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Da sua inigualdade do sujeito ao objeto

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

LUCIANA MOUTINHO

DIÁLOGOS COM O ORIENTE. PSICANÁLISE E ZEN, DOIS MÉTODOS PARA ALÉM DO SENTIDO: A DIMENSÃO DO ATO

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LUCIANA MOUTINHO

DIÁLOGOS COM O ORIENTE. PSICANÁLISE E ZEN, DOIS MÉTODOS PARA ALÉM DO SENTIDO: A DIMENSÃO DO ATO

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social.

Orientador: Prof. Dr. Raul Albino Pacheco Filho.

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MOUTINHO, Luciana. Diálogos com o Oriente. Psicanálise e Zen, dois métodos

para além do sentido: A dimensão do Ato. 2015, 83 p. Dissertação de Mestrado.

Núcleo de Pós-Graduação em Psicologia Social – PUC – SP.

Página

Linha

Onde se lê

Leia-se

29

3

discurso

.¹³

discurso.

30

12

O que prospera é:

“A ontologia (...)

O que prospera é a

queda da “ontologia

(...)

33

17 engodo.

.

engodo.

33

18

“Eu minto.”.

“Eu minto.”

38

19

(Cf. explicação

elucidativa sobre

método lacaniano

na p.9).

(Cf. explicação

elucidativa sobre

método lacaniano

na p. 19).

49

7 Feitas

esses

esclarecimentos

Feitos esses

esclarecimentos

51

26 afirmamos

no

início

do capítulo 3

Afirmamos no

início deste trabalho

64 25

sua especificidade

de ato não é o

sentido apenas

sua especificidade

de ato não é o não-

sentido apenas

65 1

ato(do analista e do

mestre zen)

ato (do analista e do

mestre zen)

67 9

[inédito],, pp

[inédito], pp

67 26

Da sua

inigualdade

do sujeito ao objeto

da

inigualdade

do

sujeito ao objeto

65 3

passagem para o ato

analítico

(4)

78 23

La

incención

sintoma.

Del

La invención

sintoma.

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LUCIANA MOUTINHO

DIÁLOGOS COM O ORIENTE. PSICANÁLISE E ZEN, DOIS MÉTODOS PARA ALÉM DO SENTIDO: A DIMENSÃO DO ATO

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social.

Aprovada em: ___/___/____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Raul Albino Pacheco Filho (orientador) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

___________________________________________ Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

___________________________________________ Prof. Dr. Ronaldo Silva Torres

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu orientador, o professor Dr. Raul Albino Pacheco Filho, por ter inicialmente me aceitado como sua aluna ouvinte, e a seguir acolhido meu interesse de pesquisa. Agradeço suas orientações extremamente perspicazes e que me trouxeram grande crescimento acadêmico durante este processo.

Agradeço ao professor Dr. Ronaldo Torres, por seus apontamentos em meu exame de qualificação, certamente este trabalho teve seu percurso em grande parte guiado por seus comentários esclarecedores, principalmente no que se refere à teoria do Ato Psicanalítico.

Agradeço ao Professor Dr. Antonio da Costa Ciampa, por suas conversas intrigantes sobre o Oriente e por suas indicações de leitura no breve período em que tive o prazer de cursar uma de suas disciplinas.

Agradeço a todos colegas que de alguma forma me auxiliaram e incentivaram antes e durante a feitura deste trabalho de dissertação. Agradeço à Brendali Dias por ter me apresentado ao núcleo de Psicanálise e Sociedade da PUC-SP, e ao colega Isaias Gonçalves por nossas conversas.

Agradeço ao apoio das colegas Ivone Varoli, Sandra Mallar, Nilva Couto e Márcia Regina Lovatto, durante este período.

Agradeço a disponibilidade do Templo Tzong Kwan de São Paulo, por me ceder materiais bibliográficos sempre que necessário e por seu acolhimento.

Agradeço ao amigo Aristides dos Santos Dias do templo Zu Lai, por me auxiliar nas discussões sobre o Zen, sempre me desalojando de qualquer tipo de vaidade intelectual acerca do Zen.

Agradeço ao meu analista Adriano Perez Clímaco de Freitas, por me auxiliar no processo de não ceder de meu desejo.

Agradeço ao querido amigo Umbelino Gonçalves Neto, por sua amizade e carinho, por me ouvir quando estava angustiada, por revisar o presente texto e por suas sugestões.

Agradeço à minha família, sobretudo minha mãe Aparecida Noêmia Moutinho, que sempre está ao meu lado em todos os momentos de minha vida, e ao meu namorado Fernando Chang, com quem divido minha vida e partilho agora este momento especial de conclusão.

Agradeço ao CNPq por ter financiado esta pesquisa e possibilitado a elaboração e conclusão desta por mim tão desejada Dissertação.

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RESUMO

MOUTINHO, Luciana. Diálogos com o Oriente. Psicanálise e Zen, dois métodos para além do sentido: A dimensão do Ato.

Podemos encontrar na obra de Jacques Lacan diversas menções ao Zen Budismo, mas que são pouco exploradas pelos pesquisadores em Psicanálise. Considerando que essas menções dizem respeito a elementos importantes da teoria lacaniana, buscamos localizá-las nos textos de Lacan, especificamente em seus seminários e escritos. Concomitantemente, também buscamos compreender historicamente o aparecimento do Zen Budismo no Oriente e quais seus principais princípios filosóficos e metodológicos em textos de antropólogos, em textos de outros estudiosos do Oriente, bem como em textos de autores do próprio Zen. Isso possibilitou identificar as possíveis semelhanças e diferenças entre a Psicanálise de Lacan e o Zen Budismo. Os elementos que se destacaram nesta pesquisa foram os que diziam respeito ao método do analista clínico lacaniano e o método do mestre Zen. Assim, verificamos as semelhanças entre o método de transmissão da Psicanálise lacaniana e o método utilizado pelos mestres Zen budistas em sua transmissão, que ambos prezam por uma linguagem que quebra a lógica aristotélica, ambos se colocam como não-dualistas (mas com suas respectivas especificidades) e ambos prezam por um esvaziamento do “eu” (também com suas respectivas especificidades). Também observamos as diferenças entre ambos os métodos, tal como a especificidade do Ato analítico em relação ao Nirvana enquanto um “fim” a que visa o Zen Budismo. O Zen, como escola de Budismo, proporia ao seu praticante chegar a um estado de “não mais desejar” ou “ceder de seu desejo”; enquanto que em Psicanálise se entende que “não desejar” não é possível por ser um fator constituinte do sujeito enquanto ser faltante, e sendo assim o fim de análise se dá pela responsabilização e pelo empoderamento do sujeito perante um gozo que antes o assujeitava. A especificidade do ato analítico preconiza que o sujeito permanece barrado, dividido, não sendo restituído do objeto pequeno a, e nem sendo tomado como parte de um todo ou de um grande Outro não barrado (A). O passe, ou ato de conclusão de uma análise tem como especificidade ser o que qualifica o analisante a ocupar o lugar de analista.

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ABSTRACT

MOUTINHO, Luciana. Dialogue with the East. Psychoanalysis and Zen, two methods beyond the meaning: The dimension of the Act.

We can find in the work of Jacques Lacan several references to Zen Buddhism, which are, however, little explored by researchers in Psychoanalysis. Considering such references relate to important elements of Lacanian theory, we seek to locate them in Lacan's texts, specifically in his seminars and writings. At the same time, we also seek to understand historically the emergence of Zen Buddhism in the East and which were its main philosophical and methodological principles, searching in anthropologists texts, in texts of other scholars of the East as well as in texts by Zen Buddhist authors. This made it possible to identify the possible similarities and differences between Lacanian psychoanalysis and Zen Buddhism. The elements that stood out in this study were those concerned with the method of the Lacanian clinical analyst and the Zen master method. Thus, we see the similarities between the transmission method of Lacanian Psychoanalysis and the method used by Buddhist Zen masters in their transmission. Both cherish for a language that breaks the Aristotelian logic, both stand as non-dualistic (but with their respective specificities) and both cherish for an emptying of the "I" (also with their respective specificities). We also observed differences between both methods, such as the specificity of the analytical Act regarding to Nirvana as an "end" that Zen Buddhism aims. Zen, as a school of Buddhism, would propose to its practitioner reach a state of "no longer desire" or "do not give in to his/her desire"; while in psychoanalysis is understood that "not to want" is not possible for it being a constituent factor of the subject as a missing being , and therefore the end of the analysis is given by the accountability and the empowerment of the subject facing a jouissance wich he was subjected to. The specificity of the analytical act stipulates that the subject remains barred, divided, not being refunded the small object "a", and not being taken as part of a whole or a not barred big Other (A). The pass, or act of completion of an analysis, has as specific feature being what qualifies the analysand to occupy the analyst place.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

OBJETIVOS E PERCURSO METODOLÓGICO...14

1 DIÁLOGOS COM O ORIENTE...17

1.1 Referências ao Taoísmo no ensino de Lacan: o conceito de vazio e o não-dualismo...17

1.2 Lacan e a arte enigmática do Oriente...22

1.3 O não-dualismo...24

1.4 A leitura de Lévi-Strauss sobre o Japão...27

2 A PSICANÁLISE E OS IMPASSES DO SENTIDO...30

2.1 Fala plena, fala vazia e o furo no sentido...31

2.2 Enunciado e enunciação...33

2.3 O Sujeito suposto (não saber) pela Psicanálise...34

2.4 O objeto a...36

3 O ZEN...38

3.1 O Zen em uma pincelada...38

3.2 O vazio no Zen...40

3.3 O desenvolvimento do Zen-Budismo...41

4 DOIS MÉTODOS PARA ALÉM DO SENTIDO: A DIMENSÃO DO ATO...46

4.1 O Ato Analítico e os Atos...46

4.1.1 As modalidades de ato: o objeto a na cena...48

4.2 O(s) Ato(s) de transmissão na experiência...49

4.2.1 O método Zen e o método da Psicanálise...51

4.2.2 O Koan, a Psicanálise e o apreço ao enigma...55

4.2.3 O Silêncio e o Vazio – um método de apontar a verdade...59

4.2.4 A atuação do analista e a atuação do mestre Zen...62

4.3 O Ato de conclusão da experiência...66

4.3.1 O ato bem sucedido e o desaparecimento do Sujeito ($)...67

4.3.2 A ética do Desejo...68

4.3.3 O “não ceder” versus o “abandonar”...70

4.3.4 A dimensão do objeto a(to) na conclusão da experiência analítica e o Satori no Zen...72

CONSIDERAÇÕES FINAIS...74

(12)

INTRODUÇÃO

A presente dissertação consta de um diálogo entre o ocidente e o oriente, mais especificamente ao que concerne a Psicanálise e o Zen, no que problematizamos as possíveis homologias e dissimetrias entre o método da Psicanálise e o método utilizado pelos mestres Zen budistas. Para isso, inicialmente abordaremos o diálogo entre o pensamento ocidental e o oriental via Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss. Após este diálogo, traremos uma apresentação sintética da localização da Psicanálise em relação ao sentido, bem como da escola budista Zen, para finalmente estabelecermos um estudo acerca da articulação entre a teoria da Psicanálise e o Zen, partindo principalmente das menções ao Zen feitas por Lacan em seu ensino. Enfatizaremos nesta articulação o conceito psicanalítico de Ato, localizando sua especificidade e seus desdobramentos, principalmente no que concerne ao que denominaremos de dois aspectos de sustentação do ato: o ato enquanto suporte de uma experiência de transmissão e o ato como um momento de passagem, ou o fim de uma experiência.

Lacan teve contato com a cultura oriental, especialmente com o Taoísmo e com o Zen, pois temos o relato de ao menos uma visita sua a um mosteiro Zen no Japão (Cf. LACAN, 1962-1963/2005, p. 235). Também sabemos de seus estudos sobre Chinês com François Cheng, com quem estudou o Taoísmo e o livro de Mencius – livro este que contribuiu para o desenvolvimento do confucionismo na China (Cf. IANNINI; VILELA, 2012, p. 21).

Veremos que o Taoísmo é uma filosofia importante no quadro de desenvolvimento do Zen, e que tal como o Taoísmo propõe, o Zen não se transmite apenas pela via da fala e do sentido, e que seu desenvolvimento influenciou a atuação dos mestres budistas inicialmente do Japão, bem como sua expressão cultural e artística.

Por outra via, propomos através da leitura de Lévi-Strauss sobre o Japão elencar aspectos da cultura japonesa que certamente influenciaram o Zen em seu desenvolvimento final. Desta forma, estes diálogos iniciais com o oriente, via Lacan e Lévi-Strauss, já localizam o início de nossa apresentação sobre o Zen, ainda que por seus aspectos emoldurantes.

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Assim, a leitura dos textos de Lacan e a vivência clínica suscitaram o maior interesse e curiosidade em trabalhar o tema para extrair daí consequências importantes ao arcabouço teórico psicanalítico.

Partimos de uma pesquisa teórica e de revisão bibliográfica específica para articular o diálogo entre o Zen e a Psicanálise iniciado por Lacan. Privilegiamos estas menções de Lacan no geral, destacando-as na epígrafe de nossos capítulos e subcapítulos. Tais menções serão, muitas vezes, o gatilho para nossa discussão.

Escrever sobre métodos que abordam – fazem borda – ao inefável, como o Zen e a Psicanálise, e ainda assim fazer-se entendida em uma linguagem estritamente acadêmica e rigorosa, não nos foi uma tarefa fácil. Somou-se a este desafio, a grande responsabilidade de manejar conceitos oriundos de uma renomada e milenar tradição como o Budismo, e do ensino de um dos maiores psicanalistas desde Freud, Jacques Lacan.

Mais do que se situar dentro do que se ampara simbolicamente – que a Psicanálise de Lacan tenha em certa medida “bebido” nas fontes da cultura oriental, e mais especificamente, do Zen –, é preciso chegar até às fontes da cultura oriental por si próprio e, dentro do possível, experimentar o sabor de suas águas se quisermos minimamente estreitar os laços que fizeram com que o psicanalista se servisse delas. E foi esta a primeira tarefa cumprida no deslindar dos estudos que culminaram na presente dissertação.

Desta forma, inicialmente selecionamos dentro do vasto compêndio de textos budistas (os já traduzidos ou escritos em inglês e português) aqueles que se enquadram dentro do que se trata especificamente nas menções feitas por Lacan e então articulamos a partir desta localização possíveis ecos e elaborações teóricas pertinentes ao método da Psicanálise.

Dentro do Zen há uma multiplicidade de escolas, e discernir a especificidade de uma (no caso duas), como sendo aquela que Lacan citou sem denominar, nos foi uma tarefa trabalhosa, porém importante, uma vez que esta escolha e denominação da escola, direciona toda a leitura e formulação dos pressupostos do presente texto no que concerne à localização do Zen influenciando de maneira direta o trabalho de nossa articulação teórica com a Psicanálise.

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Durante todo o processo de escrita, principalmente ao abordarmos o Zen, fez-se necessário abolir definições muito fechadas e conceituais acerca deste, o que pode ter tornado o texto um tanto quanto “poético”. Tal empreitada, visou trazer ao leitor uma certa familiaridade com esta escola Budista. Parecia não haver outra maneira de apresentar o Zen ao leitor, ou pelo menos uma de suas facetas, sem torcer um pouco as palavras...

É importante ressaltar, logo de início, as limitações, as dissensões e as divergências entre a Psicanálise e o Zen. Tal como o próprio Lacan elucida, sua inspiração metodológica pelo Zen tem ressalvas e limitações (Cf. LACAN, 1966-1998, pp. 316-17), fato que nos levou a trazer a este trabalho a dimensão da disjunção entre o Zen e a Psicanálise, para além de suas possíveis homologias. Iremos correlacionar o método Zen e o método da Psicanálise, mas vale salientar que ambas as experiências não se equivalem, ou não seria o intuito deste trabalho equivale-las.

De fato, a Psicanálise faz uso da literatura, da filosofia, das obras de arte, etc., sem contudo se confundir ela própria com aquilo de que se serve (ou seja, não se equivale à literatura por se utilizar da mesma, etc.). Do mesmo modo, não é tencionando igualar a experiência do Zen à da Psicanálise que pensamos ter Lacan aludido a este em seus escritos e seminários, muito menos é o que faremos aqui.

O que de cara está posto, é que esta experiência (a do Zen) pode trazer à Psicanálise representações e desdobramentos desejáveis ao que propõe Lacan como método. Um método que não se encerra na dimensão do sentido. O rompimento com a lógica formal, o pensamento

não-dualista, o conceito de vazio no Tao, os koans e os mondos no Zen, ecoam no método da Psicanálise lacaniana, um método que dá suporte à subversão do sujeito, e a subversão de uma prática psicanalítica que se encerre no sentido e no reforçamento do eu, e abre as portas para uma clínica do Ato.

A possibilidade de interesse da Psicanálise pelo Zen advém sobretudo no que diz

respeito ao método, ou do que poderíamos chamar de um saber-fazer com a linguagem, tal

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Uma inspiração metodológica, a qual possa interessar à Psicanálise, especificamente, a que tenha interessado a Jacques Lacan e que damos continuidade neste trabalho.

Como dissemos, o Budismo se ramifica em diversas escolas. E sendo assim nós temos aqui em vista a especificidade das escolas Zen Rinzai e Soto, já que nestas escolas que se localizam alguns dos elementos que interessaram a Lacan enquanto método, como o Koan, e os atos fora de sentido dos Mestres, ainda que Lacan não nomeie tais escolas, identificá-las foi parte de nosso trabalho de pesquisa.

Outros renomados psicanalistas já se interessaram pelo Zen, tais como Erich Fromm

(1960), em seu congresso sobre Psicanálise e Zen Budismo, apresentado juntamente com D.

T. Suzuki (um dos mais reconhecidos estudiosos do Zen no ocidente). Lacan, entretanto, diferentemente de Fromm, não abordou o Zen pela via da religiosidade – ele o fez em referência a um método. Abordaremos o método pela via da transmissão e pela via da conclusão da experiência, privilegiando o conceito de ato analítico nesta articulação.

Iremos nos circunscrever principalmente nos trabalhos de Lacan até seu seminário XV – O Ato psicanalítico, embora por vezes acabemos esbarrando em alguns conceitos formulados por Lacan posteriormente a este seminário, que no entanto dialogam com a temática do Zen. Como exemplo, temos uma menção ao Zen feita por Lacan em seu seminário XX, onde está tratando do gozo. Não nos debruçaremos acerca da dimensão do gozo especificamente, uma vez que com este intuito nos afastaríamos demais de nossa empreitada, mas alinharemos o tema dentro do que ampara a sustentação da experiência, do enquadramento do ato – e sua articulação ao ensino de Lacan, vale ressaltar.

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OBJETIVOS E PERCURSO METODOLÓGICO

O objetivo deste trabalho de cunho teórico, de uma forma geral, foi o de estabelecer o diálogo entre o Zen e a Psicanálise, dando continuidade às citações de Lacan e privilegiando o conceito de ato nestas articulações. Também constituiu-se como objetivo abordar a problemática dos impasses da clínica psicanalítica perante a interpretação da fala via sentido ou do sujeito pela via do eu e do pensamento. Temos como marco teórico as elaborações feitas por Lacan principalmente até seu seminário XV – O Ato Psicanalítico.

A fim de aquiescer ao nosso objetivo principal, iniciamos estabelecendo possibilidades de diálogos entre o ocidente e o oriente, via Lacan e Lévi Strauss, elegendo pontos que certamente amparam o desenvolvimento central deste trabalho como sendo o que ecoa e o que não ecoa em relação ao método da Psicanálise de Lacan e o método Zen.

Durante estas articulações teóricas, visamos estabelecer pontos de similaridade e de disjunção entre o Zen e a Psicanálise, uma vez que Lacan sugere estas inspirações e também estas limitações. O nosso percurso metodológico pode ser descrito da seguinte forma:

No primeiro capítulo, será iniciado o diálogo com o oriente. Trataremos a respeito do vazio no Tao e sobre a utilização do conceito de vazio feita por Lacan em seu seminário VII –

A ética da Psicanálise, onde Lacan utiliza o conceito de vazio no vaso, partindo de um exemplo de Heidegger para explicitar a função significante que contorna o vazio. Articulamos então esta utilização metafórica de Lacan ao conceito de vazio Taoista. Abordaremos o contato de Lacan com a arte Zen e o conceito de não-dualismo (pertencente ao Taoísmo e agregado pelo Zen), e a discussão que Lacan inicia acerca da lei moral a partir de pontuações sobre o Taoísmo. Em seguida traremos uma leitura do Japão feita por Lévi-Strauss, dada a relevância de alguns aspectos presentes nesta leitura que certamente apontam para aspectos centrais do Zen, uma vez que este se desenvolve em sua forma final no Japão, podendo-se dizer que certamente é influenciado por aspectos culturais como os que nos aponta Lévi-Strauss. Veremos que Lévi-Strauss destaca desta leitura dois elementos que certamente influenciaram o Zen e que parecem dialogar com a Psicanálise ao nosso ver: a não utilização da “linguagem a serviço da razão” e o sujeito como não estando alocado no Eu (LÉVI-STRAUSS, 2012, p. 34).

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influencia diretamente o Zen na China), a arte e a cultura nipônica - onde se desenvolve a faceta final do Zen – e a leitura Straussiana sobre o Japão

No segundo capítulo, será abordado o impasse da Psicanálise perante o uso da fala circunscrita ao sentido. Trataremos também sobre o sujeito da Psicanálise, o processo de

alienação e separação estabelecido por Lacan, e do resto desta operação, o objeto a, que não pode ser restituído ao sujeito. Iremos discutir a subversão do sujeito da Psicanálise em relação ao sujeito da consciência e da razão, da sua posição de certeza como antecipada e não como premissa do pensamento. Também veremos como se dá o distanciamento da Psicanálise ao abordar o sujeito pela via do sentido e a contraposição que a Psicanálise faz ao pensamento marcado pela certeza do sujeito cartesiano, que não percebe sua escotomização de ser.

No terceiro capítulo, iremos abordar o desenvolvimento histórico e alguns pressupostos importantes da escola Budista Zen a partir de renomados teóricos do Zen no ocidente. Enfatizaremos algumas vertentes essenciais de atuação dos mestres Zen, como os

Koans e os Mondos, que se apoiam na via de sustentação e transmissão do Zen enquanto uma experiência, que aborda o discípulo pela via do Não-eu e do não sentido. Trataremos ainda dos atos do mestre Zen que se servem da fala e da ação sem se alocar no sentido, mas principalmente fazendo flerte ao enigma, apostando na suspensão da resposta e na ausência de direcionamentos, e que são tomados aqui como atos de transmissão.

No quarto e último capítulo, finalmente chegaremos ao objeto maior de nosso estudo: a articulação entre a Psicanálise de Lacan e o Zen. Trataremos de uma localização breve do ato na Psicanálise e da especificidade do ato analítico como um ato de mudança subjetiva (GUIMARÃES, 2007, p. 78), diferenciando-o da passagem ao ato e do acting out como modalidades de repetição do ato para o sujeito e não de renovação, estando os dois últimos do lado do sujeito enquanto o ato permanece de certa forma do lado do analista (LACAN, 1967-1968 /(inédito), p. 139).

Ainda no quarto capítulo, serão elaboradas possíveis tessituras entre o método Zen e o método da Psicanálise, a partir das menções ao primeiro feitas por Lacan em seu ensino. Tratar-se-ão de questões referentes ao método analítico e sua transmissão, articulando tal método ao método utilizado na transmissão do Zen. Neste capítulo, inicialmente trabalharemos as possíveis homologias e divergências entre o aspecto de ato na transmissão, do seu aspecto no percurso da experiência, tanto a do Zen quanto a da Psicanálise. E

posteriormente abordaremos o ato como o momento de fim na experiência, como momento de

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sujeito perante seu desejo, incentivada pela análise e a disjunção acerca de tal direcionamento diante da proposta Zen.

(19)

1 DIÁLOGOS COM O ORIENTE

Neste capítulo abordaremos o interesse de Lacan pelo oriente, especificamente os conteúdos de sua obra tidos como legados do seu contato com o Japão e com a cultura chinesa, conteúdos que culminam no desenvolvimento conceitual e histórico do Zen. Também traremos uma leitura de Lévi-Strauss sobre o Japão que justamente se alinha com o nosso tema, uma vez que articula aspectos centrais do Zen que se desenvolve nestas terras. Uma vez elucidado isto, fica também esclarecido o nome do capítulo, “Diálogos com o oriente”, uma vez que pretendemos dialogar com estes aspectos não de forma aleatória, mas, como dissemos, de forma alinhada ao nosso tema, e assim construir uma ponte inicial de aproximação ao Zen e localizar de forma mais ampla este diálogo, esta articulação entre a Psicanálise de Lacan e o oriente.

1.1 Referências ao Taoísmo no ensino de Lacan: o conceito de vazio e o não-dualismo

“No taoísmo, por exemplo – vocês não sabem o que é isto, muito poucos sabem, mas eu, eu o pratiquei, pratiquei os textos é claro –, o exemplo é patente na prática mesma do sexo. É preciso reter a resposta para ficar bem. (...)” (LACAN, 1972-1973/2008, p. 123).

O conceito de vazio é presente tanto no Taoísmo como no Zen e é um conceito não-dualista. O não-dualismo é marcado nas filosofias orientais do Tao e do Budismo Zen – como veremos –, enquanto posicionamento de não utilizar categorias separativistas para a compreensão dos fenômenos. Em outros termos, o não-dualismo é, para estas escolas, um modo de compreensão que não cria contradições, um estado de indiferenciação, de não-discriminação, onde opostos podem se complementar de forma harmônica.

Temos como exemplo um sutra1 utilizado pelos mestres Zen Budistas, que declara que “a forma não é diferente do vazio”2. Neste aspecto, o simbólico, a forma, a fala e mesmo a ordem dos fenômenos não estão em oposição à dimensão do vazio. A ordem dos fenômenos,

1 Sutra é um termo sânscrito que significa costurar, no budismo sutra é uma espécie de escritura, são textos que remetem aos discursos do Buda histórico (Sidarta Gautama).

(20)

ou das formas, não estaria do lado oposto da não-forma, da não-existência, o que é tomado de forma genérica como o estatuto de não-dualidade, onde o pretenso concreto e o pretenso figurado não se excluem, mas se complementam enquanto pura possibilidade.

Pode-se notar que o Taoísmo e o Zen propõem um contato direto com aquilo que a estrutura mesma da linguagem cinge: o Vazio – conceito extremamente caro a tais escolas. Veremos que o vazio também aparece no ensino de Lacan, mas neste certamente o vazio não visa a complementaridade de opostos como nas filosofias orientais tratadas acima, mas principalmente trata da instauração da dimensão da falta, da impossibilidade de entendimento da linguagem apenas via sentido, ou significado, e da importância de levar em conta o furo instaurado na ordem do simbólico, o vazio.

Como dissemos, Lacan se interessou pela cultura oriental3, chegou a viajar ao Japão duas vezes, estudou a língua chinesa, visitou um mosteiro Zen e fez menções ao Zen em seu ensino. Lacan também estudou elementos hauridos do legado clássico do pensamento chinês, como o Confucionismo, além do já citado Taoísmo – elementos estes que influenciaram diretamente o desenvolvimento do Zen como veremos (CHENG, 2012, p. 165).

Lacan traz ao método da Psicanálise a dignidade do furo, resguardando a dimensão privilegiada da falta de sentido na condução de sua clínica. Cabe aqui uma pequena digressão acerca do método psicanalítico pressuposto por Lacan, e que nesta pesquisa será correlacionado a alguns aspectos do ¨ método ¨ Zen . É importante deixar claro, todavia, que temos em vista a problemática de falar em um “método lacaniano”, uma vez que, como esclarece o psicanalista Ronaldo Torres,

(...) o fazer do analista não pode ser determinado positivamente, no sentido de que se construa um guia de intervenções para analistas, dentro de um debate puramente técnico, talvez ele possa ser dirigido pela orientação dada pela transferência, neste diferente jogo de tensão, agora não mais colocado pela tentativa de precisar ações que deslizam entre o extremo da sugestão ao oposto da abstinência, mas uma tensão posta na posição mesma do analista diante do analisante em transferência. Posição em que deve sustentar a relação sintomática para com ela operar. (TORRES, 2010, p. 33).

Lacan no texto A direção do tratamento (1958/1998, p.595-596), vai dizer que o analista é mais livre em sua tática do que em sua estratégia, sendo esta última, a de ocupar

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para o analisante o lugar do morto. O analista seria menos livre ainda no que concerne a sua política, onde deveria apostar em sua falta-a-ser ao invés de em seu ser. Mais adiante, no mesmo texto, Lacan preconiza alguns meios para assegurar a condução correta do tratamento - o que ao nosso ver, mais se aproxima, em última instância de qualquer direcionamento metodológico para a Psicanálise, de acordo com Lacan -, após já ter demarcado que o analista deve conduzir o tratamento e não o analisante. Eis aqui suas coordenadas:

1. Que a fala tem aqui todos os poderes, os poderes especiais do tratamento; 2. Que estamos muito longe, pela regra, de dirigir o sujeito para a fala plena ou para o discurso coerente, mas que o deixamos livre para se experimentar nisso; 3. Que essa liberdade é o que ele tem mais dificuldade de tolerar; 4. Que a demanda é propriamente aquilo que se coloca entre parênteses na análise, estando excluída a hipótese de que o analista satisfaça a qualquer uma; 5. Que, não sendo colocado nenhum obstáculo à declaração do desejo, é para lá que o sujeito é dirigido e até canalizado; 6. Que a resistência a essa declaração, em última instância, não pode ater-se aqui a nada além da incompatibilidade do deater-sejo com a falta. (LACAN, 1958/1998, p.647).

Esta pequena digressão do texto sobre a questão do método lacaniano, demonstra tão somente a dificuldade de colocar no plano de uma condução descritiva as ações do analista. Demarca-se então, através das explanações acima, o viés utilizado na presente pesquisa para abordar o que poderia ser denominado um método da Psicanálise, ou seja, a estratégia, a

tática e a política do analista.

Veremos então, como a questão da falta de sentido privilegiado pelo método lacaniano dialoga com o Taoísmo, o Zen e a cultura Japonesa, de forma que este diálogo desponte na localização do conceito de vazio e não-dualismo4.

De acordo com Roudinesco (1994), o Tao5 admite a dimensão do vazio e do inefável,

culminando esta dimensão no Um. Existem no Tao, no entanto, não apenas a dimensão do

vazio como este inefável, mas também a dimensão do vazio mediano que pode estabelecer relações entre este Um engendrado em duas divisões: o Yin e o Yang. Assim, o vazio em seu desdobramento posterior no Tao, ou seja, o de vazio-mediano, teria sido utilizado por Lacan para auxiliar na sua definição do conceito de “Real” no estabelecimento da teoria dos nós (ROUDINESCO, 1994, p. 353).

Ao tratar a problemática da Ética na Psicanálise, Lacan (1959-1960/2008, pp. 147-148) aborda o conceito de vazio e o relaciona ao conceito ex-nihilo – do latim, traduzido como

4 O não-dualismo como utilizado no Taoísmo e no Zen é um conceito sinônimo ao conceito de vazio para estas

escolas.

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“a partir do nada”. Ele toma o caso de um vazio tal como visto num vaso, a exemplo de Heidegger6. O vazio serve a Lacan, pois, como é visto no Taoísmo – é diferente do nada, ou da Coisa - E aqui Lacan afirma que o que lhe interessa nesse aspecto do vazio do vaso é uma certa função Significante.

Lacan destaca do vaso sua função de utensílio, enquanto metáfora da dimensão

significante. Significante justamente por não estar atrelado a nenhum significado particular. E com essa metáfora do vaso ele retira a oposição entre o “pretenso concreto e o pretenso figurado”, apostando em uma homologia entre esta função do vaso como estando pleno por ter em seu centro o vazio, e a fala e o discurso que também aparecem como “plenos ou vazios” (LACAN, 1959-1960/2008, p. 147).

Lacan utiliza, como visto na metáfora acima, o vaso como uma função, algo que

também encontramos de modo parecido no único livro de Lao Tsé, o Tao Te Ching. No Tao

Te Ching, encontra-se desta forma7:

Trinta raios convergentes, unidos ao meio, formam a roda, mas é seu vazio central que move o carro. O vaso é feito de argila, mas é seu vazio que o torna útil. Abrem-se portas e janelas nas paredes de uma casa, mas é Abrem-seu vazio que a torna habitável. O ser produz o útil, mas é o não-ser que o torna eficaz. (LAO TSÉ, verso 11).

Lacan, no referido seminário sobre a ética, prossegue abordando a questão do vazio e do significante, articulando o vazio e o pleno:

O vazio e o pleno são introduzidos pelo vaso num mundo que, por si mesmo, não conhece semelhante. É a partir desse significante modelado que é o vaso, que o vazio e o pleno entram como tais no mundo, nem mais nem menos, e com o mesmo sentido. Esta é a ocasião de sentir de perto o que há de falaz na oposição entre o pretenso concreto e o pretenso figurado – se o vaso pode estar pleno é na medida em que, primeiro, em sua essência ele é vazio. (LACAN, 1959-1960/2008, p. 147).

Como dito anteriormente, Lacan relaciona o conceito de vazio ao conceito de ex-nihilo, e o faz em comparação a uma função que abarca o furo, e no caso do significante, o furo no simbólico. Entretanto, o significado teísta do conceito permanece alheio ao pensamento de Lacan ou mesmo do Taoísmo.

O Taoísmo, vale ressaltar, outorga importância não à dimensão de um Deus criador, mas à natureza. Para o taoísta, o nada (Mu) é a origem de tudo. Esta concepção se assemelha à

6 Lacan utiliza aqui a metáfora do vaso utilizada por Heidegger em sua dialética.

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mentalidade mítica que coloca a relativa importância de todos os fenômenos da natureza (OSHIMA, 1991, pp. 48-49).

Lacan em Televisão (1972/2003) cita o Tao, colocando-o ao lado de uma tradição mais sensata que a nossa. Para ele, uma vez que o Tao não aborda a ex-sistência de Deus como o paganismo, por exemplo, o fez, isso trará consequências à dimensão do gozo (LACAN, 1972/2003, p. 532). No Taoísmo, como se sabe, não se conta nem com uma confrontação de Deus, tal como no monoteísmo, nem com a sua negação (ex-sistência), tal como no paganismo. Lacan fala sobre esta ausência do criador no Tao e retira daí consequências importantes acerca da estrutura de gozo do sujeito em comparação às sociedades monoteístas.

Deus, ao contrário, ex-sistiu tão bem que o paganismo povoou o mundo com ele, sem que ninguém entendesse nada do assunto. Eis ao que retornamos. Graças a Deus, como se costuma dizer, outras tradições nos garantem que houve pessoas mais sensatas, no Tao, por exemplo. É pena que o que fazia sentido para elas seja sem importância para nós, por deixar frio o nosso gozo. (LACAN, 1972/2003, p. 532).

De acordo com Werneck (2006), o psicanalista Jacques Allain Miller também aborda este tema em sua leitura de um texto de Lacan, muito pertinente ao presente trabalho:

Lituraterra. Sabemos que Lacan escreve este texto logo após voltar de uma de suas viagens ao Japão. No texto de Werneck fica claro que a leitura de Allain Miller acerca de Lituraterra

destaca uma confrontação de Lacan entre a escrita ocidental e a oriental, partindo principalmente da oposição entre a crença no criacionismo versus a ausência de criação

respectivamente (no Tao, por exemplo), que culmina na diferenciação do Um ocidental e do

Um chinês (WERNECK, 2006, p. 6).

Lacan desta feita, trata do Um. Não do Um da criação no monoteísmo ocidental, mas do Um do Tao, do Um que admite a dimensão do vazio, do Um da diferença, apoiado na existência lógica8.

Lacan estudou chinês com François Cheng e fez a leitura do primeiro capítulo do Tao Te Ching, onde descobriu que a significação da palavra “Tao” envolve ao mesmo tempo o caminho e a fala (VILEVA; IANNINI, 2012, p. 21).

Para responder a esse duplo sentido do Tao, Lacan propõe, em francês, o seguinte jogo fônico: La Voie, c´est La Voix (o Caminho/Via é a Voz). A partir daí, Lacan

8 Não abordaremos mais profundamente a questão do Um em Lacan, uma vez que este trabalho está localizado

principalmente na Teoria Lacaniana desenvolvida até o ano de 1968, onde o autor trata do Ato Analítico, e no

qual traz a afirmativa de que “há o Um” em seu seminário de 1972 (GORSKI et al., 2013, p.1). Ademais, este

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isola dois registros do Tao: por um lado, o fazer (que é sem nome, aquilo que é não tendo desejo), por outro lado, o falar (o nome, aquilo que é tendo desejo). O que propõe Lao Tsé? Como podem registros distintos se manter juntos? François Cheng observa que respondeu a essa pergunta de Lacan sem refletir muito: “pelo Vazio-mediano”. (VILEVA; IANNINI, 2012, p. 21).

Desta forma, o Taoísmo – uma filosofia que emoldura a prática Zen historicamente – também interessou a Lacan. E esse interesse, como sugere Roudinesco (1994, p. 353), está principalmente na centralidade do conceito de vazio.

1.2 Lacan e a arte enigmática do Oriente

Outro aspecto relevante do interesse de Lacan pelo Oriente envolve a arte Oriental, pois o psicanalista apreciava demasiadamente a Arte e entre seu interesse consta a apreciação da arte chinesa. Lacan por pouco não visitou a China – chegou a declinar de um convite devido à sua aversão ao Maoísmo –, mas foi ao Japão duas vezes, uma em 1963 e outra em 1971 (ROUDINESCO, 1994, p. 157). E foi lá, no país do sol nascente, que Lacan teve contato com o Zen – ainda que brevemente – e sua arte.

Segundo Roudinesco (1994, p. 357), Lacan possuía um grande apreço pela arte oriental, e tal apreço o levou a adquirir diversas peças de cerâmica entre outras, as quais, juntamente com os demais objetos de arte que possuía oriundos de diversos lugares, poderiam constituir um pequeno museu. Roudinesco (1994, p. 357) também destaca que um dos aspectos mais valorativos da arte para Lacan advinha de seus mistérios e enigmas.

Em se tratando desse enigma suscitado pela obra de arte, Lacan (1962-1963/2005), logo após voltar de sua primeira viagem ao Japão, apresenta aos seus seminaristas uma foto tirada de uma estátua em um mosteiro que visitou na cidade de Kamakura. A estátua na foto era Kuan Yin Bodhisatwa9, cujas pálpebras pareciam a Lacan ter um aspecto deveras

enigmático. Tal estátua também lhe sugeria uma forma andrógena, não lhe estava claro ser uma imagem feminina ou masculina, e a seu ver não suscitava nenhum interesse aos japoneses desvelar de fato o sexo da imagem em questão. Lacan sugere que, ainda que a estátua religiosa não tenha sido forjada propositalmente como representação artística, ela pode nos representar a “relação do sujeito humano com o desejo” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 245).

9 As figuras dos Bodhisatwas são pertencentes ao Budismo Chinês Mahayana, algumas escolas e templos Zen

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Neste momento de seu ensino, Lacan (1962-1963/2005) problematiza ser o desejo como deslocado da dialética da angústia e então inicia o processo de dar forma ao objeto a

como causa de desejo, fundamentando o corte como elemento de função neste processo. Lacan trata da síncope do objeto e daquilo que resta, o que fica de fora na economia de barganha do Sujeito ao Outro. Para isso coloca a cultura oriental como sendo aquela em que sua hipocrisia não é a de angustiar o Outro, opostamente à cultura ocidental cristianizada, que sem dúvida exerce sua hipocrisia em termos de provocar a angústia de Deus (LACAN, 1962-1963/2005, p. 244).

Dando continuidade a essa discussão, Lacan se esquiva de explicar uma “psicologia oriental” e declara que esta sequer existe, além do que não é isto o que lhe interessa: “Não é por aí que quero levá-los hoje. Quero tomar uma via indireta, utilizar uma experiência, estilizar um encontro que foi meu, para abordar algo do campo do que ainda pode viver das práticas budistas, especificamente as do Zen.” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 244).

Lacan (1962-1963/2005, p. 246) prossegue relatando sua experiência no mosteiro de

Kamakura, onde presenciou a imagem da estátua de Kuan Yin Bodhisatwa – sendo não apenas uma, mas uma dentre mil estátuas idênticas –, e que agora mostrava aos seminaristas em forma de fotografia. Localizou brevemente o conceito de Bodhisatwa como um quase Buda e o conceito de Buda como suas infinitas formas humanas, estendendo tal relato ao não-dualismo oriental, ou seja, a ausência de um Deus único versus a humanidade.

Lacan marca a oposição entre o monoteísmo e o politeísmo a partir da explicação da disposição das estátuas de KuanYin, como sendo representantes de qualquer um ser humano e não de um Deus, uma vez que para o Budismo cada um é um Buda. O próprio autor relata a visão budista sobre essa questão: “cada um de vocês é um Buda – de direito, porque, por razões particulares, vocês podem ter sido lançados no mundo com claudicações que criarão para esse acesso um obstáculo mais ou menos irredutível.” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 247).

Após esta explanação, Lacan afirma que a multiplicidade das estátuas aponta para o

Um derradeiro e culmina na dimensão do não-dualismo, o que não deveria causar interesse

enquanto fenômeno, mas “pelo que ele nos permite abordar das relações que demonstra, através das conseqüências que teve, histórica e estruturalmente, no pensamento dos homens.” (LACAN, 1962-1963/2005, p. 247).

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dissimetrias entre o método Zen e o método da Psicanálise, buscamos de algum modo abordá-las, principalmente no que concerne ao país de desenvolvimento final do Zen.

A partir do exposto, verificamos uma certa familiaridade de Lacan com alguns aspectos da cultura oriental; a língua (a chinesa), a arte nipônica, o Tao e o Zen, sempre destacando destas vivências diálogos e possíveis representações pertinentes ao campo da Psicanálise.

1.3 O não-dualismo

“Aquilo que se trata, pelo menos na etapa mediana da relação com o nirvana, é sempre articulado, de maneira difundida em toda e qualquer formulação da verdade budista, no sentido de um não-dualismo. Se existe um objeto de teu desejo, ele não é outro senão tu mesmo.” (LACAN, 1962-1963/ 2005, p. 245).

De acordo com Gonçalves (1976), existe um certo perigo ao nos aproximarmos das escolas orientais sem diferenciá-las do ponto de vista das religiões cristãs. Gonçalves (1976, p. 13) aponta que as escolas orientais estão baseadas mais no exercício da própria autorrealização do que em postulados religiosos, tal como estamos comumente acostumados. Vimos que Lacan marca esta diferenciação principalmente ao confrontar o Tao e o Criacionismo tirando daí consequências importantes em relação ao gozo e a posição do sujeito perante o Outro. Lacan marca a posição não-dualista do Zen amparada pelo pressuposto do

Um oriental como vimos.

O estudo do Tao feito por Lacan com o auxílio de François Cheng (ROUDINESCO, 2008, p. 474) denuncia o interesse do psicanalista por esta filosofia, talvez pelo fato de que, entre outros aspectos, o texto do Tao Te Ching de Lao Tsé é escrito de forma altamente enigmática e poética. Sobre esse texto, é inclusive interessante o comentário de Capra (1983, p. 44): “Acha-se repleto de contradições que despertam a curiosidade e sua linguagem compacta, poderosa e extremamente poética busca interromper a atividade mental do leitor e afastá-lo dos trilhos familiares do raciocínio lógico.”

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não se apoia na lógica formal para estruturar seu sujeito ($), e mesmo para localizar a dimensão de seus atos de transmissão em seu método. Veremos no decorrer do presente trabalho que a Psicanálise, ao contrário, subverte a lógica aristotélica ao pensar o estatuto do sujeito e as dimensões do ato.

Ainda sobre esta dicotomia oriente-ocidente, temos a questão da Lei moral que Lacan aborda no já referido seminário sobre A ética da Psicanálise, em que vem nos assinalar a diferença entre as religiões monoteístas ocidentais e as religiões orientais. Estas últimas, aponta Lacan, foram tomadas genericamente por Freud. Segundo ele (LACAN,

1959-1960/2005, p. 211), Freud, quando aborda a lei moral em Moisés e o monoteísmo e em sua

obra no geral, toma as religiões orientais de forma vaga, não destacando os desdobramentos das variações acerca da lei moral e singulariza a leitura do “Cristocentrismo” da posição judaico-cristã. No entanto, para Lacan tal discussão culmina em leituras específicas da própria vivência da Lei moral. Lacan complementa esta discussão, como vimos, implementando as consequências disto nas modulações (oriental-ocidental) de gozo em relação ao Outro.

Outrossim, temos a escola Zen opondo-se a uma noção de sujeito como alocado no pensamento, tal qual a Psicanálise o faz. Com o uso dos koans por exemplo, paradoxalmente, aposta-se nem no significado nem no significante linguístico tal qual estruturado por Saussure10, mas busca-se abarcar o vazio. Tanto o Tao quanto o Zen subvertem o que nos parece ser comum à cultura ocidental, isto é, subvertem o ideal racionalista, o princípio lógico de identidade e de não-contradição, a unidade cartesiana da consciência e a fala circunscrita ao sentido ou ao conceito.

Lacan se depara com o que fundamenta o pensamento oriental como sendo um

pensamento não-dualista, e especificamente o do Budismo Zen influenciado pelo Tao. E de

fato esse é o cerne do pensamento budista, pois neste há o pressuposto de que o ego e o desejo são inconsistentes, são vistos como ilusão. Daí o budismo preconizar que o praticante chegue a um estágio indiferenciado, uno, entre interior e exterior – o estado de Nirvana.

O conceito de não-dualismo marca um estatuto de não discriminação entre opostos, de uma certa complementaridade entre ambos, ao se ascender a este tipo de entendimento integracionista. Certamente, como veremos no desenvolvimento deste trabalho, existe aí uma posição avessa à da Psicanálise, que exclui a possibilidade que qualquer visão que leve o

10 O signo linguístico de acordo com Ferdinand de Saussure é formado por um significado e um significante. “O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica”

(SAUSSURE,1916 / 2008, p. 80). Ou seja, o signo remete a uma amarração comum na língua, algo que remete a

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sujeito a um estado de harmonia e coesão completas, uma vez inserido nos mal-entendidos da linguagem. O que nos interessa acerca deste termo, o não-dualismo, que permeia a visão Zen, marcamos como sendo o que se desdobra a partir do método empregado para transmiti-lo e não a sua meta final.

Assim, o estudo do Zen e seus desdobramentos metodológicos nos interessam muito mais do que, como disse Lacan, uma “Psicologia oriental” (1962-1963/2005, p. 244), ou uma harmonização dos conceitos orientais aqui tratados à visão da filosofia ocidental ou da Psicanálise. É evidente que tal qual Lacan o fez, não abordaremos o Zen pela via da religiosidade, mas pela via do seu método (ou técnica), como discutiremos ao longo deste trabalho.

Desta forma, explorar a noção de não-dualismo é importante por se tratar de um pressuposto central do Zen e por nos permitir localizar os convites e as limitações que podem ser suscitadas nestas aproximações entre o Zen e a Psicanálise, iniciadas por Lacan em seu ensino.

De acordo com Werneck (2006), a lógica chinesa não se ampara nos pressupostos da lógica aristotélica, como o princípio de Identidade. Na lógica chinesa, o raciocínio é “correlacional” e “analógico”. Os chineses não contam com o verbo “ser” e se apoiam em “uma lógica que não exclui os contrários, mas os integra, como o demonstram os conceitos do Yin e Yang, que são opostos complementares, ‘vazio-pleno’.” (WERNECK, 2006, pp.3-4).

Segundo Humpheys (1977), um renomado teórico do Zen, o método do Zen admite o

“contra-senso”, propositalmente com a finalidade de que o praticante rompa as limitações da mente conceitual. Este método, no entanto, não visa a resolução entre opostos de maneira a resolvê-los (HUMPHEYS, 1977, p. 22). E justamente a não tentativa de superação dos opostos para o Zen se explicita no conceito de não-dualidade.

Abordar um método que se ampara na visão não-dualista pode ter serventia para a Psicanálise, sobretudo se considerarmos o texto “a Negativa” de Freud (1925/2006), no qual ele observa que a negação é a própria expressão de seu exato oposto, uma vez que para o inconsciente não existe o não. A não-dualidade, o não dualismo poderia ser uma via de escape ao circuito infinito de significações e ressignificações. Enquanto método de transmissão, sugerimos ser esta uma via de ato de transmissão no Zen que pode ecoar na Psicanálise enquanto método.11

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Passemos à próxima seção tratando de uma leitura específica da cultura oriental, mais especificamente daquele país do oriente que dá a forma final ao Zen: o Japão. Continuaremos então com esta discussão sobre o conceito de não-dualidade, que pode nos auxiliar em nosso percurso de localização do ato como não estando totalmente alocado no simbólico ou no sentido.

1.4 A leitura de Lévi-Strauss sobre o Japão

O Japão é considerado como o país que emoldura, que dá a “forma final” ao Zen, e daí a serventia de fazer aqui uma aproximação com sua cultura. Ter contato assim, ainda que brevemente, com a cultura japonesa, irá nos ajudar a contextualizar o próprio Zen. Isto será feito via um pensador caro ao ensino de Lacan: Lévi-Strauss. Sabemos que a cultura japonesa viabiliza e modifica o Zen que havia sido desenvolvido na China, como veremos no capítulo 3 sobre o Zen. Mas neste momento destacamos a leitura da cultura japonesa feita por Lévi-Strauss, privilegiando o que desta leitura aponta justamente para aspectos emoldurantes e essenciais do Zen.

De acordo com Roudinesco (2008, p. 286), Lacan conheceu Lévi-Strauss no ano de 1949, em um jantar que foi organizado por Alexandre Koyré, resultando tal encontro em uma relação de amizade, na qual ambos compartilharam entre outros aspectos, o interesse pela arte. O ensino de Jacques Lacan também teve influências diretas do estruturalismo levi-straussiano, pois Lévi-Strauss, enquanto antropólogo e estruturalista, estudou debruçadamente a cultura japonesa, tendo declarado uma paixão pelo Japão desde a infância, tendo em sua vida visitado o país por cinco vezes.

Porém, sabendo desta aproximação entre ambos os pensadores e a influência do estruturalismo no ensino de Lacan, não queremos afirmar que o contato de Lacan com o oriente se equivalha ou provenha especificamente da leitura lévi-straussiana sobre a cultura japonesa. Ainda assim, devido mesmo a esta influência, julgamos relevante trazer aqui as contribuições do antropólogo.

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A despeito de o interesse maior de Lévi-Strauss pelo Japão ser um diálogo acerca principalmente das relações de parentesco e dos mitos, o fundador do estruturalismo nos aponta alguns aspectos cruciais do pensamento nipônico versus o pensamento ocidental – especialmente a se pensar quais destes aspectos confluem na direção do que possibilita o desenvolvimento do Zen no Japão. Segundo Lévi-Strauss (2012), como já apontamos anteriormente, dois importantes aspectos que divergem entre o pensamento do oriente e o do ocidente são duas recusas feitas pelo oriente: a recusa do sujeito e a recusa do discurso12. Abordaremos o que Lévi-Strauss nomeia de recusa do sujeito e recusa do discurso, apontando uma semelhança entre a recusa do sujeito como alocado na razão ou no pensamento feita pela Psicanálise.

Lévi-Strauss vai apontar que o cogito cartesiano sequer pode ser traduzido em japonês, uma vez que o Japão recusa o sujeito de maneira totalmente original em relação ao ocidente, “não faz dele o ponto de partida obrigatório de toda a reflexão filosófica, de toda empreitada de reconstrução do mundo pelo pensamento.” (LÉVI-STRAUSS, 2012, p. 35). Lévi-Strauss (2012) localiza essa recusa do sujeito inclusive na língua japonesa, contudo observando que o que há aí não é um aniquilamento do sujeito, mas uma outra sintaxe.

Os estudos de Lévi-Strauss certamente tocam em alguns aspectos de ruptura e outros de complementaridade entre a cultura ocidental e a japonesa. Suscitam acima de tudo uma abolição do exotismo e do misticismo ao propor paralelos entre a cultura e os mitos japoneses, os europeus e os americanos.

O fator de maior diálogo entre a leitura lévi-straussiana e esta pesquisa se situa nos fenômenos da língua e cultura japonesa que podem subverter a lógica aristotélica ou um paradigma cartesiano para se pensar o sujeito, tal qual a Psicanálise o faz. Este interesse de pesquisa vai justamente ao encontro do que nestes elementos possa ter inspirado os paralelos lançados por Lacan em seu ensino, ao citar o não-dualismo oriental e o Zen.

A partir do exposto, entendemos que coincidem alguns aspectos da abordagem do

sujeito na ótica da Psicanálise lacaniana e na ótica do Zen oriundo do Japão, atestando a serventia de nos aproximarmos, ainda que brevemente, de sua cultura. Lévi-Strauss chega a afirmar que o espírito francês se alinha ao do Japão, a despeito de suas divergências. Em suas palavras, eles “se exercem em campos antitéticos e, no entanto, se equiparam.” (LÉVI-STRAUSS, 2012, p. 32).

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Como dissemos, Claude Lévi-Strauss (2012) coloca que podemos elencar primordialmente dois aspectos de divergência entre a cultura ocidental e a oriental: a recusa do sujeito e a recusa do discurso.13 Segundo nossa interpretação, estes dois aspectos estão em confluência ao que inspirou Lacan em seu olhar sobre o oriente e a contribuição deste olharà Psicanálise. Tais recusas, a do eu e a do discurso, além de estarem presentes no Zen, também se fazem na Psicanálise. Todavia, julgamos necessário esclarecer aqui tais recusas: a recusa do sujeito segundo Lévi-Strauss não se trata do mesmo Sujeito abordado pela Psicanálise lacaniana, como sendo o Sujeito barrado ($). Lévi-Strauss utiliza o termo sujeito como sinônimo de eu. Da mesma forma, a recusa do discurso é tomada aqui como sendo a direcionada ao discurso em sua dimensão de linguagem racional, das premissas estruturadas de acordo com a lógica clássica ou aristotélica. Duas recusas certamente caras à Psicanálise.

Recusa do sujeito, primeiro; pois sob modalidades diversas, o hinduísmo, o taoísmo, o budismo, negam o que para o Ocidente constitui uma evidência primeira: o eu, cujo caráter ilusório essas doutrinas tentam demonstrar. Para elas, cada ser não passa de um arranjo provisório de fenômenos biológicos e psíquicos sem elemento durável tal como um “si”: aparência vã, fadada inelutavelmente a se dissolver. A segunda recusa é a do discurso. (LÉVI-STRAUSS, 2012, p. 34).

Por sua vez, a Psicanálise não recusa o eu, tal qual uma ilusão, como Lévi-Strauss sugere que a filosofia oriental faça. O ponto é que a Psicanálise não aborda o sujeito pela via do eu, ou da consciência, mas sim pela via do inconsciente, como sabemos. Assim, entendemos que as recusas do eu e do discurso feitas pelo pensamento oriental se aproximam à recusa que a Psicanálise faz sobre o sujeito cartesiano racional, caro à cultura ocidental. Vemos tanto na Psicanálise quanto no pensamento oriental a não localização do sujeito, bem como a recusa da “linguagem a serviço da razão.” (LÉVI-STRAUSS, 2012, p. 34).

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2 A PSICANÁLISE E OS IMPASSES DO SENTIDO

No texto O fracasso do sentido em Psicanálise, a psicanalista Lucíola Freitas de Macêdo (2012, p. 2), afirma que, para que a Psicanálise prospere, é necessária a existência de uma dimensão de fracasso. Mas não qualquer fracasso, um fracasso muito específico, o fracasso do sentido. Neste texto a autora retoma a assertiva de Lacan de que “a Psicanálise prospera no fracasso”, e um texto do psicanalista Jacques-Alain Miller, para chegar a esta constatação.

E do que se trata esse fracasso do sentido? Ora, estamos falando dos atos falhos, o sintoma, a parapraxia, os tropeços na fala, pois desde o início a Psicanálise se interessou pelo que não pode ser compreendido pela via exclusiva do sentido. Também podemos nos perguntar sobre qual é o intuito de a Psicanálise sobre este fracasso. O que pode prosperar enquanto o sentido declina? O que prospera é: “A ontologia, enquanto discurso do ser, eixo fundamental do discurso do mestre, o amor transferencial em sua vertente narcísica, e o saber como doação de sentido”(MACÊDO, 2012, pp. 4-5). Mas também: a possibilidade de utilizar a linguagem resistindo à sua estrutura única de significação, o giro, ou mudança subjetiva através do furo no sentido, onde o sujeito tem que se reposicionar perante os seus próprios impasses (de sentido).

É caro à Psicanálise o entendimento de que o fracasso de sentido é uma possibilidade da inserção da falta, sendo esta admitida no âmbito da utilização da linguagem. E a falta é vista como possibilidade de não sucumbir perante as determinações do sentido, bem como do saber via sentido.

De fato, a Psicanálise se posiciona muito peculiarmente em relação ao saber. Há diversas vias de abordar a questão do saber para a Psicanálise, de forma geral sempre apontando para o próprio furo do saber, para as limitações do sentido. Sabemos que o analisante busca a análise para desvendar um saber sobre seu sintoma, e para isso coloca o analista em posição de saber, “Sujeito Suposto Saber”. Lacan preconiza que este saber desvendado em uma análise não é o saber do sentido, mas sim o da falta de sentido, o saber do inconsciente como o “saber que não se sabe”. Desta forma, Lacan marca um avanço da Psicanálise em relação ao não sentido, que lhe permitiu ultrapassar a rocha da castração, ponto limite para a Psicanálise de Freud.

Se Freud recuou perante a rocha da castração – um significante último da ordem do

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instrumentalizou os sujeitos a saber fazer (savoir-faire) com a linguagem algo que possa estar para além da significação ou do sentido.

Assim, observa-se um aspecto de ruptura que fundamenta o ensino de Lacan em relação interpretação via sentido, bem como à Psicanálise do Ego como veremos a seguir. So para falarmos de alguns aspectos de ruptura que Lacan estabelece para a Psicanálise. Observamos que o método proposto por Lacan e desenvolvido posteriormente a sua crítica da Psicanálise do ego, admite o furo, o vazio no sentido, e que se serve da imprevisibilidade de

atos14em sua transmissão, em detrimento do uso da fala e da ação que apostam no sentido.

Principalmente posteriormente ao ano de 196315 na teoria de Lacan, podemos perceber que, se por um lado a Psicanálise atua via fala, não é qualquer verborragia que interessa ao psicanalista. Aqui começa-se a ir para além do simbólico e do sentido. Na contramão do que se possa pensar, o que interessa ao psicanalista na fala do analisante são os tropeços deste em relação ao sentido, a fala apostando no não sentido, em detrimento de um discurso ordenado e coerente.

Diferentemente de Jean Piaget, Lacan (1962-1963/2005) não defendia a possibilidade de uma linguagem sem erros de comunicação. Ele discute este entendimento da linguagem apontando o furo que se instala na compreensão piagetiana, propõe então que o entendimento da fala como algo que serve para comunicar cria um ponto cego, um gap, que o próprio Piaget aponta sem se dar conta. “A essência do erro está em acreditar que a fala tem como efeito, essencialmente, comunicar, quando o efeito do significante é fazer surgir a dimensão do significado.” (LACAN, 1962-1963/2005, pp. 310-311).

2.1 Fala plena e fala vazia16

Já tendo situado a posição teórica de Lacan perante ao não sentido, iremos fazer um breve retrocesso em seu desenvolvimento teórico, para apontar alguns aspectos importantes em sua crítica à Psicanálise de sua época. Tais desenvolvimentos aqui apontados relatam a

14 Para existir uma fundação, um novo começo, o ato preconiza um fim. Lacan utiliza o grupo de Klein para fundamentar em termos matemáticos o ato, mas ele rompe com alguns pressupostos do grupo de Klein, que preconizavam que o começo será idêntico ao final no processo dinâmico de transformação. Na dimensão do ato, o começo é sempre diverso daquele existente antes da ruptura de corte (TORRES, 2010, p.170). Ao ter um novo começo diverso do fim, colocamos o ato do lado do imprevisível e da falta de garantias.

15 Colocado aqui como teoria, pois é efetivamente após aos seus seminários X -A Angústia (1962-1963/2005) e XI-Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise (1964/2008), que Lacan começa a teorizar sobre o real e o furo no sentido. O que não quer dizer que a Psicanálise não se interessasse pelo furo do sentido mesmo antes destas teorizações, como dito no início do capítulo.

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oposição de Lacan à Psicanálise do Ego.

Neste tópico nos situaremos principalmente no texto de Lacan “Função e campo da

fala e da linguagem”, que consiste em um relatório que formaliza um discurso de Lacan apresentado no Istituto di Psicologia della Universitá di Roma, em 26 e 27 de setembro de 1953. Lacan formulava seu ensino nesta época em termos de estabelecer uma primazia e uma autonomia do significante, do estatuto simbólico do inconsciente. E isto estava em oposição às escolas de Psicanálise que, em detrimento da fala e da linguagem, elencavam elementos legitimadores dos desvios técnicos em relação ao método freudiano, o que para Lacan evidentemente era um disparate. Tais elementos desnorteadores das regras analíticas (os quais se poderiam considerar os principais problemas da Psicanálise de sua época), seriam “a) A função do imaginário [...]; b) As noções das relações libidinais de objeto [...]; c) A importância da contratransferência (...)” (LACAN, 1953/1998, pp. 243-44).

Segundo Lacan, tais desvios tratavam “da tentação que se apresenta ao analista de abandonar o fundamento da fala, justamente em campos em que sua utilização, por confinar com o inefável, exigiria mais do que nunca seu exame” (1953/1998, p. 244). O que Lacan evidencia ao abordar o inefável é que a Psicanálise não deve recuar perante o furo no simbólico, tampouco deve se servir de outras ferramentas que estejam para além do campo da fala e da linguagem para lidar com este furo, ou para suturar o que se eclipsa na fala.

Com essas concepções, dentre outras, Lacan rompe com a IPA (International Psychoanalysis Association) e com a Psicanálise do ego então vigentes em sua época, e juntamente com isso ele passa a propor uma subversão de alguns elementos cruciais do método psicanalítico, como a questão do tempo e do dinheiro no manejo clínico, além de mudanças sobre como devem ser as intervenções do psicanalista.

Ironizando sobre o destino da psicologia do ego, Lacan diz que “a síntese de um eu forte se emite como uma palavra de ordem, no coração de uma técnica em que o praticante se concebe como obtendo efeitos por encarnar ele próprio esse ideal”17. (COTTET, 1989, p. 130).

Como Serge Cottet (1989) nos aponta, Lacan se posicionava perante à Psicanálise de sua época como um desvirtuamento da própria Psicanálise que Freud formulara. A “Psicanálise do Ego” estava, como o nome sugere, direcionada ao fortalecimento do Ego, e a posição do psicanalista nesta proposta ia contra o que o próprio Freud preconizara. Nesta clínica da Psicanálise do Ego se visava que o analisante chegasse a uma identificação com o

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ego do analista, numa relação de paridade que tinha como meta o desenvolvimentismo, e que

pressupunha, além disso, o ego do analista como algo ideal(COTTET, 1989, p. 159). Assim,

a ego-psicanálise reduzia a experiência analítica a uma relação dual. E a isto Lacan procurou se opor terminantemente, demarcando sua aversão aos desvios técnicos de uma clínica ideológica.

2.2 Enunciado e enunciação

De acordo com Lacan (1960/1998, p. 816), o sujeito se encontra na discordância entre o enunciado e a enunciação. E em seu seminário Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise (1964/2008), Lacan afirma ser a relação do sujeito com o significante algo primordial à teoria analítica, uma vez que esta relação é constituinte “na função radical do inconsciente” (1964/2008, p. 137). Para desvelar esta relação, e ele trabalha com a distinção entre enunciado e enunciação, demarcando o efeito de mentira do ponto de vista do enunciado, do eu enuncio, do eu penso, e sobre isso “o pensamento lógico demasiado formal introduz absurdos” (1964/2008, p.138).

O “eu minto”, presente no enunciado, estaria dividido do “eu o engano” da

enunciação. ao tentar mentir no enunciado o sujeito diz a verdade, uma vez que o enunciado é por sua vez primordialmente engodo. . Essa distinção fica clara quando se observa uma afirmação como “Eu minto.”. Esta afirmação indica que o sujeito falta com a verdade em seus enunciados, sugerindo que ele faltaria com a verdade inclusive neste enunciado que acaba de ser proferido. Tentar fingir no enunciado é dizer a verdade da enunciação inconsciente. Por isso a posição do analista de valorar a fala do paciente enquanto verdade, mesmo que baseada na mentira ou no fingimento, ou ainda que seja a verdade da tapeação.

O que Lacan (1964/2008) demonstra com esta divisão entre enunciado e enunciação são localizações do sujeito perante sua fala, apropriações mais ou menos comprometidas com algum efeito de verdade. Quanto mais fortalecido o discurso do racional do enunciado, mais avesso ao seu conteúdo de enunciação. Enquanto que, ao mentir ou fingir, o sujeito mente não uma, mas duas vezes, desmentindo a própria posição do enunciado e apontando ao seu furo que é a dimensão da enunciação.

Imagem

Figura 1: A Alienação (Retirada de LACAN, 1964 /2008, p. 207).

Referências

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