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3 FATO DO PRÍNCIPE

3.2 ATO ADMINISTRATIVO

3.2.1 Ato Discricionário

Continuando os estudos no intuito de fazer o devido enquadramento dos atos relativos aos lockdowns, faz-se necessárias as devidas considerações sobre sua discricionariedade ou vinculação.

No ato discricionário há uma certa margem de escolha do estado, como ensina Matheus Carvalho (2019; p. 261):

O ato discricionário, por sua vez, é aquele ato determinado em lei, no qual o dispositivo legal confere margem de escolha ao administrador público mediante análise de mérito (razões de oportunidade e conveniência). Nestes casos, o texto legal confere poder de escolha do agente para atuar com liberdade exercendo o juízo de conveniência e oportunidade, dentro dos limites postos em lei, na busca pelo interesse público.

Sendo assim, o administrador público deve eleger entre algumas opções disponíveis a que melhor se adéque ao caso concreto, logicamente dentro da

legalidade. E consultando os doutrinadores do Direito Administrativo no Brasil, a definição parece um tanto equânime, no sentido de descrever que “[...] atos discricionários seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles”. (DE MELLO; CELSO ANTÔNIO BANDERIA; 2004; P.399).

Muito importante frisar que apesar da margem de escolha, toda discricionariedade decorre de lei e só existe nos limites impostos por esta. Sendo assim, é necessário trazer ponto a ser considerado, na visão de Di Pietro (2009; p. 213):

Nesses espaços, a atuação livre da Administração é previamente legitimada pelo legislador. Normalmente essa discricionariedade existe:

a) Quando a lei expressamente confere à Administração, como ocorre no caso da norma que permite a remoção ex officio do funcionário, a critério da Administração, para atender à conveniência do serviço;

b) Quando a lei é omissa, porque não lhe é possível prever todas as situações supervenientes ao momento de sua promulgação, hipótese em que a autoridade deverá decidir de acordo com os princípios extraídos do ordenamento jurídico;

c) Quando a lei prevê determinada competência, mas não estabelece conduta a ser adotada; exemplos dessa hipótese encontram-se em matéria de poder de polícia, em que é possível à lei traçar todas as condutas possíveis diante de lesão ou ameaça de lesão à vida, à segurança pública, à saúde.

Fica claro pela explanação acima que a discricionariedade tem um caráter vinculado, pois a lei impõe o limite de atuação do estado, mesmo que de forma discricionária.

Alexandrino e Paulo (2006, p. 144) mencionam que “[…] conveniência e oportunidade formam o poder discricionário e esses elementos permitem que o administrador público eleja, entre as várias condutas previstas em lei, a que se traduzir mais propícia para o interesse público”.

Guilherme Guimarães Ludwig (2020, p. 478) ensina que:

[...] há quem entenda que o exercício do poder discricionário é decorrência necessária do trabalho interpretativo com o conceito indeterminado, sob o fundamento de que o suposto fático da norma que o contenha admite várias soluções corretas, em detrimento logicamente da possibilidade controle. Haveria, portanto, vinculação conceitual entre os dois fenômenos, que, ao final, representariam dois enfoques de uma mesma e única figura jurídica.

O exercício do poder discricionário pressupõe a norma delimitadora da ação que a Administração Pública pode exercer.

Com toda a explanação, torna-se incontroverso o raciocínio de que se configura abuso de autoridade ou ato ilegítimo ou ainda nulo, os casos em que o ato discricionário é praticado com finalidade diversa ao interesse público.

3.2.1.1 Ato Vinculado

Diferente do ato discricionário, no ato vinculado o administrador fica adstrito ao sentido objetivo da norma, uma vez que sua atuação passa a ser condicionada a determinados requisitos que se preenchidos a torna obrigatória.

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2004; p. 399) dispõe que “[..] atos vinculados seriam aqueles que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma”.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009; p. 212) o ato é vinculado:

[...] porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. Por isso mesmo se diz que, diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de determinado ato, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial.

Importante trazer à tona o conceito de Matheus Carvalho (2019; p. 282), que brilhantemente ensina sobre alguns elementos do ato administrativo vinculado:

[...] pode-se estabelecer que a competência, finalidade e forma são sempre elementos vinculados, ou seja, a lei os disciplina de forma objetiva, especificando seus requisitos, sem conceder ao agente público margem de escolha em sua atuação. Sendo assim, ainda que a lei defina uma margem de escolha ao agente público na prática do ato, esse mérito não estará definido em nenhum destes três elementos.

Buscando uma mais completa conceituação sobre ato vinculado, tem-se a explanação do professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 885):

A lei, todavia, em certos casos, regula dada situação em termos tais que não resta para o administrador margem alguma de liberdade, posto que a norma a ser implementada prefigura antecipadamente com rigor e objetividade absolutos os pressupostos requeridos para a prática do ato e o conteúdo que este obrigatoriamente deverá ter uma vez ocorrida a hipótese legalmente prevista. Nestes lanços diz-se que há vinculação e, de conseguinte, que o ato a se expedido é vinculado.

Ainda sobre a vinculação dos atos administrativos Mello (2004, p.886) arremata:

Se a lei todas as vezes regulasse vinculadamente a conduta do administrador, padronizaria sempre a solução, tornando-a invariável mesmo perante situações que precisariam ser distinguidas e que não se poderia antecipadamente catalogar com segurança, justamente porque a realidade do mundo empírico é polifacética e comporta inúmeras variantes. Donde, em muitos casos, uma predefinição normativa estanque levaria a que a providência por ela imposta conduzisse a resultados indesejáveis.

Sendo assim, define-se que o ato vinculado não deixa qualquer margem à subjetividade do administrador público, devendo este fazer a averiguação dos pressupostos legais e emanar o ato conforme a lei preconiza.

4 ARTIGO 486 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

Para se compreender a celeuma gerada em torno do referido artigo, faz-se necessária a transcrição do texto disposto da CLT original, datado de 16 de dezembro de 1943:

Art. 486. No caso de paralisação do trabalho motivado originariamente por promulgação de leis ou medidas governamentais, que impossibilitem a continuação da respectiva atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, a qual, entretanto, ficará a cargo do Governo que tiver a iniciativa do ato que originou a cessação do trabalho. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 6.110, de 16.12.1943).

Porém em 1951, a Lei n. 1.530 alterou o diploma legal para o texto que segue:

Art. 486. No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei 1.530, de 26.12.1951).

O artigo 486 da CLT traz um enquadramento amplo, porquanto o ato pode ser de autoridade municipal, estadual ou federal ou ainda por promulgação de lei ou resolução, prevalecendo o pagamento da indenização que ficará a cargo do governo responsável. Essa redação não é exauriente, uma vez que para a configuração do fato do príncipe, carece de complementação legislativa.

Importante trazer a reflexão de Alexandre Agra Belmonte (2020, p. 439):

Por fim, a partir do momento em que a CLT, no art. 486, atribui à autoridade governamental a responsabilidade financeira pela paralisação ou cessação de atividade empresarial por decisão administrativa, fica a dúvida se ela compreenderia os atos governamentais regionais e locais de fechamento temporário de atividades empresariais, ou a recomendação do governo federal de observância da quarentena.

O aspecto determinante para a aplicação do artigo 486, estaria na incidência direta do ato governamental no elemento decisivo para a ruptura do contrato de trabalho, ou seja, sem o ato emanado pelo ente público, o contrato vigeria normalmente. Este pensamento é embasado por Vólia Bomfim Cassar (2020, p. 800):

Entendemos que, em certos casos, quando a paralisação da atividade foi determinada pelo poder público, estará presente a hipótese do artigo 486 da CLT, isto é, o factum principis ou fato do príncipe. Isto se explica por que não existe lei que obrigue ao fechamento ou paralisação das atividades e à prática exata das medidas que estão sendo tomadas, não se caracterizando, por isso em ato vinculado.

Porém antes de entrar nessa seara, faz-se necessário entender os aspectos histórico do artigo 486 da CLT.

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