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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 CULTURA E ENSINO DE LÍNGUA INGLESA

2.4.2 Barreiras à percepção cultural

Trifonovitch (1980) aponta a existência de quatro barreiras à percepção cultural. Mais do que barreiras, eu chamaria de conflitos de interesses que dificultam a percepção cultural. Segundo ele, a primeira dessas barreiras, ou conflitos, que já foi discutida aqui, advém da dificuldade de se conceituar cultura. Geertz (2008) afirma que o campo da cultura vem se desenvolvendo sob a máxima do "procure a complexidade e ordene-a" (GEERTZ, 2008, p. 25). Ao traçar um paralelo com a visão iluminista de que o homem e a Natureza formavam uma só peça, organizada, simples e invariante, o autor afirma que o desenvolvimento de uma concepção de cultura passava pela substituição dessa visão clara da relação entre homem e Natureza por outra mais complexa. Na busca por esta concepção mais intricada de cultura, ou seja, ao investigar a complexidade, os antropólogos a encontraram, porém "numa escala muito mais grandiosa do que jamais imaginaram" (GEERTZ, 2008, p.25), tornando difícil o seu ordenamento, e impossibilitando, até hoje, a existência de um consenso em torno do tema.

Outro obstáculo apontado é a natureza afetiva do aprendizado de uma cultura. Nós adquirimos os valores de nossa cultura e aprendemos a nos posicionar de acordo com os padrões de comportamento que fazem parte de nossa realidade cultural, mas não aprendemos como esses valores e padrões se estruturam. Pior, apenas quando somos confrontados com outras realidades culturais e temos a oportunidade de refletir sobre essas questões, percebemos como são relativas às nossas referências. Penso que um exemplo disso, em nossa cultura, seja o hábito dos filhos não saírem de casa antes de concluírem os estudos, sobretudo nas grandes e médias cidades. Em muitos casos, essa saída se dá apenas após certa independência financeira, quando então estão aptos a se sustentar sozinhos ou a construir uma relação com outra pessoa. Os jovens estadunidenses, ao contrário, são incentivados a sair de casa desde cedo, entre 16 e 17 anos, quando ingressam nas universidades. Por conseguinte, eles deixam suas casas e passam a viver nos campi, convivendo com pessoas de diversas regiões do país.

O terceiro conflito apontado pelo autor é o etnocentrismo, definido como "a crença de que a própria cultura é a melhor e sua interpretação do mundo da realidade é a mais confiável

e verdadeira20" (TRIFONOVITCH, 1980, p.551). É importante não confundir etnocentrismo

com o orgulho que sentimos de nossa cultura. Choques culturais são inevitáveis quando somos confrontados com indivíduos ou situações relativas a outra cultura, e é comum que, em um primeiro momento, o estranhamento com o diferente nos faça pensar nossa cultura como mais, ou às vezes menos, refinada. Entretanto, o diferente deve ser visto apenas como tal: diferente, no sentido de distinto, nunca de estranho.

Um exemplo ilustrativo dessa reflexão vem de uma experiência pessoal, já citada anteriormente. Em uma viagem ao México, em 2006, estive na cidade de Oaxaca, capital do Estado de mesmo nome, onde fui apresentado ao Chapolin, uma espécie de grilo, minúsculo, que é vendido tostado em praticamente cada esquina e é motivo de orgulho para os habitantes daquela cidade. Passado o primeiro momento de repulsa, não só pelo inseto, mas pelo hábito cultural de comê-lo, passei a refletir sobre a sua importância para a cultura oaxaquenha. Ao traçar um paralelo com a minha cultura, pude perceber que o Chapolin, enquanto alimento e representação de identidade cultural, tem a mesma importância e o mesmo significado que o acarajé, para os baianos. Não os comi, pela persistente sensação de nojo. Mas o nojo agora era apenas pelo alimento em si, não mais pelas hordas de pessoas que cruzavam meu caminho consumindo a iguaria. Menos ainda pelo hábito cultural de comê-los.

Ainda sob a ótica da gradação, penso que o sentimento oposto ao etnocentrismo, ou seja, a visão de descrédito, inferioridade ou desvalorização de nossa cultura também representa uma barreira à percepção cultural. Nos anos em que ensinei em centros de idiomas, não raro, as justificativas apresentadas pelos alunos para estarem estudando a língua Inglesa eram o desejo de compreender os filmes e as canções sem a necessidade de tradução ou a oportunidade de entrar em contato com uma cultura "mais desenvolvida".

Acredito que a supervalorização das culturas americana e britânica seja uma expressão bem visível da potência econômica destes países, representada aqui pela indústria cultural – não apenas a música e o cinema, mas a literatura, a mídia, internet, etc. – aliada ao pouco aprofundamento do contato com essas culturas. A febre dos livros-que-viraram-filmes-que-

inspiraram-séries-de-TV, como os vários vampiros românticos, ou a saga de Harry Potter, por

exemplo, ilustram bem este pensamento. Por isso, penso que uma maior aproximação com os aspectos culturais desses povos - realizada de forma mais abrangente, envolvendo não apenas

20 Minha tradução livre para: "the belief that one's own culture is the best and that his interpretation of the world of reality is the most reliable and truthful".

a música e a literatura, por exemplo, mas as infinitas possibilidades de interação social - possa fazer com que o aluno se posicione perante o diferente sem juízo de valor, sem gradações.

Duas consequências práticas tanto de uma visão etnocêntrica quanto de descrédito nacional e que representam a quarta e última barreira apontada por Trifonovitch (1980), são o preconceito e o prejulgamento. O pouco contato com membros de culturas diversas da nossa e o conhecimento limitado sobre estas culturas são duas das razões principais pelas quais fazemos generalizações e criamos visões estereotipadas sobre uma cultura em relação à outra. Esta perspectiva simplificada do outro não respeita as identidades e diferenças culturais, e perpetua conceitos equivocados. Acerca disso:

O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa, de representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação através do Outro permite), constitui um problema para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais. (BHABHA, 1998, p. 117).

Além do reconhecido pouco contato que temos com membros de outras culturas e do parco conhecimento acerca dessas culturas, gostaria de acrescentar uma terceira razão para a criação de tantas generalizações e estereótipos: certa dose de má vontade e acomodação. Se, por um lado, vivemos em um mundo no qual as fronteiras geográficas são rigidamente demarcadas, por outro lado, este também é um mundo cada vez mais interativo e interconectado. De fato, estamos rodeados por tablets, iPhones e internet de alta velocidade, em que o acesso a informações acerca de qualquer coisa se dá de forma fácil e instantânea. Tomemos como exemplo o caso específico do IFBA, campus de Salvador, locus desta pesquisa. A instituição favorece a integração entre professores/alunos e as novas tecnologias (TIC), pois possui uma estrutura razoavelmente satisfatória, que inclui uma sala de línguas estrangeiras, equipada com TV, aparelho de som, DVD, computador com kit multimídia e internet com e sem fio de alta velocidade. Além disso, possui um laboratório de línguas, o LABSIT, equipado com computadores e internet banda larga.