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Opções Reais: Incerteza e Investimentos Irrecuperáveis

CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DA BASE TEÓRICA

2.3 O VALOR DA FLEXIBILIDADE E A TEORIA DAS OPÇÕES REAIS

2.3.2 Opções Reais: Incerteza e Investimentos Irrecuperáveis

A Teoria das Opções Reais traz uma abordagem para a tomada de decisões sobre investimentos que considera a flexibilidade gerencial para a criação de valor ao longo do tempo. Esta criação de valor se dá através da utilização de novas informações que venham a surgir, e que permitam ações gerenciais de amplificação de retornos ou mitigação de perdas, ao longo da vida de um investimento.

O termo Opções Reais foi cunhado por MYERS (1977) ao observar que muitos ativos reais corporativos poderiam ser vistos como opções de compra financeira, ou opções tipo CALL. Nesta interpretação, o investimento inicial de uma firma em um negócio de risco, não apenas agrega o valor dos fluxos de caixa esperados resultantes diretamente deste investimento, como também a posiciona melhor para aproveitar outras oportunidades de crescimento futuro. Portanto, a firma extrai valor de opção com a possibilidade de decisão gerencial sobre a aquisição destas oportunidades futuras.

O interesse pelas opções reais cresceu a partir da observação de que a técnica tradicional de avaliação de investimentos corporativos, através dos seus fluxos de caixa descontados a valor presente, não contemplava todo o valor envolvido no negócio33. Esta teoria explica, por exemplo, porque alguns investimentos são realizados apesar do fluxo de caixa descontado indicar um valor presente líquido negativo, e, porque outros não são realizados apesar do

33 LUEHRMAN (1998) apresenta um exemplo simplificado sobre a utilização do cálculo do valor de opção para a avaliação de um projeto de investimento em plantas industriais.

valor presente líquido ser positivo. Estas decisões, normalmente consideradas como estratégicas, representam o reconhecimento do valor da criação, e da manutenção de opções gerenciais, respectivamente.

Na abordagem da Teoria das Opções Reais, a decisão de investir em projetos irreversíveis e sob condições de incerteza, requer que o valor presente do fluxo de caixa do investimento supere o custo do investimento inicial, mais um custo de oportunidade adicional, referente ao valor da opção gerencial de adiamento deste investimento para decisão futura (DIXIT & PINDYCK, 1994). O investidor irá exigir a recuperação deste custo de oportunidade através de um prêmio ou garantia contra a incerteza ao qual ele se refere.

A avaliação tradicional de investimentos através do fluxo de caixa descontado considera, implicitamente, que os investimentos ou são reversíveis, ou, no caso de serem irreversíveis eles são inadiáveis, pois não leva em conta o custo de oportunidade mencionado.

Da mesma forma que as opções financeiras, o valor da opção real criado por uma flexibilidade gerencial será tanto maior, quanto maior for a incerteza ou volatilidade do valor do ativo subjacente. O titular do direito de aquisição, ou de alteração do grau de utilização de um ativo, somente está exposto ao lado positivo da incerteza.

Portanto, pela Teoria das Opções Reais, o valor da flexibilidade está relacionado a três características principais dos investimentos (DIXIT & PINDYCK, 1994):

• o conceito da irreversibilidade, segundo o qual o custo do investimento inicial é pelo menos parcialmente irrecuperável;

• a incerteza dos resultados dos investimentos, sobre a qual se pode apenas estabelecer a distribuição de probabilidades das alternativas possíveis de ocorrer;

• a possibilidade de adiamento, ou alteração de uma decisão, na expectativa de reduzir a incerteza diante de novas informações que possam surgir.

SHARP (1991) classificou a existência de dois tipos de opções relacionadas com investimentos em ativos reais: (i) as opções de crescimento identificadas por MYERS (1977), e (ii) as opções de flexibilidade. Nestas últimas, o valor da opção se refere à habilidade de seu detentor de mudar o grau de utilização do ativo conforme o ambiente se altera, referindo-se, portanto, ao uso de ativos provenientes de investimentos já realizados. O autor menciona a

criação de capacidade, em excesso às necessidades imediatas, como um exemplo do desenvolvimento deste tipo de opção34.

Tendo em vista que uma opção sempre significa a flexibilidade conferida pela titularidade de um direito, sem uma obrigação correspondente, outros autores classificam as opções reais segundo vários tipos de flexibilidades gerenciais, sejam elas operacionais ou estratégicas. A Tabela 1 resume algumas destas classificações.

Tabela 1 Algumas classificações para diferentes tipos de flexibilidade ou opções reais

Flexibilidade de trocar a utilização do ativo (seja trocar entre inputs ou outputs do processo)

COPELAND &

ANTIKAROV (2001) DIXIT & PINDYCK (1994)

Opção de Flexibilidade Operacional Opção de Contração Opção de Expansão Opções Estratégicas e de Flexibilidade Operacional - Os autores caracterizam algumas opções de forma

mais explícita como opções de expansão, adiamento e troca de

operação Opção de Conversão

SHARP (1991)

Flexibilidade de alterar a escala de operação (expandir, contrair ou fechar)

TRIGEORGIS (1996) Opção de Diferimento Opção de Abandono Opção de Expansão Flexibilidade de adiamento de um investimento

Flexibilidade de Expansão de um ativo

Flexibilidade de Revender ou Contrair capacidade de um ativo

Flexibilidade de abandonar um ativo pelo valor residual

No caso do contrato de fornecimento de gás, o take-or-pay inferior a 100% pode ser visto como uma flexibilidade para o consumidor alterar as quantidades consumidas, conforme se altere o ambiente de demanda industrial, ou do preço do gás natural relativo àquele dos energéticos substitutos.

Utilizando-se a taxonomia apresentada na Tabela 1, pode-se dizer que no primeiro caso o consumidor seria titular de uma flexibilidade, ou opção, para alterar a escala da operação de consumo entre o take-or-pay e 100% da capacidade contratada garantida. O ativo subjacente à opção real seria o valor de sua demanda por gás natural, e ele teria o direito de consumir até 100% da quantidade contratada, sem uma correspondente obrigação de pagar pelo total desta. No segundo caso, pode-se dizer que o consumidor seria titular de uma flexibilidade, ou opção, de trocar o gás natural por outro energético substituto. O ativo subjacente principal seria o valor diferencial do preço do gás natural para o preço do combustível substituto, sendo que o comprador poderia permutar os combustíveis até o limite entre o volume contratado e a quantidade referente ao take-or-pay.

34 A criação de opções de flexibilidade pode gerar capacidade ociosa no início da operação dos ativos físicos, como no caso de gasodutos de transporte.

Conforme será visto em seguida, o consumidor em condições de incerteza sobre o mercado tenderia a contratar uma capacidade de fornecimento excessiva.

A contrapartida, que mitiga este incentivo de contratação em excesso, vem do fato de que o fornecedor deve cobrar um prêmio pelo custo de oportunidade, associado com a realização dos investimentos específicos irreversíveis para o fornecimento desta capacidade contratual. No caso da distribuidora de gás natural, estes investimentos incluem, principalmente, os compromissos com contratos de compra de gás a montante da cadeia de fornecimento (ver Figura 1 e Anexo A).

Para o escopo desta pesquisa, a discussão conceitual sobre a Teoria das Opções Reais apresentada é o suficiente. Contudo, o leitor interessado em maior aprofundamento nos conceitos e técnicas de avaliação de valor destas opções pode recorrer a livros de finanças corporativas como BREALEY & MYERS (1997) e COPELAND & ANTIKAROV (2002), para uma abordagem introdutória, ou livros específicos como DIXIT & PINDYCK (1994) e TRIGEORGIS (1996 e 1999) e outros mencionados em DIAS (1999). Uma revisão geral dos exemplos de utilização da Teoria das Opções Reais, apresentados por vários autores, é realizada por DIAS (1998).

A próxima seção analisa com mais detalhe a questão da escolha da capacidade ótima de fornecimento ou contratação, sob a perspectiva da Teoria das Opções Reais.