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CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DA BASE TEÓRICA

2.2 VALOR DA FLEXIBILIDADE E A TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

2.2.2 Ativos Específicos e Custos de Transação

Foi visto que ativos específicos referem-se a investimentos que são pelo menos parcialmente irreversíveis, isto é, não podem ser utilizados para outra finalidade, sem a perda de uma parte considerável de seu valor na aplicação original.

Uma vez que investimentos específicos tenham sido realizados, o agente investidor, ao vender o produto ou serviço resultante da transação baseada nestes ativos, pode ter seu poder de barganha enfraquecido em relação à outra parte contratante. Desta forma, estes investidores correm o risco de perder a diferença entre, o valor do ativo na aplicação para a qual ele foi originalmente destinado, e o seu valor em uma aplicação alternativa, o que foi denominado

quasi-rent por KLEIN, CRAWFORD & ALCHIAN (1978)28.

O grau em que um investimento não pode ser remobilizado para outras utilizações alternativas é que caracteriza sua especificidade para uma única transação. Neste contexto, a expressão “utilizações alternativas” pode ser interpretada de várias formas: (i) como a possibilidade de estoque do produto gerado com os investimentos realizados, para futura comercialização; (ii) como a existência de consumidores alternativos para este produto; ou (iii) como a remobilização dos ativos para outro local, outra indústria ou outro produto.

MULHERIN (1986), por exemplo, associa o take-or-pay de contratos para fornecimento de gás natural como uma forma dos comercializadores estocarem gás no próprio campo produtor. Naturalmente, o autor considera a existência de uma cláusula de make-up-gas (ver Seção 1.4.2) que permita a recuperação das quantidades pagas e não utilizadas, o que não é uma regra nos contratos de fornecimento ao consumidor final.

Relacionado a esta questão, TORRES DOS SANTOS (2001, p. 25), ao mencionar os argumentos de RICHARDSON (1972)29 sugere que “cadeias industriais mais desenvolvidas

(maduras ou adensadas) possibilitam estruturas de coordenação mais autônomas”, isto é, a especificidade dos investimentos diminui pela existência de um maior número de agentes para se transacionar. Esta proposição auxiliará na elaboração das hipóteses desta pesquisa.

28 Interessante observar que o valor do quasi-rent inclui tanto a renda econômica que o agente investidor esperava ganhar originalmente com a utilização do ativo, como a porção do custo do ativo específico que seja irrecuperável pelo seu uso alternativo mais próximo. Normalmente apenas a porção referente ao custo poderá ser recuperada por disputas judiciais (CROCKER & MASTEN, 1991). Este fato limita o potencial destas instituições em serem proxies para prover flexibilidade de ajuste adequada na governança de transações via contratos de longo prazo.

29 RICHARDSON, G. B. (1972). The Organization of Industry. Economic Journal, v.82, n.3 apud TORRES DOS SANTOS (2001).

Embora seja comum pensar-se que investimentos específicos se apliquem apenas a plantas industriais físicas ou custos contábeis classificados como fixos, conforme observado por WILLIAMSON (1983), esta não é uma distinção crítica. Outros investimentos, como capital humano altamente qualificado, podem ser específicos, enquanto que muitos custos contábeis reportados como fixos podem ser, de fato, não específicos, podendo ser recuperados pelo seu reemprego em outras alternativas.

No caso da Indústria de Gás Natural, poder-se-ia sugerir que contratos envolvendo compromissos fixos de quantidades contratadas, com elevadas perdas por sua terminação antecipada (cláusulas de take-or-pay associadas a cláusulas de penalidades e perdas), são um exemplo de ativo específico não físico. Esta é uma premissa básica desta pesquisa para o teste da influência da Teoria dos Custos de Transações.

Os compromissos assumidos pelas distribuidoras de gás natural, nos contratos de compra do gás a montante da cadeia de fornecimento (Figura 1), poderiam ser considerados como um investimento específico para dar suporte às transações para consumo industrial. A distribuidora estaria sujeita à perda de valor pelo poder de barganha do consumidor, na medida em que não consiga repassar os custos destes investimentos, os quais estariam internalizados na cláusula take-or-pay. O compromisso de take-or-pay funciona, neste contexto, como uma garantia de retorno para todos os ativos físicos específicos, investidos pelos agentes ao longo da cadeia de fornecimento. O Anexo A apresenta uma analogia contábil para explicar o processo como esta garantia se propaga até o consumidor final. Na classificação proposta por WILLIAMSON (1989), poderíamos considerar este tipo de ativo específico como um ativo “dedicado”, no sentido de que ele não seria assumido pela distribuidora de gás, se não fosse pela perspectiva de comercializar as quantidades contratadas com os consumidores finais30.

Já os ativos físicos como poços de produção e gasodutos de transporte e distribuição, poderiam ser classificados como ativos específicos de “localização”, pois, muito embora as instalações do fornecedor e comprador possam não se encontrar fisicamente no mesmo local, elas devem estar conectadas entre si. Finalmente, o próprio consumidor final do produto tem que realizar investimentos na conversão de equipamentos para o consumo de gás em lugar dos

30 No caso do fornecimento de gás natural, a ocorrência de elevadas economias de escala (na produção, transporte e distribuição) e a necessidade de obtenção de fontes garantidas de suprimento, tornam necessária a contratação de quantidades discretamente elevadas do produto, mesmo antes do mercado consumidor ter sido desenvolvido.

energéticos substitutos. Neste caso o ativo pode ser classificado ativo específico do tipo “físico”.

Conforme observado por MILGROM & ROBERTS (1992), o problema da desapropriação dos quasi-rents não refletiria, em si próprio, uma perda no valor total da transação (perda de eficiência social) caso os custos de barganha sejam baixos. Pelo Teorema de Coase31, as partes negociariam e, mesmo na presença de oportunismo, encontrariam uma solução que maximizaria o valor da transação. O resultado seria que um dos agentes teria uma parcela do seu valor original na transação transferido para a outra parte.

Contudo, em geral os custos de barganha não são baixos, provocando ineficiências relacionadas à desapropriação dos quasi-rents. Em primeiro lugar, a possibilidade de sua ocorrência reduz o incentivo para que sejam realizados investimentos em ativos específicos (MILGROM & ROBERTS, 1992). No caso do gás natural, essa ineficiência se refletiria na menor penetração do produto no mercado mesmo onde o gás poderia ser competitivo, por falta de infra-estrutura.

Em segundo lugar, mesmo que estes investimentos fossem realizados, custos para aquisição de proteção contra o maior poder de barganha após a sua realização, poderiam ser incorridos antecipadamente (por exemplo, na duplicação de instalações para criar alternativas de emprego para os ativos específicos ou na aquisição de seguros32), gerando impactos para a competitividade do produto. Em terceiro lugar, custos com a solução de conflitos podem levar à diminuição do valor da transação para ambas as partes.

A definição de cláusulas contratuais de longo prazo, que governem a transação e impeçam a ocorrência do oportunismo, buscam a redução destes custos de transação. Quanto mais preciso o contrato, mais seguro ele se torna, mas, ao mesmo tempo, ele se torna também menos flexível. Esta rigidez provoca o aumento da probabilidade de ocorrência de outros

31 O Teorema de Coase refere-se à idéia introduzida por este autor no clássico artigo “The Problem of Social

Cost” (1960) ao abordar o problema das externalidades na economia. O resultado apresentado por Coase pode ser estabelecido como: “Se não existem custos de transação, isto é, se um acordo que é benéfico para as partes envolvidas em uma transação pode ser feito, então, qualquer definição inicial dos direitos de propriedade entre estas partes levaria a um resultado eficiente para a alocação de recursos”. O exemplo típico da literatura é o de um poluidor que poderia sempre ser “comprado” pelas partes afetadas pela poluição, para reduzir as emissões, desde que o valor pago fosse menor do que o custo de instalação dos equipamentos de controle de tais emissões.

32 Uma planta de geração de eletricidade poderia instalar equipamentos para a utilização de dois tipos de combustíveis de forma a se tornar menos dependente de um único fornecedor. Ou ainda, um consumidor de gás, que precisa de uma pressão de fornecimento não garantida, pode ter que instalar compressores de suporte. Em ambos os casos, recursos sub-utilizados seriam empregados para dar suporte à transação.

custos, devido a um excessivo distanciamento da realidade da transação em relação às alternativas de mercado existentes para o produtor ou consumidor.

Para que sejam estabelecidas transações comerciais eficientes e duradouras através de contratos de longo prazo, negociados antes da realização de investimentos específicos, torna- se necessária uma solução de compromisso entre a necessidade de rigidez e de flexibilidade contratual.

Contudo, uma vez que a distribuidora de gás natural realiza os investimentos específicos na contratação de capacidade de fornecimento de gás, antes da negociação com os consumidores, seria de se esperar que quanto maior fosse o volume contratado por um específico consumidor, maior seria seu poder de barganha. A conseqüência poderia ser uma maior flexibilização contratual nas cláusulas take-or-pay. Esta hipótese será estabelecida formalmente para esta pesquisa no Capítulo 3.

2.3 O VALOR DA FLEXIBILIDADE E A TEORIA DAS OPÇÕES