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Jurisprudências e entendimentos dos tribunais

3 FATO DO PRÍNCIPE

4.1 HISTÓRICO

4.1.1 Aplicação do Artigo 486 (Discricionário ou Vinculado?)

4.1.1.2 Jurisprudências e entendimentos dos tribunais

Com o passar do meses, após o início da vigência da MP n. 927, iniciou-se no judiciário, por parte de algumas empresas, a busca pelo enquadramento do fato do príncipe nos lockdowns.

No Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, foi proferida a seguinte decisão:

FACTUM PRINCIPIS. ART. 486 DA CLT. PANDEMIA DO CORONAVÍRUS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CRÉDITOS TRABALHISTAS IMPUTÁVEIS AO EMPREGADOR. A figura jurídica do factum principis estatuída no art. 486 da CLT, doutrinariamente caracterizada modalidade de força maior, se constitui causa de resolução da avença laboral pela inviabilidade de sua permanência por ato absolutamente alheio à vontade do empregador, uma vez que imputável a responsabilidade pela paralisação do empreendimento à pessoa

de direito público. Entretanto, não se configura quando não se tem sequer notícia de encerramento das atividades empresariais, sendo certo que paralisações temporárias, com o intuito precípuo de resguardar a saúde pública coletiva, não têm o condão de atrair a responsabilidade dos entes públicos invocados. Nesse passo, fica atribuído à empregadora o ônus da satisfação dos créditos trabalhistas ao trabalhador reconhecidos na demanda. (TRT12 - RemNecRO - 0000783-21.2020.5.12.0005, LIGIA MARIA TEIXEIRA GOUVEA, 5ª Câmara, Data de Assinatura: 17/03/2021).

O Tribunal Catarinense tem sedimentado o entendimento que para a aplicação do fato do príncipe e consequentemente do artigo 486, da CLT, necessariamente deve haver o encerramento das atividades da empresa. Segue trecho retirado do acórdão:

A figura jurídica do factum principis estatuída no art. 486 da CLT, doutrinariamente caracterizada modalidade de força maior, se constitui causa de resolução da avença laboral pela inviabilidade de sua permanência por ato absolutamente alheio à vontade do empregador, uma vez que imputável a responsabilidade pela paralisação do empreendimento à pessoa de direito público.

Entretanto, não se configura quando não se tem sequer notícia de encerramento das atividades empresariais, sendo certo que paralisações temporárias, com o intuito precípuo de resguardar a saúde pública coletiva, não têm o condão de atrair a responsabilidade dos entes públicos invocados.

A simples perda de receita pelo lockdown não reúne argumentos suficientes para invocar o artigo 486, como sustentado acima pelo E. TRT12.

O E. TRT 4, com jurisdição no Rio Grande do Sul, tem entendimento similar ao tribunal catarinense. Em recente decisão, o tribunal gaúcho não acatou o pleito de uma empresa que, passando por sérias dificuldades financeiras, insurgiu-se em recurso ordinário, reiterando o pedido da aplicação do artigo 486 da CLT.

EMENTA LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO VALOR DOS PEDIDOS INDICADOS NA PETIÇÃO INICIAL. Caso em que afastada a limitação do valor da condenação à estimativa dos pedidos constante na petição inicial, uma vez que o § 1º do art. 840 da CLT estabelece tão somente a indicação das quantias estimativas das verbas postuladas, não sendo exigida a liquidação dos pedidos. Atividades da empresa foram suspensas, atraindo a incidência do artigo 486 da CLT. Requer a declaração de nulidade da sentença [...]; [...] chamado fato do príncipe, de que trata o artigo 486, da CLT, porque, como já referido, as ações do Estado [...]; [...] causa humana ou natural. (TRT4 - RO – 0020308-08.2020.5.04.0782, CLOVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS, 2ª Turma, Data de Assinatura: 15/04/2021).

Ainda no TRT da 4ª Região, chama a atenção a decisão sobre a competência para julgar a matéria, assunto que será abordado em tópico específico mais a frente no presente trabalho.

FATO DO PRÍNCIPE. MATÉRIA DE DEFESA. Nos termos do art. 486 e seus §§, da CLT, a alegação de fato do príncipe é matéria de defesa, como fundamento de excludente de responsabilidade do empregador. A relação jurídica subjacente à lide (ressarcimento do ente particular pelo município) não se inclui na competência material da Justiça do Trabalho. (TRT4 - ROT

– 0020241-77.2020.5.04.0124, CARLOS ALBERTO MAY, 11ª Turma, Data de Assinatura: 18/12/2020).

O TRT da 15ª Região, situado em Campinas/SP, perfilha de entendimento similar em relação aos julgados analisados anteriormente.

FATO DO PRÍNCIPE - COVID-19. INOCORRÊNCIA. MOTIVO DE FORÇA MAIOR. CARACTERIZAÇÃO. VERBAS RESCISÓRIAS - MULTA FUNDIÁRIA E AVISO PRÉVIO DEVIDOS - REDUÇÃO DE 50%. I - O fato do príncipe na seara trabalhista inocorre em razão da pandemia do coronavírus (art. 486, CLT). Porquanto os atos normativos inerentes das esferas federal, estadual e municipal foram editados para combater a pandemia atendendo recomendação da OMS. Não se trata de ato discricionário da administração visando interesse ou alguma vantagem. Não havendo que se falar em responsabilização do Poder Público pelas obrigações trabalhistas rescisórias. II - O motivo de força maior resta caracterizado, em razão da decretação do estado de calamidade pública decorrente do Covid-19. As verbas rescisórias são devidas pelo empregador, por conta do risco da atividade econômica. A multa de 40% do FGTS e o aviso prévio indenizado são devidos com deságio de 50%, tendo em vista motivo de força maior. Recurso do reclamante provido parcialmente. (TRT15 - RO – 0010635-68.2020.5.15.0043, EDISON DOS SANTOS PELEGRINI, 10ª Câmara, Data de Assinatura: 16/09/2020).

Fica evidente que o posicionamento do judiciário tem sido no sentido de reconhecer que o lockdown decretado por prefeitos e governadores não foi ato discricionário, mas sim vinculado. Vinculado a uma recomendação da OMS.

Nesta esteira, interessante trazer uma reflexão da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 614):

[...] segundo alguns autores, o Estado só responde se o dano decorrer de ato antijurídico, o que deve ser entendido nos seus devidos termos. Ato antijurídico não pode ser entendido, para esse fim, como ato ilícito, pois é evidente que a licitude ou ilicitude do ato é irrelevante para fins de responsabilidade objetiva; caso contrário, danos decorrentes de obra pública, por exemplo, ainda que licitamente realizada, não seriam indenizados pelo Estado. Somente se pode aceitar como pressuposto da responsabilidade objetiva a prática de ato antijurídico se este, mesmo sendo lícito, for entendido como ato causador de dano anormal e específico a determinadas pessoas, rompendo o princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais. Por outras palavras, ato antijurídico, para fins de responsabilidade objetiva do Estado, é o ato ilícito e o ato lícito que cause dano anormal e específico.

Destarte, os Tribunais Regionais do Trabalho vêm entendendo que o dano específico não está caracterizado, uma vez que a grande maioria das atividades estão sendo afetadas pelos lockdowns.

Apesar do factum principis não ter uma ocorrência significativa no que diz respeito ao êxito por parte das empresa, o julgado a seguir mostra uma posição a favor da aplicação da referida teoria:

A reclamada atribui o não pagamento das verbas devidas aos autores às dificuldades financeiras que passou a enfrentar em virtude de atos ilegais

praticados pela União e pelo INPI, que concedeu, de forma irregular, a patente do principal medicamento produzido por ela a uma multinacional francesa. Assim, afirma ter ficado impossibilitada de produzir e comercializar o medicamento que representava cerca de 85% do seu faturamento. Para que se configure o fato do príncipe, e teor do disposto nos artigos 486 e 501 da CLT, é preciso que o ato da autoridade, praticado de forma inevitável e imprevisível, para o qual o empregador não concorreu de forma direta ou indireta, acarrete a completa impossibilidade de continuidade da atividade empresarial, em seu todo ou de forma parcial, desde que no setor em que laborava o empregado. [...] Os elementos destacados convencem que as atividades da reclamada foram comprometidas, ao menos parcial e temporariamente, mas de forma contundente na área de trabalho dos autores, por ato governamental de caráter inevitável e imprevisível, para o qual a reclamada não concorreu. Sendo assim, fazem-se presentes, ao menos um exame preliminar, os pressupostos caracterizadores do factum principis. (TRT3, RO 0000621-88.2011.5.03.0038, Turma Recursal de Juiz de Fora/11ª Turma, Rel. Des. Heriberto de Castro, DEJT 15/11/2011).

Vale ressaltar que ainda não foram julgados os recursos no âmbito da Covid-19 no Tribunal Superior do Trabalho, e, portanto ainda se desconhece em qual caminho a jurisprudência da corte irá trilhar.

A título de exemplo, pesquisou-se a jurisprudência no sitio do TST com o assunto factum principis, e o resultado remete ao fechamento das casas de bingo no início dos anos 2000 e neste caso, percebeu-se que o entendimento majoritário é que a atividade foi concedida a título precário, ou seja, não havia uma autorização definitiva para o funcionamento.

5 CONSEQUÊNCIAS PECUNIÁRIAS DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 486

Para que se possa enquadrar as verbas trabalhistas que seriam afetadas caso fosse aplicado o fato do príncipe nos lockdowns, faz-se necessário o explanação das diferentes verbas que envolvem uma resolução contratual.

Maurício Godinho Delgado (2014, p. 563) nos traz a relação dessas verbas:

As parcelas rescisórias devidas, em conformidade a cada um dos tipos de ruptura contratual, assim se dispõe:

a) Extinção normal do contrato (cumprimento do prazo prefixado) – 13º salário proporcional; férias proporcionais com 1/3 (Súmula 328, TST); liberação de FGTS (sem 40%);

b) Extinção contratual em face da dispensa antecipada pelo empregador – as mesmas verbas acima mencionadas (13º salário proporcional, férias proporcionais com 1/3 e liberação de FGTS). A tais parcelas acresce-se a indenização do art. 479 da CLT (valor no importe da metade dos salários que seriam devidos pelo período restante do contrato). São cabíveis, também, os 40% de acréscimo sobre o FGTS.

c) Extinção contratual em face do pedido de demissão antecipada pelo empregado – as parcelas devidas serão o 13º salário proporcional e as férias proporcionais com 1/3 (Súmulas 328 e 261 do TST, esta com nova redação, desde novembro de 2003: RES. 121/TST). Aqui o trabalhador não sacão FGTS. Mas ainda: pela CLT, o obreiro poderá ser compelido a indenizar o empregador pelos prejuízos resultantes da ruptura antecipada (art. 480, caput), indenização que não poderá suplantar “àquela a que teria direito o empregado em idêntica condições” (parágrafo único do art. 480 combinado com art. 479, CLT);

d) Extinção contratual em face de pedido de demissão ou dispensa antecipadas, havendo no contrato cláusula assecuratória do direito recíproco de antecipação rescisória – incidem todas as parcelas rescisórias típicas de contratos de duração indeterminada, caso se trate de dispensa efetivada pelo empregador (aviso-prévio, inclusive com projeção no contrato; 13º salário proporcional; férias proporcionais com 1/3; FGTS com 40%).

Evidente que o salário e a gratificação natalina, sejam integrais ou proporcionais, estariam blindadas da aplicação do fato do príncipe, uma vez que se tratam de contraprestação pelo labor realizado. Sendo assim, pode-se deduzir que as verbas de natureza indenizatória poderiam ser atingidas pela aplicação do art. 486 da CLT, enquanto as verbas de natureza contraprestacional não estariam envolvidas.

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