeiros, considerando estes melhores que aqueles, e Maria diz que eles não precisam comparar, pois são muito diferentes: "Caetano Veloso e Chico Buarque,

para mim, são diferentes de Frank Sinatra". Uma aluna diz que a música americana é mais bonita e afirma, categoricamente: "É inglês"!;

14) Maria afirma ser muito eclética. Ela diz gostar até mesmo de Arrocha, nos momentos em que faz faxina em casa;

15) Durante a execução da atividade, um aluno chama a atenção para o fato de que nenhum dos personagens gosta de Pagode. Marina brinca, afirmando que isso ocorre porque as professoras que criaram a atividade jamais pensariam que alguém pudesse gostar de Pagode. Outro aluno percebe e comenta que nenhum gosta de Arrocha também;