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4. A coletividade como titular dos bens jurídicos protegidos pela Lei 8.884/9

4.1 Conceito de coletividade

Afirma o Prof. Peluso que o esse conceito de coletividade traz ao Direito um novo sujeito a ser defendido: a sociedade. Para o Professor, a coletividade protegida pela Lei de Defesa da Concorrência são “interesses metaindividuais”, não são nem públicos nem privados, e dentro deles cabem tanto os interesses difusos e coletivos como os individuais coletivamente tratados. São os interesses das massas105.

104 “No Brasil, dado o que reza a legislação (Lei nº 8.884/94, art. 1º) quanto aos ditames que orientam a aplicação das

disposições antitruste, muitos autores defendem a existência de diversos e simultâneos objetivos a serem perseguidos pela atuação estatal na esfera da concorrência”. (HOLTZ, Ludmila Passos. Bem-estar do consumidor – uma análise

concorrencial sob a perspectiva brasileira. p. 130).

105 “Por sua vez, para o Direito Econômico, assume grande destaque o fato de se considerar a ‘coletividade’ como

‘titular dos bens jurídicos protegidos pela Lei’ (Lei n.8.884 de 11.6.94). Assim é trazida para o Direito uma nova figura de ‘sujeito’, legitimando-se a sua defesa. A própria sociedade para a figurar como detentora da titularidade nas ações caracterizadas como ‘coletivas’. Trata-se de ‘interesses metaindividuais’, nem públicos, nem privados, segundo ensina Cappelletti. Neles se enquadram tanto os ‘interesses difusos e coletivos’ quanto os ‘individuais coletivamente tratados’. Correspondem ‘às necessidades das massas’, têm ‘configuração coletiva, (são) caracterizados por uma conflituosidade, também de massa, que não se coloca no clássico contraste entre indivíduo- versus-indivíduo, nem do indivíduo-versus-autoridade, mas é típica das escolhas políticas. Em decorrência, surgem novas categorias de defesa dos seus direito sob a forma de associações, de organizações não-governamentais, que se colocam especialmente contra os interesses dos grandes grupos econômicos, a indiferença ou inércia governamental, ou o despreparo do Judiciário.” (Primeiras linhas de direito econômico. p. 161.)

José Carlos Martins Proença entende a coletividade como direito difuso, uma vez que, além de afetar a todos indistintamente (transindividuais), são também indivisíveis, tendo por titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato, sem existir entre elas uma relação jurídica-base no aspecto subjetivo:

“Evidenciado, portanto, expressamente, pela Lei n. 8.884/94, que o mercado é um bem coletivo, ou seja, todas as pessoas são titulares do seu direto de proteção, tratando-se de um direito difuso, dada a sua transindividualidade, de natureza indivisível, sendo titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, sem relação jurídica-base no aspecto subjetivo.

(...)

Em razão desses dispositivos legais, pode-se chegar à conclusão de que a tutela de defesa da ordem econômica configura um direito difuso relativo a um mercado concorrencial de lucros não arbitrários. Trata-se de um direito difuso, uma vez que, além de afetar a todos indistintamente (transindividuais), são também indivisíveis, tendo por titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato, sem existir entre elas uma relação jurídica- base no aspecto subjetivo”106.

O Prof. Fábio Ulhoa Coelho critica o conceito de coletividade utilizado na Lei 8.884/94, alegando que é desprovido de operacionalidade. O conceito de coletividade abrangeria diversos interesses, como os de agentes econômicos, consumidores e trabalhadores, enfim, de toda a sociedade. No entanto, segundo Coelho, no direito da concorrência, por muitas vezes, haverá conflito entre os interesses das classes que compõem a sociedade:

“A Lei n. 8.884/94 não se refere diretamente às estruturas do mercado como sendo o bem jurídico sobre tutela, preferindo definir a coletividade como titular dos bens protegidos. É criticável a solução alcançada porque se vale de definição de reduzida operacionalidade, que se explica mais por alguns modismos adotados por muitas leis brasileiras do que propriamente por fundamentos técnicos.

De fato, identificar-se na coletividade a titular dos bens jurídicos protegidos pela repressão às infrações contra a ordem econômica pressupõe a existência de um interesse geral, comum aos agentes econômicos de diferentes portes, aos consumidores, aos trabalhadores, à população em torno dos estabelecimentos comerciais e, enfim, a toda a sociedade. A rigor, porém, na

coletividade, sobrepõem-se, entrecruzam-se e conflitam múltiplos interesses de diferentes classes sociais, segmentos de classes, estamentos profissionais, grupos de pressão etc. Falar-se da coletividade como titular de determinados interesses (bens jurídicos) significa ignorar a multiplicidade e relativa inconciliabilidade de posturas, projetos, verificáveis em todos os recantos das estruturas sociais.

Por vezes, sequer coincidem os interesses dos consumidores e trabalhadores com os dos empresários em competição, e em conseqüência a disciplina jurídica da concorrência acaba conflitando com o atendimento aos interesses de diversos e numerosos segmentos da sociedade”107.

Sob outro prisma, Jayme Vita Roso entende que essa previsão legal tem um significado de proteção dos direito humanos:

“É a coletividade, não apenas uma pessoa, a titular dos bens jurídicos pela Lei n. 8.884/94, por definição (art. 1º, parágrafo único).

Essa previsão legal tem um significado de proteção dos direitos humanos, pois o artigo 5º da Constituição federal do Brasil lista 77 (setenta e sete) direitos e deveres individuais e coletivos, considerando que as normas que os definem têm aplicação imediata, ou seja, independem de lei que as regulamente. De outro lado, o artigo 5º explicita que: a) todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) garante-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, seguindo-se os mencionados setenta e sete (77) direitos individuais e coletivos. A pressão social, exercida pelas organizações que defendem as pessoas, tem conseguido que os tribunais se manifestem, garantindo os direitos individuais e coletivos, tanto que esses direitos são ‘garantias pétreas’, ou sejam, garantias que não podem ser alteradas, modificadas ou diminuídas, sendo proibida qualquer emenda à Constituição Federal que pretenda abolir os direitos e as garantias individuais (artigo 60, §4º, IV)”108109

Adota-se neste estudo o conceito desenvolvido pelo Prof. Peluso, o qual defende que a coletividade abrange tanto interesses difusos e coletivos como os individuais coletivamente tratados, visando ao interesse das massas, da sociedade, refletindo o Estado Democrático de Direito.

107 Direito antitruste brasileiro – Comentários à Lei n. 8.884/94. p. 5/6. 108 Novos apontamentos à lei antitruste brasileira. p. 19/20.

109 Ressalta-se que atualmente o art. 5º da Constituição Federal lista 78 direitos e deveres individuais e coletivos, já

que a emenda constitucional 45 de 2004, incluiu o inciso LXXVIII : “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

4.2 Os interesses protegidos pela Lei de Defesa da Concorrência: concorrentes x