• Nenhum resultado encontrado

5. O CADE

5.3 As características das decisões do CADE

5.3.1 Ato administrativo vinculado e discricionário

Segundo Bandeira de Mello atos administrativos vinculados são aqueles que, “por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face da situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma”. Já os atos administrativos discricionários “seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão, segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles”147-148.

146O Estado, a empresa e o contrato. p. 214/215.

A principal diferença entre eles, ainda segundo Bandeira de Mello, seria que, nos atos vinculados a Administração não dispõe de liberdade alguma de decisão, uma vez que a lei já regulou os aspectos a serem adotados, enquanto nos atos discricionários, a lei permite ao administrador certa liberdade de decisão. Para ilustrar os conceitos, Bandeira de Mello usa a aposentadoria compulsória como exemplo de ato vinculado e a autorização de porte de arma como exemplo de ato discricionário149.

A diferenciação entre os atos administrativos vinculados e discricionários é importante para o presente estudo porque os primeiros podem sofrer a revisão plena do Judiciário e os outros não.

Odete Medauar entende que o ato administrativo vinculado provém do poder vinculado e que, embora a Administração tenha concedido ao administrador poder de decisão, já predetermina as situações e condições, orientando o julgador em uma só direção. O poder discricionário que emana dos respectivos atos discricionários facultaria a liberdade de escolha entre as várias possíveis e válidas estabelecidas pelo ordenamento. Mas essa liberdade não é ilimitada: pois o poder discricionário está restrito às normas legais e aos princípios norteadores da Administração. Vide in verbis o ensinamento de Medauar:

148No mesmo sentido de Bandeira de Melo é a opinião de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Pode-se concluir que a

atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciação subjetiva. E a atuação é discricionária quando a administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito” (Direito administrativo. p. 205).

“Há poder vinculado, também denominado competência vinculada, quando a autoridade, ante determinada circunstância, é obrigada a tomar decisão determinada, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica. O ordenamento confere ao administrador um poder de decisão, mas predetermina as situações e condições, canalizando-o a uma só direção. Por isso, na doutrina se diz que há matérias de reserva legal absoluta, em que o vínculo da Administração ao bloco da juridicidade é máximo. Se houver uma só solução, como conseqüência da aplicação de uma norma, ocorre o exercício do poder vinculado.

(...)

Em essência, poder discricionário é a faculdade conferida à autoridade administrativa de diante de certa circunstância, escolher uma entre várias soluções possíveis.

(...)

A discricionariedade significa uma condição de liberdade, mas não liberdade ilimitada; trata-se de liberdade onerosa, sujeita a vínculo de natureza peculiar. É uma liberdade-vínculo. Só vai exercer-se com base na atribuição legal, explícita ou implícita, desse poder específico a determinados órgãos ou autoridades. Por outro lado, o pode discricionário sujeita-se não só às normas específicas para cada situação, mas a uma rede de princípios que asseguram a congruência da decisão ao fim de interesse geral e impedem seu uso abusivo.

Permanece, no entanto, certa margem livre de apreciação da conveniência e oportunidade de soluções legalmente possíveis. Daí a atividade discricionária caracterizar-se, em essência, por um poder de escolha entre soluções diversas, todas igualmente válidas para o ordenamento. Com base em habilitação legal, explícita ou implícita, a autoridade administrativa tem livre escolha para adotar ou não determinados atos, para fixar o conteúdo de atos, para seguir este ou aquele modo de adotar o ato, na esfera da margem livre. Nessa margem, o ordenamento fica indiferente quanto à predeterminação legislativa do conteúdo da decisão”150.

Hely Lopes Meirelles151 compartilha o entendimento de Medauar, mas faz importante distinção entre poder discricionário e poder arbitrário, este último uma ação contrária ou excedente da lei, sempre ilegítimo e inválido; enquanto aquele é liberdade de ação administrativa, autorizada pelo Direito, sendo, portanto, legal e válida152.

Lúcia Valle Figueiredo afirma que os atos vinculados são praticados diante de conceitos unissignificativos, enquanto os discricionários o são diante de plurissignificativos:

150 Direito administrativo moderno. p. 119 e 122.

151 “Poder vinculado ou regrado é aquele que o Direito Positivo – a lei – confere à Administração Pública para a

prática de ato de sua competência, determinando os elementos e requisitos necessários à sua formalização. Nesses atos, a norma legal condiciona sua expedição aos dados constantes de seu texto. Daí se dizer que tais atos são

vinculados ou regrados, significando que, na sua prática, o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da

lei, em todas as suas especificações. Nessa categoria de atos administrativos, a liberdade de ação do administrador é mínima, pois terá que se ater à enumeração minuciosa do Direito Positivo para realizá-los eficazmente. Deixando de atender a qualquer dado expresso na lei, o ato é nulo, por desvinculado de seu tipo-padrão” (Direito administrativo

brasileiro. p. 117).

“Normalmente, diz-se que os atos vinculados são praticados quando esteja o administrador diante de conceitos unissignificativos, de conceitos teoréticos, como os denomina Queiroz, ou de conceitos determinados, como os designa Enterría – enfim, diante de conceitos que admitem solução única. Estes seriam os atos vinculados, consoante nomenclatura comum da doutrina. Doutra parte, afirmam-se discricionários os atos em que o administrador tem opções diferentes, pois, se qualquer delas for escolhida, haverá cumprimento da norma legal.

Verifica-se que ato discricionário não pode existir diante de conceitos teoréticos ou unissignificativos, porque, a Administração, nestes casos, estará diante de, apenas, possibilidade isolada. Colocar-se-ia, pois, a discricionariedade somente diante de conceitos plurissignificativos, porque, nestes, em princípio, a administração estaria diante de mais de uma possibilidade.

Entretanto, as coisas não se passam bem assim. Não é pelo fato de estar a Administração diante de conceitos plurissignificativos ou indeterminados que terá possibilidade de escolha. O conceito deverá ser interpretado para ser aplicado. Desta forma, tem-se como primeiro limite da competência discricionária a adequada interpretação”153.

As decisões do CADE são atos administrativos vinculados à medida que, analisando um ato de concentração ou um processo administrativo por infração contra a ordem econômica, o Administrador não tem liberdade de escolha: a lei já definiu quais atos de concentração devem ser submetidos ao CADE, bem como os tipos de decisão a tomar em caso de concentração no mercado, as penalidades por submissão intempestiva, etc. Também nos processos administrativos, a Lei já definiu os atos considerados infrações contra a ordem econômica, bem como as penalidades aplicáveis, etc.

Gesner de Oliveira e João Grandino Rodas dividem a mesma opinião, reforçando os argumentos acima, com o fato de o CADE atuar como jurisdição voluntária e, assim, o rol de procedimentos e soluções serem taxativamente previstos em lei:

“A SDE e a SEAE são órgãos do Governo, pertencentes à Administração Direta; o CADE é órgão do Estado, incrustado na Administração Pública Indireta. Assim, os atos de concentração e os processos administrativos, que tramitam nas Secretarias e acabam por receber decisão do CADE, são atos administrativos. Resta saber se se tratam de atos administrativos vinculados ou

discricionários.

O entendimento assente é o de que as decisões do CADE tanto com relação a atos de concentração, como a procedimentos administrativos, são emanações de jurisdição voluntária exercitada pela Administração Pública, sendo atos administrativos vinculados. Chega-se a essa conclusão após a verificação de várias premissas.

Em ambos os tipos de processo, a rigor, inexistem partes. No processo administrativo, há Representante e Representado; no ato de concentração, Requerente. Não há contenda, não se deduzindo interesses contraditórios, pois o que se busca proteger é a coletividade – direito difuso (parágrafo único, do artigo 1º da Lei nº 8.884/94), decidindo-se em relação a um deles e não a favor, contrariando o outro)”154.

Portanto, as decisões do CADE são atos administrativos vinculados. As decisões do CADE estão vinculadas não somente às leis, mas às garantias e liberdades individuais. Tendo em vista essa sua natureza vinculada, a decisão do CADE poderá, portanto, ser revista pelo Poder Judiciário de forma plena, uma vez que somente os atos administrativos que digam exclusivamente respeito ao exercício da função política da Administração Pública (i.e. política de governo) estão excluídas da apreciação do Poder Judiciário, por serem uma opção do Executivo (preservação da autonomia e independência dos Poderes). Sendo ato administrativo vinculado, seus efeitos estão sujeitos ao controle judicial, especialmente, para que se verifique a observância dos princípios basilares da Administração Pública, quais sejam, a legalidade e a primazia do interesse público155.