CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DA BASE TEÓRICA
2.3 O VALOR DA FLEXIBILIDADE E A TEORIA DAS OPÇÕES REAIS
2.3.3 Determinantes de Valor para a Capacidade Contratada
PINDYCK (1988) desenvolve um modelo para a escolha de capacidade ótima de produção de uma empresa. O autor demonstra que “a escolha da capacidade de uma firma é ótima quando o valor presente do fluxo de caixa esperado a partir de uma unidade marginal de capacidade é igual ao custo total desta unidade. Este custo total inclui os custos de compra e instalação, mais o custo de oportunidade de exercer a opção de compra da unidade. Portanto, a análise da escolha de capacidade envolve dois passos. Primeiro, o valor da unidade extra de capacidade deve ser determinado. Segundo, o valor da opção de investir nesta unidade deve ser determinado (...). Para determinar o valor da unidade marginal de capacidade, nós devemos considerar que, se a demanda cai, a firma pode escolher não utilizar a unidade. De fato, a unidade de capacidade confere à firma um número infinito de opções de produzir, uma para cada futuro tempo t (...). Estas “opções de operação” valem mais quanto mais volátil for a demanda(...)” (PINDYCK, 1988, p. 970).
Onde: V
(
K,θ)
=Valor da capacidade instalada da firma ou o valor do fluxo de lucros esperados que esta capacidade irá auferir, dada a incerteza da demanda θ, sendo calculado como a somatória do valor das opções de utilizar parte ou toda a capacidade instalada ao longo do tempo e,(
K,θ)
=F Valor presente de qualquer lucro adicional que possa resultar da instalação de mais capacidade no futuro, menos o valor presente do custo desta nova capacidade, isto é, o valor de uma opção de expansão de capacidade.
Para maximizar o valor da firma, a capacidade deve ser escolhida de tal forma que o valor marginal de uma unidade extra de capital, ∆V
(
K*,θ)
, seja igual a seu custo total, ou seja, o custo de instalação física “k”, mais o custo de oportunidade ∆F(
K*,θ)
de exercer irreversivelmente a opção de investir nesta unidade marginal, ao invés de esperar e manter esta opção de crescimento futuro viva. A variável “k” pode ser entendida também como o preço de exercício da opção de instalar a capacidade. Ou seja:(1) ∆V
(
K*,θ)
=∆F(
K*,θ)
+kO autor mostra que, embora o valor da capacidade instalada ∆V
(
K*,θ)
cresça com a incerteza na demanda, o custo de oportunidade ∆F(
K*,θ)
para sua instalação cresce ainda mais rápido, limitando o tamanho da capacidade ótima da firma.O modelo de PINDYCK foi desenvolvido para analisar o valor total de uma transação ocorrendo internamente à empresa, ou seja, a empresa “fornece” capacidade para ela mesma fabricar algum produto. A incerteza relevante é aquela da demanda pela capacidade instalada para fabricar este produto.
A partir desta observação, pode-se fazer a analogia de que, no caso dos contratos para fornecimento de gás natural, a decisão sobre a quantidade contratada pode ser considerada como uma decisão sobre uma capacidade instalada, a qual envolve dois agentes distintos. O fornecedor realiza o investimento na capacidade total a ser fornecida para o consumidor (“K”), na expectativa de que a receita contratual esperada por esta capacidade, ao longo do prazo da transação, seja maior do que o custo de oportunidade do exercício da opção de investir ∆F
(
K,θ)
mais o custo de instalação “k*K”. Se o investimento visa atender a um consumidor específico, o fornecedor deveria repassar tanto o prêmio da opção de instalaçãoda capacidade, como o custo desta instalação para o consumidor, o que é feito, implicitamente, através do take-or-pay.
Já o consumidor percebe a quantidade contratada como refletindo a capacidade “instalada”, visto que exista a garantia contratual de fornecimento. Esta capacidade possui um valor,
(
θ)
∆V K, , referente à somatória das opções de compra que garantem o direito de demandar, ou não, cada unidade de gás contratada, a cada período contratual. O prêmio da opção de instalação de capacidade, exigido pelo fornecedor e implícito no take-or-pay, impediria que o consumidor contratasse uma capacidade excessiva diante da incerteza.
Um resultado importante do modelo de PINDYCK (1988) para a presente pesquisa é que, conforme aumenta a incerteza sobre a demanda do consumidor, se deveria esperar que aumentasse o prêmio que ele aceitaria pagar por uma capacidade contratada de gás natural, pois o valor da flexibilidade envolvendo a utilização desta capacidade aumentaria. Esta hipótese será formalmente estabelecida no Capítulo 3 desta dissertação.
Adicionalmente, este modelo pode conduzir a uma interessante analogia dos resultados da Teoria das Opções Reais, com aqueles obtidos na Teoria dos Custos de Transação, para a análise de investimentos específicos sob incerteza.
Antecipando um modelo que será descrito na Seção 2.5, a partir de MASTEN & CROKER (1985), o valor da capacidade fornecida pode ser entendido como sendo o resultado de duas componentes:
(2) Y=δ+S
( )
αOnde: Y – valor cobrado, pelo fornecedor, pelo total das quantidades contratadas em cada período de tempo (T) da transação, o qual deve refletir todos os seus custos, inclusive o custo de oportunidade, ou de transação, envolvidos no investimento em ativos específicos;
S( ) - valor da utilização da capacidade instalada, pelo fornecedor, em uma aplicação alternativa fora da transação sobre a qual o contrato foi estabelecido. Este valor é função da incerteza sobre o grau de especificidade dos ativos;
δ - Valor de uma penalidade, ou prêmio, cobrado pelo fornecedor de forma implícita no contrato com take-or-pay. Corresponde à diferença entre o valor contratado (Y) e o valor S( ) que pode ser obtido em uma aplicação alternativa do produto.
Comparando-se as equações (1) e (2), nota-se uma semelhança entre os dois modelos. Tanto δ, como ∆F
(
K,θ)
, representam o valor do prêmio pela opção de instalar a capacidade K pelofornecedor. Contudo, os valores assumidos pelas variáveis nos dois modelos podem ser muito diferentes. Eles irão depender do preço de exercício ótimo adotado em cada caso.
No caso do modelo envolvendo a transação interna à mesma firma, este preço de exercício é igual ao investimento total de instalação da capacidade de fornecimento, ou “k*K”. Já no modelo envolvendo a transação entre dois agentes em um contrato de fornecimento, para evitar a ocorrência de oportunismo e risco de desapropriação dos quasi-rents, este preço deverá ser igual ao valor alternativo de utilização desta capacidade pelo fornecedor, S( ). Como na presença de ativos específicos deve ocorrer que S
( )
α <k*K pois, caso contrário, o investimento seria reversível e recuperável, quando o investimento em capacidade é realizado para dar suporte a uma transação via contratos deve ocorrer que δ> ∆F(
K,θ)
.Ou seja, no caso de transações governadas por contratos (e não integrada dentro de uma mesma empresa) e, na presença de ativos específicos, o fornecedor deverá exigir um preço de exercício menor e igual ao do valor alternativo destes ativos, enquanto que a diferença seria cobrada na forma de um prêmio mais que proporcionalmente maior.
Embora não seja escopo desta dissertação, é interessante observar que, como δ>∆F
(
K,θ)
, transações governadas por contratos dificultam a realização de investimentos específicos em infra-estrutura, quando comparadas com transações internalizadas em uma mesma empresa. Isto ocorre devido ao aumento no custo de oportunidade do exercício da opção de instalar capacidade.Em segundo lugar, o valor do quasi-rent associado à transação comercial poderia ser estimado como a diferença entre S( ) e o custo total da capacidade instalada, ou seja, ∆F
(
K,θ)
+ k*K, e representaria o valor em risco no negócio do fornecedor. Este ponto associa o valor doquasi-rent para o fornecedor com o valor de uma opção de adiamento, sugerindo que as Teorias dos Custos de Transação e das Opções Reais possuem uma complementaridade explicativa para a decisão sobre investimentos específicos.
Ambas as teorias conduziriam a prescrições semelhantes no que se refere ao tipo de governança mais adequado para transações associadas a ativos muito específicos. Esta interpretação contesta a hipótese de existência de contradição entre estas teorias conforme apontado por LEE (1998).
Partindo do modelo de MASTEN & CROKER (1985), a Seção 2.5 irá detalhar como o valor do take-or-pay considera, implicitamente, o valor do prêmio pela opção de investir, apresentando e re-enfatizando as proposições teóricas desta pesquisa.