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O Ato Analítico e os Atos

No documento Da sua inigualdade do sujeito ao objeto (páginas 48-51)

Algumas abordagens do ato e seus desdobramentos são possíveis a partir principalmente da leitura do seminário XV de Lacan, “O Ato Psicanalítico”. Torres (2010), ao abordar as “Dimensões do ato em Psicanálise”, privilegia uma leitura do ato a partir de seu desenvolvimento conceitual desde Freud25 e faz uma leitura muito detalhada acerca da lógica

do ato, partindo da leitura e explicação do grupo de Klein, utilizado por Lacan26 para então

tirar consequências lógicas importantes sobre o conceito de ato, principalmente no que concerne à possibilidade de que, “adotando esse grupo para a abordagem do ato no Seminário 15, talvez Lacan estivesse exatamente interessado em demonstrar como, no caso da psicanálise, pode-se, de uma estrutura (poderíamos dizer simbólica), derivar consequências heterogêneas a ela.” (TORRES, 2010, p. 173).

Nosso percurso será o de levar em conta a dimensão do ato não apenas de maneira restrita ao ato na Psicanálise (ato psicanalítico), mas levando em conta a especificidade deste em relação às outras dimensões de ato de transmissão – no caso o Zen.

Articularemos neste capítulo o ato na Psicanálise e o ato no Zen, uma vez posta a existência do ato fora da Psicanálise, ainda que não exista ato fora de determinadas coordenadas, como é o caso da transferência por exemplo (Cf. LACAN, 1967-1968/[inédito]),

25 Não pretendemos aqui esgotar a complexa e articulada leitura de ato feita pelo autor, mas apenas incluir

algumas de suas leituras na nossa. Certamente este trabalho possui grande número de detalhes e muitos mais desdobramentos importantes em referência ao ato.

p. 46), esta existindo claramente também fora do setting analítico, como foi observado já por Freud (FREUD, 1912 /2004, p. 113).

Ou seja, é possível falar de ato fora da análise, ainda que o ato analítico contenha em si características que o especifiquem e o diferenciem das outras modalidades de ato, como veremos. Vale lembrar que Lacan adverte que o ato não tem seu interesse restrito aos psicanalistas (LACAN, 1967-1968/[inédito]), p. 23), e desde Freud(1901/2006) a dimensão do ato enquanto falho já havia sido abordada na dimensão da (Psicopatologia da) vida cotidiana. Não entraremos neste texto clássico de Freud, onde o ato nos é apresentado em sua modalidade falha, mas vale ser mencionado pois ele nos alerta para a não possibilidade de restringir o ato à Psicanálise.

O ato pode ser qualificado como sendo uma dimensão não-toda27 simbólica. Lacan define a posição lógica do ato psicanalítico enquanto ruptura de um conjunto universal (não há relação sexual), e define a posição privilegiada da exceção na Psicanálise, o não-todo (LACAN, 1967-1968/[inédito]), p. 187). O direcionamento da análise é feito levando-se em conta essa duplicidade ou essa não-totalidade do sujeito. Esta posição lógica ampara o sujeito enquanto não estando todo alocado no pensamento, como já discutido anteriormente, bem como ampara a posição não-toda simbólica do ato.

Para definirmos nossa modalidade de ato, enquanto desdobramentos do tempo28 do ato

analítico, ou do ato como transmissão e conclusão (no Zen), é importante enquadrar a relação do sujeito perante o objeto a e o saber. Desta forma nos distanciaremos de outras modalidades de ato que dizem respeito ao sujeito, como o acting out e a passagem ao ato, uma vez que, como veremos, estas são modalidades de ato que preconizam o fator da repetição sintomática (BASTOS; CALAZANS, 2010, p. 254). Por outro lado, o ato enquanto transmissão e momento de conclusão (passe) – dimensões do ato que nos interessam nesta pesquisa – se distingue justamente por permitir ao sujeito uma mudança subjetiva e uma destituição subjetiva respectivamente. O ato analítico está de certa forma localizado do lado do analista (LACAN, 1967-1968/[inédito], p.139) e não do sujeito como o acting out e a passagem ao ato, ainda que no instante do ato não exista nem Sujeito e nem Outro, isto acontecendo, esta

27 Lacan(1972-1973/2008) vai dar continuidade a esta leitura lógica do não-todo no Seminário XX. Embora

também localizemos esta discussão neste seminário, não pretendemos esgotar o tema ou adentrar na articulação lógico-gramatical iniciada aí por Lacan, o que nos exigiria um grande desvio de nossa proposta. Aqui bastará apenas utilizar esta particularidade do ato como modo de destacar o seu aspecto não-todo simbólico.

28 Observaremos o ato analítico em sua dimensão do tempo para compreender a análise, o seu percurso e o

mudança, esta recolocação do sujeito, apenas a posteriori (LACAN, 1967-1968/[inédito]), p. 58).

4.1.1 As modalidades de ato e o objeto a na cena

Trataremos a seguir de uma localização do conceito de ato para a Psicanálise e da especificidade do ato analítico como um ato de mudança subjetiva, diferenciando-o da passagem ao ato e do acting out, como modalidades de repetição sintomática e não de mudança, não de modificação subjetiva.

É preciso demarcar que, a despeito de no instante do ato não existir nem sujeito nem Outro, o ato está, de certa forma, do lado do analista (Cf. LACAN, 1967-1968/[inédito]), p. 59, p. 139; GUIMARÃES, 2007, p.75). Ainda que não seja um fazer relacionado à motricidade, o ato é uma ação que admite a dimensão significante. Em relação ao ato especificamente analítico, é no manejo da transferência e em seus efeitos que se encontra a possibilidade da existência do ato analítico. O ato acontece em um momento onde ocorre a queda da dualidade do sujeito, ao se colocar na intersecção dos conjuntos não-penso e não- sou. Ocorre neste momento a ausência de sujeito e do Outro, no entanto, esta ausência é momentânea, pois em seguida o sujeito retorna com sua “presença renovada” (GUIMARÃES, 2010, p.78). Após o ato o sujeito reaparece ainda no seu estatuto de sujeito barrado, permanece sua falta-a-ser, sua incompletude.

Entendemos, no entanto, que o ato na sua dimensão de transmissão e de conclusão em um processo analítico possibilita ao sujeito um rearranjo de sua relação com o objeto a. Esta modalidade de ato como transmissão e conclusão de um processo é que possibilita uma articulação entre o método da Psicanálise e o do Zen.

No entanto, as modalidades de ato como o acting out e a passagem ao ato não permitem uma mesma articulação entre métodos, uma vez que são modalidades de ato em que o sujeito estabelece uma relação extrema perante o objeto a, encenando no primeiro caso (acting out) e caindo da cena no segundo (passagem ao ato29). Em suma, estas não são

modalidades de ato onde se instaura uma mudança do sujeito e uma possibilidade de se situar diversamente diante do objeto a. São situações extremas onde o sujeito alterna sua presença

29 Existe, todavia, uma correlação possível entre passagem ao ato e ato analítico. Estamos falando da passagem

ao ato falho, uma vez que a passagem ao ato bem sucedida apenas aparece como possível através do suicídio, pois seria o que aniquila o sujeito. Sem entrar nos detalhes desta semelhança, nos amparamos em sua distinção como sendo principalmente a relação do ato com o saber (GUIMARÃES, 2007, p. 83). No ato analítico, o Sujeito está advertido da inconsistência do Outro abordando o saber como impossível, enquanto na passagem ao ato existe uma “recusa de saber” (GUIMARÃES, 2007, p. 84).

na cena do objeto, não possibilitando que possa se situar nesta relação, sustentar a dimensão do que insiste em se repetir como falta (de sentido).

Ainda que Lacan preconize o acting out como uma transferência sem análise, destacamos que, mesmo ao abordar o ato em nossas articulações em referência ao Zen (que não é análise), não nos referiremos a este utilizando o conceito de acting out. Isso é importante de ser destacado.

Feitas esses esclarecimentos sobre o acting out e a passagem ao ato, iremos na seção seguinte tratar especificamente do conceito de ato como transmissão e conclusão de um processo, que é o ato presente no método do Zen e no da Psicanálise, e não do seu recorte como sintoma do sujeito. O que nos interessa na presente pesquisa é esta leitura do ato como o que insiste para o que está fora do sentido – sem contudo fazer com que o sujeito encene ou caia perante o objeto a, mas que faça com que o sujeito se renove.

No documento Da sua inigualdade do sujeito ao objeto (páginas 48-51)

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