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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA RANGEL IZIDÓRIO ELIAS

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA RANGEL IZIDÓRIO ELIAS

FACTUM PRINCIPIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO EM TEMPOS DE

COVID-19:

APLICAÇÃO DO ARTIGO 486 DA CLT

Içara 2021

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RANGEL IZIDÓRIO ELIAS

FACTUM PRINCIPIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO EM TEMPOS DE

COVID-19:

APLICAÇÃO DO ARTIGO 486 DA CLT

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de bacharel.

Orientador: Prof. Francisco Luiz Goulart Lazendorf, Esp.

Içara 2021

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À minha esposa, servidora da Justiça do Trabalho, que me despertou o interesse pelo Direito do Trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Manoel e Ana, por toda a dedicação na formação do meu caráter e educação. À minha filha que me faz superar a cada dia, tentando ser uma pessoa melhor e contribuindo decisivamente na construção da sua personalidade. À minha esposa que pacientemente entendeu todo o período de estudos e todas os finais de semana em que eu dediquei a graduação.

Aos professores da Unisul, unidade de Içara, que proporcionaram a transmissão de todo o conhecimento adquirido por mim nesses 5 anos de estudo. Agradeço também aos funcionários da Unisul, pela paciência em resolver meus problemas acadêmicos, bem como facilitar a resolução destes.

Apesar da pouca fé que possuo, agradeço a Deus, por me proporcionar a família maravilhosa que possuo e zelar pela minha saúde. Procuro retribuir a tudo isso sendo um cidadão correto e ajudando, na medida do possível, as pessoas que necessitam.

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“A justiça não consiste em ser neutro entre o certo e o errado, mas em descobrir o certo e sustentá-lo, onde quer que ele se encontre, contra o errado”. (Theodore Roosevelt, 1914).

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RESUMO

O presente trabalho visa esclarecer a aplicação do artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) depois dos lockdowns decretados em razão da Covid-19. Dentro deste assunto, aborda-se o cabimento do factum principis nas rescisões contratuais dele decorrente. A hipótese de aplicação do referido artigo, bem como a teoria não é aplicável às rescisões contratuais individuais, uma vez que os lockdowns se deram em caráter geral, afetando toda a coletividade e não um determinado local ou atividade. Método: o método utilizado para desenvolvimento da pesquisa foi o doutrinário, jurisprudencial e a legislação. Conclusão: a resposta para a pergunta central do trabalho, aplicação do fato do príncipe nos lockdowns, foi de que não é possível sua aplicação uma vez que toda a sociedade foi atingida e não apenas um setor específico da cadeia produtiva.

Palavras-chave: Factum Principis. Artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Lockdown.

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ABSTRACT

The present article aims to clarify the application of article 486 of the CLT after the lockdowns were decreeted by Covid-19 and, within this subject, the fitting of the factum principis in contractual terminations due to these lockdowns. The hypothesis of application of that article, as well as the theory, is not applicable to contractual terminations since the acts took place in a general caracter, affecting the entire community and not a particular location or activity. Method: the method used to develop the research was doctrinal, jurisprudence and legislation in force. Conclusion: the answer to the central question of the article was the non-application since the lockdown reached the whole society and not just a specific sector of the production chain.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 FORÇA MAIOR NO DIREITO DO TRABALHO ... 11

2.1 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ... 13

2.2 TEORIA DA IMPREVISÃO ... 15

2.2.1 TEORIA DA FORÇA MAIOR ... 17

2.2.1.1 Cláusula Rebus Sic Stantibus ... 19

3 FATO DO PRÍNCIPE ... 22

3.1 TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES ... 24

3.2 ATO ADMINISTRATIVO ... 26

3.2.1 Ato Discricionário ... 28

3.2.1.1 Ato Vinculado ... 30

4 ARTIGO 486 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO ... 32

4.1 HISTÓRICO ... 33

4.1.1 Aplicação do Artigo 486 (Discricionário ou Vinculado?) ... 34

4.1.1.1 Medida Provisória n. 927, de 22 de março de 2020 ... 36

4.1.1.2 Jurisprudências e entendimentos dos tribunais ... 40

5 CONSEQUÊNCIAS PECUNIÁRIAS DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 486 ... 44

5.1 VERBAS A SEREM ATINGIDAS PELA APLICAÇÃO DO ARTIGO 486 ... 44

5.1.1 Tipo de intervenção de terceiro a ser aplicada ... 46

5.1.1.1 Competência para julgar ... 47

6 CONCLUSÃO ... 50

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1 INTRODUÇÃO

Em 2019 iniciou-se um dos maiores desafios da geração atual. Na China mais precisamente em Wuhan, um vírus extremamente infeccioso e possuindo uma mortalidade maior que as gripes comuns começou a agir com velocidade se alastrando pelo globo terrestre, denominando-se coronavírus ou Covid-19. Os efeitos dessa pandemia, classificação que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou em 11 de Março de 2020, começaram de fato a serem sentidos em nosso país no final de Março de 2020.

O que se viu foi uma corrida das autoridades em fechar estabelecimentos, manter todos em casa e permitir a abertura apenas de estabelecimentos de primeira necessidade. O Decreto 10.282/2020 e a Medida Provisória 926/2020 trouxeram várias regras que complementaram a Lei 13.979/2020, elencando quais seriam os estabelecimentos e serviços de primeira necessidade.

Os impactos na economia foram catastróficos. Empresas fecharam, a renda familiar foi seriamente afetada, as contas públicas foram esfaceladas e todo esse movimento teve impacto direto no mercado de trabalho e, por consequência, nas relações de emprego.

Governos estaduais e municipais decretaram lockdowns e empresários ficaram sem receita para manter as operações de suas empresas. Muitos tiveram que encerrar suas atividades e dispensar seus empregados. Neste contexto, nasce uma celeuma no mundo jurídico trabalhista: as determinações da administração pública, diante da pandemia do coronavírus determinando o lockdown fica caracterizado a teoria do fato do príncipe ou teoria do factum principis? Esse é o correto enquadramento?

Importante salientar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) possui alguns artigos que dispõem sobre imprevisibilidade, força maior e o fato do príncipe, cabendo aos operadores do direito fazer as ponderações e aplicar ao caso concreto o instituto correspondente. Porém esses mesmos dispositivos são omissos quanto à competência para julgar, bem como o tipo de intervenção de terceiros a aplicar no caso concreto. Outro ponto muito importante é que a redação da CLT remonta a década de 1940.

Para o embasamento de todo o trabalho, foram feitas pesquisas bibliográficas de doutrinadores brasileiros, seja no Direito Administrativo, no Direito do Trabalho e no Direito Processual Civil. Pode-se destacar também a contribuição da jurisprudência

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dos Tribunais brasileiros, acerca do assunto central do trabalho, que é a aplicação do artigo 486 da CLT e a teoria do Fato do Príncipe nas rescisões contratuais de emprego por conta dos lockdowns decretado por prefeitos e governadores no âmbito da Covid-19.

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2 FORÇA MAIOR NO DIREITO DO TRABALHO

Antes de iniciar o assunto, faz-se necessário a contextualização de um raciocínio lógico jurídico no sentido de definir a figura do empregador, que está inserido no artigo 2º, caput, da CLT:

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço.

Nesta definição destaca-se a subordinação – requisito indispensável para caracterizar uma relação de emprego - que está diretamente ligada à figura do empregador e à relação trabalhista. “Como se percebe, no Direito do Trabalho a subordinação é encarada sob um prisma objetivo: ela atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador. É, portanto, incorreta, do ponto de vista jurídico, a visão subjetiva do fenômeno, isto é, que se compreenda a subordinação como atuante sobre a pessoa do trabalhador, criando-lhe certo estado de sujeição”. (DELGADO; MAURICIO GODINHO, 2016, p. 311).

Em que pese o empregado estar submetido à subordinação, a relação de emprego está sujeita ao caso fortuito ou força maior, que são causas alheias à vontade do empregador e suficientes para tornar impossível as prestações de trabalho de cunho sucessivo. É importante destacar que não é necessário que o caso fortuito ou a força maior sejam caracterizados como um ato de terceiro ou de uma força da natureza.

Contudo, parte relevante da doutrina associa o caso fortuito à característica de imprevisibilidade e a força maior, à inevitabilidade. A força maior, segundo Maria Helena Diniz (2009, p. 289) se resume a:

(...) na força maior por ser um fato da natureza, pode-se conhecer o motivo ou a causa que deu origem ao acontecimento, como um raio que provoca um incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos.

Já para Sebastião de Assis Neto (2019, p. 806):

Fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, decorrente de ação humana de terceiros que se sobrepõe às forças do devedor.

Já no que concerne à legislação, tem-se no Código Civil, Lei 10.406/2002, em seu artigo 393, parágrafo único, a definição do caso fortuito ou de força maior:

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Parágrafo único: O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Logo, pode-se definir que a força maior ou o caso fortuito é todo evento adverso, seja por força da natureza ou por evento no qual o empregador não tenha contribuído para o seu acontecimento.

Os conceitos trazidos acima são buscados no Direito Civil, porém estes podem ser perfeitamente utilizados no Direito do Trabalho. Assim, em momento oportuno será trazido à baila a Teoria do Diálogo das Fontes para uma melhor integração entre os ramos do direito.

Na esfera do Direito Administrativo, tem-se esses conceitos no que tange a atuação estatal, uma vez que o objeto central deste trabalho é a administração pública agindo diretamente nas relações trabalhistas e empresariais.

Na tentativa da doutrina em associar o caso fortuito à característica da imprevisibilidade e a força maior, à qualidade da inevitabilidade no direito do trabalho, Orlando Gomes (2008, p. 180) adverte:

(...) todo o esforço da doutrina para bifurcar o acaso resultou numa confusão, que hoje se procura evitar, ou mesmo contornar, eliminando-a pura e simplesmente, ostenta à circunstância de que é igual o efeito atribuído pela lei.

O legislador ordinário porém, conceituou a força maior no caput do artigo 501, da CLT preceituando que força maior consiste em “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.

Importante consignar que a Medida Provisória (MP) n. 927, de 22 de maio de 2020, trazia em seu artigo 2º que empregadores e empregados, em razão da força maior e do interesse público, poderiam celebrar acordo individual escrito, sem prejuízo da negociação coletiva, a fim de manterem o vínculo empregatício, com preponderância sobre instrumentos normativos, legais e negociados, respeitados os limites constitucionais. O comando citado neste parágrafo está diretamente ligado ao direito do trabalho, mesmo disciplinado em uma Medida Provisória.

No que diz respeito aos efeitos da força maior na extinção contratual trabalhista, Geonor de Souza Franco Filho (2020, p. 463) ensina:

Atingido esse dramático estado de estrangulamento financeiro, a ponto de fazer soçobrar o empreendimento empresarial e, por consequência, extinguir contratos de trabalho, exsurge diante dos envolvidos a seguinte diretriz legal: i) de um lado, atendendo ao polo obreiro, o legislador confere à extinção

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contratual efeitos de dispensa imotivada; ii) por outro, atendendo ao polo patronal, o legislador estabelece redução pela metade da “indenização” resolutiva devida (art. 502 da CLT), amortizando, em alguma medida, a dívida. Daí percebe-se que, no Direito do Trabalho, a força maior não desonera o empregador da obrigação de pagar haveres rescisórios; mitiga-a apenas, em uma espécie de distribuição equânime do ônus do acontecimento lesivo, constituindo exemplo de previsão celetista excetiva ao clássico vetor jurídico de que os riscos do empreendimento recaem sobre os ombros do empregador (CLT, art. 2º).

A ocorrência de força maior na CLT permite inclusive que o empregador extrapole a legalidade da não permissão do exercício de hora extra, como exemplo, o contrato do aprendiz, disposto no artigo 61, caput. Sendo assim, é permitido ao aprendiz a prorrogação da jornada se o seu trabalho for imprescindível ao funcionamento do estabelecimento.

2.1 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Para que se entenda os fatos imprevistos e a força maior no âmbito do direito do trabalho, faz-se necessário explanar sobre os tipos de extinção do contrato de trabalho. Importante salientar que a CLT traz em seu corpo um princípio inerente à rescisão contratual, que é o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego. Para Maurício Godinho Delgado (2016, p. 212):

Informa tal princípio que é interesse do Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em determinada sociedade.

O princípio acima citado era de grande importância antes da promulgação da Lei 5.584, de 26 de junho de 1970, uma vez que ao empregado era concedida a estabilidade decenal quando contasse com mais de dez anos na mesma empresa, não podendo ser dispensado, a não ser por motivo de falta grave ou força maior, conforme artigo 492 da CLT.

Com o advento da lei suprarreferida, os empregados contratados poderiam optar pela estabilidade no emprego ou pelo direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Porém, aos empregadores era preferível que o empregado optasse pelo sistema do FGTS, ocasionando a mitigação do princípio da continuidade da relação de emprego.

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A Constituição Federal de 1988 extinguiu definitivamente a estabilidade decenal, inserindo entre os seus dispositivos o direito ao FGTS a todos os trabalhadores, afastando a incompatibilidade deste com qualquer eventual sistema de garantia. Concomitante a isso, trouxe a previsão da proteção à dispensa arbitrária ou sem justa causa, apesar da Lei n. 5.584/70 já ter previsto a multa por esse tipo de dispensa.

Após a explanação sobre o princípio da continuidade das relações de emprego, faz-se necessário conceituar as modalidades de extinção do contrato de emprego que pode ser classificadas em: resilição, resolução e rescisão.

Para Maurício Godinho Delgado (2016, p. 1252):

A resilição contratual: corresponderia a todas as modalidades de ruptura de contrato de trabalho por exercício lícito da vontade das partes. Neste grupo englobar-se-iam três tipos de extinção contratual: em primeiro lugar, a resilição unilateral por ato obreiro (chamada de pedido de demissão). Em segundo lugar, a resilição unilateral por ato empresarial (denominada dispensa ou despedida sem justa causa ou, ainda, dispensa desmotivada). Em terceiro lugar, a figura da resilição bilateral do contrato, isto é, o distrato.

Ou seja, a resilição é mera expressão da vontade das partes em colocar fim ao contrato, seja por vontade unilateral ou em acordo, neste caso bilateral.

Já a “[...] resolução contratual corresponderia a todas as modalidades de ruptura do contrato de trabalho por descumprimento faltoso do pacto por qualquer das partes (infrações obreiras e empresariais); englobaria também a extinção do contrato em virtude da incidência de condição resolutiva.” (DELGADO; MAURICIO GODINHO, 2016, p. 1253).

Ainda sobre a resolução contratual, continua Delgado:

Neste grupo estariam enquadrados quatro tipos de extinção contratual. Em primeiro lugar, a resolução contratual por infração obreira, que se chama dispensa por justa causa. Em segundo lugar, a resolução contratual por infração empresarial, que se denomina dispensa ou despedida indireta. Em terceiro lugar, a resolução contratual por culpa recíproca das partes contratuais. Em quarto lugar, finalmente, a resolução contratual por implemento de condição resolutiva.

E finalmente, a rescisão contratual, que é que a cisão do contrato em razão de uma nulidade. “É o que ocorreria, hoje, com contratos efetivados pelas entidades estatais, sem observância de prévio concurso público (Súmula 363, TST). Ou ainda, com contratos que concretizem atividade ilícita – objeto ilícito (ilustrativamente, OJ 199, SDI-I/TST).” (DELGADO; MAURICIO GODINHO, 2016, p. 1253).

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Apesar da CLT e a cultura trabalhista convencionarem rescisão como todo e qualquer tipo de término de contrato de trabalho, nota-se que a expressão é específica para um tipo determinado de extinção.

2.2 TEORIA DA IMPREVISÃO

Dentro do Direito do Trabalho a imprevisibilidade foi devidamente contemplada na CLT, mais precisamente no artigo 501, §1º, ipsis litteris:

Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.

Além do dispositivo acima mencionado, é necessário fazer alusão à necessidade de ausência de concurso do empregador para a ocorrência de acontecimento gravoso.

Também na álea trabalhista, para Alexandre Agra Belmonte (2020, p. 438) ensina sobre a teoria da imprevisão:

De qualquer sorte, o caso fortuito, a força maior e o fato do príncipe são os fatores ao mesmo tempo imprevistos e inevitáveis, contidos da Teoria da Imprevisão, e que, verificados, atuam de forma a intervir na dinâmica dos contratos de trabalho.

Importante consignar que “[...] a doutrina moderna tem reconhecido a teoria da imprevisão (nova roupagem da cláusula rebus sic stantibus), ou seja, a revisão judicial do pactuado a favor da parte onerada injustamente em virtude de acontecimentos extraordinários”. (CAVALCANTE; JORGE NETO E, 2019, p. 186).

No Direito Administrativo, a teoria da imprevisão tem sua formação no assunto contratos administrativos e possui previsão legal na Lei n. 8.666/93 em seu artigo 65, §5º dispondo:

Quaisquer tributo ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem com a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

A doutrina pátria, no mesmo sentido, reconhece a teoria da imprevisão e disciplina o equilíbrio econômico financeiro essencial para a sobrevivência no mundo empresarial. Para Matheus Carvalho (2019, pág. 564), a teoria da imprevisão:

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Ocorre nos casos em que há uma situação fática não prevista quando da celebração do contrato, portanto imprevisível, que venha a alterar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, com reflexos em sua execução. Em virtude desta situação, se faz necessária a recomposição dos preços.

Apesar de o texto constitucional prever que cabe ao empregador o risco econômico do negócio, se entende que caso o empreendimento venha a prosperar de forma significativa, o empresário usufruirá das benesses, e em caso contrário, deverá suportar os ônus, que não poderão refletir nos empregados.

Na mesma linha de raciocínio, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2015, p. 329 e 331) leciona:

Álea econômica, que dá lugar à aplicação à aplicação da teoria da imprevisão, é todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado. [...] Aliada essa norma aos princípios já assentes em doutrina, pode-se afirmar que são requisitos para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pela aplicação da teoria da imprevisão, que o fato seja: 1. Imprevisível quanto à sua ocorrência ou quanto às consequências; 2. Estranho à vontade das partes; 3. Inevitável; 4. Causa de desequilíbrio muito grande no contrato.

Inegavelmente o risco da atividade recai sobre o empregador, ficando muito claro pela redação do artigo 2º, da CLT. Crises econômicas são de caráter cíclicos e inevitáveis. Até mesmo a obsolescência de determinado modelo de negócio pode ser decretado pela seletividade do mercado e esses casos não se pode de forma nenhuma caracterizar-se como força maior. Porém, não seria justo que a força maior fosse mais prejudicial ao trabalhador do que um cometimento de falta grave por parte desse, como o que ocorre na hipótese de culpa recíproca ou ainda “dificuldades financeiras por má gestão ou em razão e crise econômica do País, a greve e a falência, como a recuperação judicial ou mesmo a liquidação extrajudicial”. (CARVALHO, AUGUSTO CÉSAR LEITE DE; SÃO PAULO, 2019, P. 495).

Para os devidos esclarecimentos, faz-se necessário ainda trazer a reflexão da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018, p 370):

Ainda com relação a álea econômica que justifica a aplicação da teoria da imprevisão, cumpre distingui-la da força maior.

Nesta estão presentes os mesmos elementos: fato estranho à vontade das partes, inevitável, imprevisível; a diferença está em que, na teoria da imprevisão, ocorre apenas um desequilíbrio econômico, que não impede a execução do contrato; e na força maior, verifica-se a impossibilidade absoluta de dar prosseguimento ao contrato. As consequências são também diversas: no primeiro caso, a Administração pode aplicar a teoria da imprevisão, revendo as cláusulas financeira do contrato, para permitir a sua continuidade, se esta for conveniente par ao interesse público; no segundo caso ambas as partes são liberadas, sem qualquer reponsabilidade por inadimplemento,

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como consequência da norma do artigo 3936 do Código Civil. Pela Lei nº 8.666/93, a força maior constitui um dos fundamentos para a rescisão do contrato *art. 78, XVII), tendo esta efeito meramente declaratório de uma situação de fato impeditiva da execução.

Tanto é verdade que a jurisprudência trabalhista vem entendendo que nos contratos com a administração pública, a teoria da imprevisibilidade não deve ser suscitada sem motivo forte e imponderável, isso porque este contrato em tese é precário, pois caso a empresa não preste um serviço de excelência e a preços módicos à população o poder concedente pode rescindi-lo unilateralmente, oportunidade em que a rescisão não caracterizará a imprevisibilidade.

2.2.1 TEORIA DA FORÇA MAIOR

Inegavelmente caracteriza-se a força maior como acontecimento de extrema gravidade, podendo afetar substancialmente a situação econômica e financeira da empresa. Ou ainda, “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta e indiretamente” (DELGADO, 2019).

Para Belmonte (2020, p. 440), força maior:

[...] é o fato humano alheio e transcendente à vontade das partes, sem possibilidade de imputação a pessoa determinada, com concentração da ocorrência em relação ao acontecimento em si mesmo, e que vem a interferir numa relação jurídica sem possibilidade de ser evitado, como invasão de território, guerra ou guerra civil, pânico coletivo, racionamento de energia elétrica.

No capítulo VIII da CLT, dedicado a força maior, o artigo 502 prevê a permissão do pagamento de metade da indenização devida caso a dispensa do empregado se desse sem justa causa. Importante ressaltar, que o texto do artigo mencionado foi concebido sob a égide do sistema da estabilidade decenal, inicialmente contemplando os ferroviários (Decreto Legislativo nº 4.682/1923, art. 42), e posteriormente abrangendo os trabalhadores da indústria e do comércio por meio da Lei n. 62/1935, estendendo a todos os trabalhadores após o advento da CLT. Para que o contexto fique claro, transcreve-se o artigo 502, da CLT:

Art. 502 – Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I – sendo estável, nos termos do arts. 477 e 478;

II – não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;

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III – havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.

Apesar da estabilidade decenal, o artigo 502 prevê a extinção do vínculo empregatício por cessação das atividades da empresa ou por motivo de força maior. Por analogia, é possível deduzir que a redução da indenização prevista nos incisos do art. 502 da CLT é equivalente ao percentual rescisório pago sobre os depósitos do FGTS. Faz-se necessário mencionar o art. 18, §§1º e 2º, da Lei Federal n. 8.036/90, que dispõe:

Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais.

§ 1º Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros.

§ 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) por cento.

O dispositivo supracitado reforça a ideia prevista no artigo 502, inciso II, da CLT, tornando-o assimfique consoante com a Constituição Federal.

Fazendo uma interpretação teleológica do artigo 502, não seria razoável impor ao empregador as consequências das multas e indenizações trabalhistas por acontecimento que este não contribuiu ou por uma situação arbitrária da administração pública, diferentemente no caso de uma administração atabalhoada do negócio ou sem planejamento e estudos de mercado que todo empreendimento exige. O raciocínio aplica-se também aos incisos II e III do artigo acima mencionado. O inciso II refere-se ao empregado que ainda não possuía a estabilidade decenal, mas se encontrava com contrato por prazo indeterminado. A sua dispensa, em caso da aplicação da força maior, garantia o recebimento de metade da indenização prevista nos arts. 477 e 478 da CLT.

Para harmonizar com a Constituição Federal de 1988, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), editou a Súmula n. 98 e atestou a equivalência jurídica dos institutos, FGTS e estabilidade decenal, como segue:

SÚMULA 98 DO TST

FGTS. INDENIZAÇÃO. EQUIVALÊNCIA. COMPATIBILIDADE (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 299 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

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I - A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da estabilidade prevista na CLT é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos valores a título de reposição de diferenças. (ex-Súmula nº 98 - RA 57/1980, DJ 06.06.1980).

II - A estabilidade contratual ou a derivada de regulamento de empresa são compatíveis com o regime do FGTS. Diversamente ocorre com a estabilidade legal (decenal, art. 492 da CLT), que é renunciada com a opção pelo FGTS. (ex-OJ nº 299 da SBDI-1 - DJ 11.08.2003).

No que diz respeito ao inciso III do art. 502, da CLT é previsto uma indenização no caso de pactuação de cláusula assecuratória do direito recíproco de rescisão. O trabalhador abrangido por esta condição tem direito ao recebimento de metade da remuneração desde a data inicialmente estipulada até o término do contrato. Quando da extinção por força maior, o empregado recebe 25% da remuneração que será devida até o final do contrato.

Ainda analisando os artigos da CLT, o artigo 503 prevê que “[...] é lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários do empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo. Com a cessação dos efeitos decorrentes do motivo de força maior, era garantido o restabelecimento dos salários reduzidos”. (CAVALCANTE; JORGE NETO E, 2019, p. 923)

Apesar da redação ser antiga, que de forma alguma poderia prever os efeitos da pandemia que o mundo atravessa, os artigos supracitados continuam em vigor, sendo necessárias algumas adaptações por força da Constituição.

2.2.1.1 Cláusula Rebus Sic Stantibus

Para se ter uma ideia de quão importante é para o direito a cláusula rebus sic stantibus, “[...] sua origem remonta ao Código de Hamurabi, escrito em pedra na região da antiga Mesopotâmia, atual Irã, em aproximadamente 1700 a.C. Em seu número 48, o Código de Hamurabi previa o seguinte: Se alguém tiver dívida de empréstimo e uma tempestade destruir o grão, ou a colheita falhar, ou o grão não crescer por falta de água; nesse ano ele não deverá a seu credor nenhum grão; ele levará com água sua tábua de dívida e não pagará aluguel naquele ano”. (RODRIGUES; MADSON OTTONI DE ALMEIRA, 2017)

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Houve uma evolução da cláusula quando acolhido por “[...] alguns Códigos de origem germânica, consoante apostila de Caio Tácito, tais como o Codex Maximulianus Bavariu Civilis, de 1756, o Código prussiano e o austríaco.

De acordo com elas as obrigações contratuais hão de ser entendidas em correlação com o estado de coisas ao tempo que que se contratou. Em consequência, a mudança acentuada dos pressupostos de fato em que se embasaram implica alterações que o Direito não pode desconhecer”. (MELLO; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA, 2004, P. 608).

Antes de ser uma lei em sentido estrito, essa cláusula foi adotada de forma moral, pois a onerosidade em muitos contratos prejudicava a convivência em harmonia.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 282), traz em sua obra uma interessante definição sobre o tema:

Como se vê, a expressão rebus sic stantibus é parte dessa frase e designa a cláusula que é considerada implícita em todos os contratos de prestações sucessivas, significando que a convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecerem (rebus sic stantibus) como eram o momento da celebração.

E continua.

Não seria justo obrigar a parte prejudicada a cumprir o seu encargo, sabendo-se que ela não teria firmado o contrato sabendo-se tivessabendo-se previsto as alterações que o tornaram muito oneroso.

Muito embora as citações estarem se referindo ao direito administrativo e aos contratos realizados pela administração pública, e em que pese o empregador não possuir relação contratual com esta, pode-se aplicar no direito do trabalho a cláusula acima mencionada. Neste sentido Jorge Neto e Cavalcante (2019, p. 187) ensina:

Geralmente, a revisão dos pactos (a cláusula rebus sic stantibus) é repelida pelo Direito do Trabalho. Há algumas exceções: a) a redução do salário mediante a negociação coletiva (art. 7º, VI, CF); b) a transferência para o período diurno de trabalho implica a perda do direito ao adicional noturno (Súm. 265, TST); c) a supressão das horas extras habituais não afeta os salários, gerando apenas direito a uma indenização (Súm. 291, TST); d) a reversão do cargo comissionado ao cargo efetivo (art. 468, § 1º, CLT, Lei 13.467/17).

Os atos realizados pela administração pública, os lockdowns, forçaram coercitivamente ao fechamento de estabelecimentos comerciais, mesmo que de forma temporária. Ocorre que, levando em consideração a conjuntura econômica atual, é cediço que a maior parte dos empresários, principalmente os pequenos e médios,

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necessitam de receita diária de suas vendas ou serviços para o pagamento das despesas, salários e encargos, não possuindo fluxo positivo para suportar o fechamento de seus negócios, mesmo que por pouco tempo.

A onerosidade excessiva imposta pelo lockdown aplicado aos negócios que não foram reconhecidos como essenciais para a coletividade, mas que são essenciais para a sobrevivência daqueles que estão envolvidos direta ou indiretamente pelo negócio, autoriza de uma forma ricochete a aplicação da cláusula rebus sic stantibus mesmo que o empregador, como dito alhures, não possua um contrato em sentido estrito com a administração pública.

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3 FATO DO PRÍNCIPE

O fato do príncipe foi desenvolvido dentro do Direito Administrativo, mais precisamente no contexto da responsabilidade civil do poder público nas relações contratuais “[...] e também as medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente com o contrato, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado.” (DI PIETRO; MARIA SYLVIA ZANELLA; 2009. P. 279).

Na doutrina brasileira, salienta-se que o fato do príncipe “[...] não é um comportamento ilegítimo, outrossim, não representa o uso de competências extraídas da qualidade jurídica do contratante, mas também não se constitui em inadimplência ou falta contratual”. (DE MELLO, CELSO ANTONIO BANDEIRA; 2015. P. 664).

Já para, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 279):

(...) divergem os autores na conceituação do fato do príncipe, para uns abrange o poder de alteração unilateral e também as medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente com o contrato, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado.

Na mesma obra, autora traz um complemento interessante a conceituação dada anteriormente:

São medidas de ordem geral não relacionadas diretamente com o contrato mas que nele repercutem provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado. Para outros o fato do príncipe corresponde apenas a segunda hipótese. Exemplo: um tributo que incida sobre matérias primas necessárias ao cumprimento do contrato ou medida de ordem geral que dificulte a importação dessas matérias primas.

Já para José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 231), fato do príncipe é:

Sobre o Fato do Príncipe, já tivemos a oportunidade dizer estudo a respeito esse fato oriundo da administração pública não se preordena diretamente ao particular contratado, ao contrário, tem cunho de generalidade embora reflexamente incida sobre o contrato ocasionando oneração excessiva ao particular independentemente da vontade deste.

Pode-se perceber então que o fato do príncipe pode ser iminentemente contratual ou ser um ato extracontratual que deságua indiretamente, lembrando o dano em ricochete que de forma indireta uma ação tem reflexo sobre outros indivíduos.

Importante salientar que o fato do príncipe pode advir de qualquer esfera do governo, até mesmo da administração pública indireta. Tese não recepcionada por

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Maria Sylvia Zanella de Pietro (2008, p. 279), que definiu que “[...] no direito brasileiro, de regime federativo, a teoria do fato do príncipe somente se aplica se a autoridade responsável pelo fato do príncipe for da mesma esfera de governo em que se celebrou o contrato”. Evidentemente que a autora está se referindo a contratos administrativos, porquanto se o fato vier de outra esfera governamental que não da celebrante do contrato, estará o contratado inserido nos casos de risco do negócio.

Ainda na álea do Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 692) explana sobre o fato do príncipe:

De acordo com a teoria do fato do príncipe, o poder concedente deverá indenizar integralmente o concessionário quando, por ato seu, agravar a equação econômico-financeira da concessão em detrimento do concessionário, salvo se a medida gravosa corresponder a ônus imposto aos administrados em geral cuja repercussão não atinja direta ou especificamente as prestações do concessionário.

No Direito do Trabalho, factum principis é o evento especial e inevitável, temporário ou definitivo, provocado por ações governamentais da União, Estados ou Municípios, que afetam as relações jurídicas, modificam, paralisam ou extinguem a relação jurídica (art. 486, caput, CLT). Pode-se citar como exemplo, a ação do poder público que interrompeu a atividade de determinada rua ou a fechou por vários meses para a construção de um viaduto, inviabilizando a possibilidade de operação do estabelecimento comercial até o término da obra.

O fato do príncipe não possui muita notoriedade no Direito do Trabalho, uma vez que o artigo 486 da CLT, que é um dos objetos de estudo deste trabalho, não traz em seu cerne a existência de contrato mantido entre a Administração e um particular e também porque o dispositivo que traz tal princípio possui uma redação de 1943, passando por algumas alterações em 1951. Apesar disso, a doutrina brasileira vem tratando o assunto pela notoriedade que ganhou com a pandemia. Sobre o assunto Belmonte (2020, p. 880), ensina:

Entendemos que, em certos casos, quando a paralisação da atividade foi determinada pelo poder público, estará presente a hipótese do artigo 486 da CLT, isto é, o factum principis ou fato do príncipe. Isto se explica porque não há lei que obrigue ao fechamento ou paralisação das atividades e à prática exata das medidas que estão sendo tomadas, não se caracterizando, por isso, em ato vinculado.

Há também uma classificação do fato do príncipe, como externo e interno. “O fato do príncipe externo interfere na relação jurídica privada, mas transfere à autoridade pública a responsabilidade da indenização, a exemplo da desapropriação.

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Já o fato do príncipe interno conserva a responsabilidade nas mãos do sujeito passivo da relação jurídico por ele afetada. Como exemplos, a interdição ou fechamento de estabelecimento ou prédio que ponha em risco seus usuários”. (BELMONTE, ALEXANDRE AGRA; 2020. P. 442).

Para Valentim Carrion (1992, p. 375):

A paralisação do trabalho por ato de autoridade é o factum principis, uma das espécies de força maior, O instituto se esvaziou no decorrer do tempo, se é que já não nasceu morto; a prática revela dois aspectos: se o ato da autoridade é motivado por comportamento ilícito ou irregular da empresa, a culpa e as sanções lhe são atribuídas por inteiro; se seu proceder foi regular, a jurisprudência entende que a cessação da atividade faz parte do risco empresarial e também isenta o poder público do encargo; o temor de longa duração dos processos judiciais contra a Fazenda Pública também responde por essa tendência dos julgados.

Na própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, §6º, traz uma forma de responsabilização do ente público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

No caso específico da pandemia da Covid-19, a determinação inicial se deu por fatores excepcionais externos e de saúde pública, que transcendeu um simples ato administrativo de interesse público. Por essa questão, a discussão foi ampliada para que se possa chegar à conclusão final sobre o assunto.

3.1 TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES

Como abordado anteriormente, o fato do príncipe tem sua aplicação prevalecente no Direito Administrativo, por isso a necessidade de trazer a teoria do diálogo das fontes para a discussão do presente, uma vez que a redação do artigo 486 da CLT é extremamente superficial, carecendo de uma hermenêutica exegese por não se ter o hábito de abordar o assunto mais recorrentemente.

Desenvolvida por Erik Jayme, jurista Canadense radicado na Alemanha, docente da Universidade de Heidelberg, a teoria do diálogo das fontes por ser conceituada como “[...] a busca de excelência na eleição do melhor direito a ser

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aplicado, preconizando a compreensão sistêmica e coordenada do direito, de modo a que a aplicação de uma norma não importasse a exclusão de outra. Elas seriam, então, complementares, o que é excelente para a superação de antinomias.” (COLNAGO; LORENA DE MELLO REZENDE; 2017; P. 18)

No que concerne à doutrina pátria, Cláudia Lima Marques (2009, p. 89-90) explica que:

[...] o uso da expressão do mestre ‘diálogo das fontes’ é uma tentativa de expressar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado coexistentes no sistema [...].

E prossegue:

[...] é a denominada ‘coerência derivada ou restaurada’, que em momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a ‘antinomia’, a ‘incompatibilidade’ ou a ‘não coerência’.

No direito pátrio, a teoria do diálogo das fontes encontra recepção na Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, que em seu artigo 4º:

Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a

analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Fica evidente que a teoria foi uma solução às antinomias, e sua criação possui um caráter de integração do direito, fazendo que o ordenamento jurídico apresente as soluções mais diversas para as inusitadas situações, tornando-o único. Por isso, o Direito se atualiza constantemente, criando novas leis para regularizar os novos fatos sociais, nos diversos setores da sociedade, tornando o ordenamento jurídico complexo e muitas vezes contraditório.

Dentro desta lógica, se insere o pensamento de Leal (2017, p. 230):

As normas de proteção não precisam estar expressas, mas implícitas no sistema jurídico. Sua identificação pode ocorrer pela via dos princípios como também pelo diálogo das fontes normativas e de categorias jurídicas afins.

Neste contexto, a teoria do diálogo das fontes auxilia a entender o fato do príncipe dentro do direito do trabalho, mesmo que se apresentem como ramos autônomos e independentes na ciência jurídica, cada qual com suas regras, princípios e valores, sendo chamados a unir esforços para estreitar seus laços e dar uma solução para os fenômenos criados pelo cotidiano.

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3.2 ATO ADMINISTRATIVO

Dentro da álea de estudo do objeto central do presente trabalho, há um impasse, no que diz respeito à aplicação do artigo 486 da CLT, na natureza dos decretos de fechamento das atividades empresariais, mais precisamente se o ato foi vinculado ou discricionário. Para se fazer o devido enquadramento, é necessário o estudo desses dois institutos, ato discricionário e ato vinculado, ambos muito utilizados no Direito Administrativo e transportá-los para o Direito do Trabalho.

Antes de tudo, vale conceituar os atos administrativos, que são “[...] atos jurídicos, antes de tudo, ou seja, são decorrência da manifestação de vontade humana, que repercute na esfera jurídica dos cidadãos, não se podendo confundir com fatos da natureza ou demais acontecimentos alheios à atuação da pessoas”. (CARVALHO; MATHEUS; 2019; P. 258).

Para a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 196):

[...] pode-se definir o ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.

Ainda dentro dos doutrinadores brasileiros, há o conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 356):

[...] é possível conceituar ato administrativo como: declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

Para finalizar, ato administrativo “[...] constitui uma manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, adquire, resguarda, transfira e modifique, extinga e declare direitos.” (MEIRELES; HELY LOPES; 2006, p.145).

Para a formação do ato administrativo, faz-se necessário que este passe por algumas fases, que podem ser definidos como: perfeição, validade e eficácia. O professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 358-359) conceitua muito bem essas fases:

O ato administrativo é perfeito quando esgotadas as fases necessárias à sua produção. Portanto, ato perfeito é o que completou o ciclo necessário à sua formação. Perfeição, pois é a situação do ato cujo processo está concluído.

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O ato administrativo é válido quando foi expedido em absoluta conformidade com as exigências do sistema normativo. Vale dizer, quando se encontra adequado aos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica. Validade, por isto, é a adequação do ato às exigências normativas.

O ato administrativo é eficaz quando está disponível para a produção de seus efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos não se encontra dependente de qualquer evento posterior, como uma condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade.

Ainda no campo da formação, o ato administrativo possui elementos que caracterizam sua existência no mundo jurídico. Mais uma vez, a doutrina clássica do Direito Administrativo representada pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 364-365) leciona:

Conteúdo – normalmente designado objeto, por muitos doutrinadores – é aquilo que o ato dispõe, isto é, o que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica. É, em suma, a própria medida que produz a alteração na ordem jurídica.

Forma é o revestimento exterior do ato; portanto, o modo pelo qual este aparece e revela a sua existência. A forma pode, eventualmente, não ser obrigatória, isto é, ocorrerá, por vezes, ausência de prescrição legal sobre uma forma determinada, exigida para a prática do ato.

O professor Celso (2004, p. 365-366) traz também os pressupostos que encerra o ciclo de formação do ato administrativo:

Objeto é aquilo sobre o que o ato dispõe. Não pode haver ato sem que exista algo a que ele esteja reportado. É certo que, se o conteúdo do ato fala sobre algo, é porque este algo constitui-se em realidade que com ele não se confunde e, de outro lado, que o objeto não é um elemento do ato, pois não o integra.

Pertinência à função administrativa. Se o ato não for imputável ao Estado, no exercício da função administrativa, poderá haver ato jurídico, mas não haverá ato administrativo. Ainda aqui, não é uma questão de validade, mas de existência de um ato tipologicamente qualificável como administrativo.

E por fim os pressupostos de validade do ato:

Sujeito é o produtor do ato. Evidentemente, quem produz um dado ser não se confunde nem total nem parcialmente com o ser produzido; logo, não pode ser designado, com propriedade, como elemento dele. Claro está que o vício no pressuposto subjetivo acarreta invalidade do ato.

Motivo é o pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato. É, pois, a situação do mundo empírico que deve ser tomada em conta para a prática do ato. Logo, é externo ao ato. Inclusive o antecede. Por isso não pode ser considerado como parte, como elemento do ato.

Dentro do complexo assunto atos administrativos, existem os atributos que são as suas características e as suas peculiaridades. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p. 197-201) disserta sobre esses atributos:

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Presunção de legitimidade e veracidade – embora se fale em presunção

de legitimidade ou de veracidade como se fossem com o mesmo significado, as duas podem ser desdobradas, por abrangerem situações diferentes. A

presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em

decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei.

A presunção de veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência desse atributo, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Assim ocorre cm relação às certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública.

Imperatividade é o atributo pelo qual os atos administrativos se impõem a

terceiros, independentemente de sua concordância.

Decorre da prerrogativa que tem o Poder Público de, por meio de atos unilaterais, impor obrigações a terceiros.

A imperatividade não existe em todos os atos administrativos, mas apenas naqueles que impõem obrigações; quando se trata de ato que confere direitos solicitados pelo administrado ou de ato enunciativo, esse atributo inexiste. Consiste a autoexecutoriedade em atributo pelo qual o ato administrativo pode ser posto em execução pela própria Administração Pública, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Tipicidade é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a

figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido em lei.

Define-se, então, que ato administrativo é toda manifestação do Estado (em sentido amplo) que tem por natureza o intuito de complementar uma lei criando obrigações, regulamentando leis ou ainda instituindo direitos, dentro dos limites impostos pela legislação e que pode ser controlada pelo Poder Judiciário.

3.2.1 Ato Discricionário

Continuando os estudos no intuito de fazer o devido enquadramento dos atos relativos aos lockdowns, faz-se necessárias as devidas considerações sobre sua discricionariedade ou vinculação.

No ato discricionário há uma certa margem de escolha do estado, como ensina Matheus Carvalho (2019; p. 261):

O ato discricionário, por sua vez, é aquele ato determinado em lei, no qual o dispositivo legal confere margem de escolha ao administrador público mediante análise de mérito (razões de oportunidade e conveniência). Nestes casos, o texto legal confere poder de escolha do agente para atuar com liberdade exercendo o juízo de conveniência e oportunidade, dentro dos limites postos em lei, na busca pelo interesse público.

Sendo assim, o administrador público deve eleger entre algumas opções disponíveis a que melhor se adéque ao caso concreto, logicamente dentro da

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legalidade. E consultando os doutrinadores do Direito Administrativo no Brasil, a definição parece um tanto equânime, no sentido de descrever que “[...] atos discricionários seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles”. (DE MELLO; CELSO ANTÔNIO BANDERIA; 2004; P.399).

Muito importante frisar que apesar da margem de escolha, toda discricionariedade decorre de lei e só existe nos limites impostos por esta. Sendo assim, é necessário trazer ponto a ser considerado, na visão de Di Pietro (2009; p. 213):

Nesses espaços, a atuação livre da Administração é previamente legitimada pelo legislador. Normalmente essa discricionariedade existe:

a) Quando a lei expressamente confere à Administração, como ocorre no caso da norma que permite a remoção ex officio do funcionário, a critério da Administração, para atender à conveniência do serviço;

b) Quando a lei é omissa, porque não lhe é possível prever todas as situações supervenientes ao momento de sua promulgação, hipótese em que a autoridade deverá decidir de acordo com os princípios extraídos do ordenamento jurídico;

c) Quando a lei prevê determinada competência, mas não estabelece conduta a ser adotada; exemplos dessa hipótese encontram-se em matéria de poder de polícia, em que é possível à lei traçar todas as condutas possíveis diante de lesão ou ameaça de lesão à vida, à segurança pública, à saúde.

Fica claro pela explanação acima que a discricionariedade tem um caráter vinculado, pois a lei impõe o limite de atuação do estado, mesmo que de forma discricionária.

Alexandrino e Paulo (2006, p. 144) mencionam que “[…] conveniência e oportunidade formam o poder discricionário e esses elementos permitem que o administrador público eleja, entre as várias condutas previstas em lei, a que se traduzir mais propícia para o interesse público”.

Guilherme Guimarães Ludwig (2020, p. 478) ensina que:

[...] há quem entenda que o exercício do poder discricionário é decorrência necessária do trabalho interpretativo com o conceito indeterminado, sob o fundamento de que o suposto fático da norma que o contenha admite várias soluções corretas, em detrimento logicamente da possibilidade controle. Haveria, portanto, vinculação conceitual entre os dois fenômenos, que, ao final, representariam dois enfoques de uma mesma e única figura jurídica.

O exercício do poder discricionário pressupõe a norma delimitadora da ação que a Administração Pública pode exercer.

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Com toda a explanação, torna-se incontroverso o raciocínio de que se configura abuso de autoridade ou ato ilegítimo ou ainda nulo, os casos em que o ato discricionário é praticado com finalidade diversa ao interesse público.

3.2.1.1 Ato Vinculado

Diferente do ato discricionário, no ato vinculado o administrador fica adstrito ao sentido objetivo da norma, uma vez que sua atuação passa a ser condicionada a determinados requisitos que se preenchidos a torna obrigatória.

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2004; p. 399) dispõe que “[..] atos vinculados seriam aqueles que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma”.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009; p. 212) o ato é vinculado:

[...] porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. Por isso mesmo se diz que, diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de determinado ato, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial.

Importante trazer à tona o conceito de Matheus Carvalho (2019; p. 282), que brilhantemente ensina sobre alguns elementos do ato administrativo vinculado:

[...] pode-se estabelecer que a competência, finalidade e forma são sempre elementos vinculados, ou seja, a lei os disciplina de forma objetiva, especificando seus requisitos, sem conceder ao agente público margem de escolha em sua atuação. Sendo assim, ainda que a lei defina uma margem de escolha ao agente público na prática do ato, esse mérito não estará definido em nenhum destes três elementos.

Buscando uma mais completa conceituação sobre ato vinculado, tem-se a explanação do professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 885):

A lei, todavia, em certos casos, regula dada situação em termos tais que não resta para o administrador margem alguma de liberdade, posto que a norma a ser implementada prefigura antecipadamente com rigor e objetividade absolutos os pressupostos requeridos para a prática do ato e o conteúdo que este obrigatoriamente deverá ter uma vez ocorrida a hipótese legalmente prevista. Nestes lanços diz-se que há vinculação e, de conseguinte, que o ato a se expedido é vinculado.

Ainda sobre a vinculação dos atos administrativos Mello (2004, p.886) arremata:

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Se a lei todas as vezes regulasse vinculadamente a conduta do administrador, padronizaria sempre a solução, tornando-a invariável mesmo perante situações que precisariam ser distinguidas e que não se poderia antecipadamente catalogar com segurança, justamente porque a realidade do mundo empírico é polifacética e comporta inúmeras variantes. Donde, em muitos casos, uma predefinição normativa estanque levaria a que a providência por ela imposta conduzisse a resultados indesejáveis.

Sendo assim, define-se que o ato vinculado não deixa qualquer margem à subjetividade do administrador público, devendo este fazer a averiguação dos pressupostos legais e emanar o ato conforme a lei preconiza.

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4 ARTIGO 486 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

Para se compreender a celeuma gerada em torno do referido artigo, faz-se necessária a transcrição do texto disposto da CLT original, datado de 16 de dezembro de 1943:

Art. 486. No caso de paralisação do trabalho motivado originariamente por promulgação de leis ou medidas governamentais, que impossibilitem a continuação da respectiva atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, a qual, entretanto, ficará a cargo do Governo que tiver a iniciativa do ato que originou a cessação do trabalho. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 6.110, de 16.12.1943).

Porém em 1951, a Lei n. 1.530 alterou o diploma legal para o texto que segue:

Art. 486. No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. (Redação dada pela Lei 1.530, de 26.12.1951).

O artigo 486 da CLT traz um enquadramento amplo, porquanto o ato pode ser de autoridade municipal, estadual ou federal ou ainda por promulgação de lei ou resolução, prevalecendo o pagamento da indenização que ficará a cargo do governo responsável. Essa redação não é exauriente, uma vez que para a configuração do fato do príncipe, carece de complementação legislativa.

Importante trazer a reflexão de Alexandre Agra Belmonte (2020, p. 439):

Por fim, a partir do momento em que a CLT, no art. 486, atribui à autoridade governamental a responsabilidade financeira pela paralisação ou cessação de atividade empresarial por decisão administrativa, fica a dúvida se ela compreenderia os atos governamentais regionais e locais de fechamento temporário de atividades empresariais, ou a recomendação do governo federal de observância da quarentena.

O aspecto determinante para a aplicação do artigo 486, estaria na incidência direta do ato governamental no elemento decisivo para a ruptura do contrato de trabalho, ou seja, sem o ato emanado pelo ente público, o contrato vigeria normalmente. Este pensamento é embasado por Vólia Bomfim Cassar (2020, p. 800):

Entendemos que, em certos casos, quando a paralisação da atividade foi determinada pelo poder público, estará presente a hipótese do artigo 486 da CLT, isto é, o factum principis ou fato do príncipe. Isto se explica por que não existe lei que obrigue ao fechamento ou paralisação das atividades e à prática exata das medidas que estão sendo tomadas, não se caracterizando, por isso em ato vinculado.

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Porém antes de entrar nessa seara, faz-se necessário entender os aspectos histórico do artigo 486 da CLT.

4.1 HISTÓRICO

Importante salientar que a CLT foi promulgada no curso do Estado Novo, como leciona Rodrigues (1974; p. 94):

Um dos fatos que chama a atenção na história do sindicalismo brasileiro é a extraordinária persistência do tipo de sindicato esboçado após a vitória de Vargas e completado durante o Estado Novo. Atribuiu-se sua criação à influência das doutrinas fascistas então em moda, principalmente à Carta do Trabalho italiana. No entanto, depois de 1945, com a chamada redemocratização do país, o modelo de organização sindical que parecia ter sido uma imposição artificial da ditadura varguista (sob influência fascista não sofreu alterações que afetassem sua essência.

Então, logo após a redemocratização, a chegada da CLT inseriu o rol de direitos que os trabalhadores possuem até hoje. Nessa esteira convém citar a origem do artigo 486, que veio justamente após a Revolução de 1930 que até então tinha tornado o estado brasileiro autoritário.

A mudança no texto do artigo, citado no tópico anterior, gerou uma discussão no Congresso Nacional, mais precisamente no que diz respeito a responsabilização do poder público no caso de uma desapropriação. Em 08/02/1952 realizou-se a sessão para apreciação dos vetos realizados pelo Presidente da República, o qual se manifestou o então Deputado Federal Hildebrando Bisaglia:

Aliás, o Sr. Presidente da República deveria não apenas vetar o § 1º, mas também o próprio art. 486. (...) O art. 486 da Lei vigente declara que apenas quando houver paralisação do trabalho que resulte em rescisão obrigatória do contrato de trabalho, exclusivamente nesta hipótese, ficará o Governo obrigado a indenizar. O projeto, entretanto, no art. 486, que vigorará porque não o alcançou o veto, declara que nas paralisações do trabalho, temporária ou definitiva, ficará o Governo federal, estadual ou municipal, obrigado a indenizar ao trabalhador. A inovação sensível que afeta diretamente o interesse público está na paralisação temporária do serviço, porque esta paralisação não determina a rescisão contratual: limitasse a interromper o contrato de trabalho, o que não pode, evidentemente, determinar a sua rescisão.

Porém o texto da lei continua inalterado até os dias atuais. Percebe-se que a redação do caput foi mantida com a expressão “que impossibilite a continuação da atividade”, todavia a inclusão da “paralisação temporária”, caracteriza o fato do príncipe. Neste sentido, Leandro Fernandez (2020; p. 82) expõe:

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Em relação à cessação definitiva da atividade, não é necessário desenvolver qualquer digressão, sendo óbvia a consequente cessação dos contratos de trabalho.

Quanto à paralisação temporária, é possível que sua duração provoque, a partir de certo momento, a impossibilidade de manutenção dos vínculos empregatícios, até mesmo em razão da ausência de fluxo de caixa por período prolongado, É possível, ainda, que a medida governamental que impões a paralização alcance determinada empresa que realiza atividade sazonais justamente na alta temporada, vindo a ser revogada poucos meses ou semanas depois.

Evidentemente que o texto do artigo 486 jamais poderia prever os acontecimentos que se sucederam em 2020, porém sua integração ao ordenamento jurídico, que se deu na década de 1940 e 1950, apresenta-se como uma possível solução para o impasse gerado entre a administração pública versus empregadores.

4.1.1 Aplicação do Artigo 486 (Discricionário ou Vinculado?)

Importante consignar que em nenhum momento o artigo 486 da CLT deixa claro que a aplicação do fato do príncipe deva ter caráter discricionário ou vinculado. A doutrina do Direito Administrativo também não constitui como requisito para sua caracterização à discricionariedade. As afirmações ganham robustez com o argumento que “não apenas atos administrativos podem atrair a incidência da teoria do fato do príncipe, como também atos legislativos, em relação aos quais é simplesmente impertinente a classificação como ato vinculado ou discricionário. (FERNANDEZ; LEANDRO. 2020; p. 84).

Ainda dentro dessa discussão, “[...] o artigo 486, atribui à autoridade governamental a responsabilidade financeira pela paralisação ou cessação de atividade empresarial por decisão administrativa, fica a dúvida se ela compreenderia os atos governamentais regionais e locais de fechamento temporário de atividades empresariais, ou a recomendação do governo federal de observância da quarentena”. (BELMONTE, ALEXANDRE AGRA. 2020; p. 439).

A pandemia do coronavírus colocou em xeque a aplicação do artigo 486, justamente por não ficar totalmente evidenciado que o lockdown foi ato discricionário ou ato vinculado. Sobre isso, disserta Ricardo Calcini (2020):

Pela simples teleologia do artigo 486 da CLT, é possível depreender que a intenção do legislador era de o Estado indenizar o ente particular em decorrência de circunstâncias eminentemente administrativas. [...] Tal hipótese em nada se assemelha ou guarda qualquer relação com uma situação totalmente anômala e excepcional da pandemia do coronavírus, cuja intenção do Poder Executivo foi precipuamente a de salvaguardar a

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integridade física de toda a coletividade, e não a de fechar este ou aquele estabelecimento específico.

Sobre as margens de aplicação da discricionariedade ou vinculação, Eduardo García de Enterria (1990, p. 393-394) explica:

Trata-se da aplicação da própria norma, pois, por intermédio de um processo intelectivo de compreensão, certas circunstâncias reais são subsumidas em uma categoria normativa, não obstante sua imprecisão de limites e sem a interferência da vontade pura e simples do aplicador. Pelo contrário, a conduta discricionária aceita uma pluralidade de soluções ou alternativas igualmente justas ou mesmo entre indiferentes jurídicos na medida em que a correspondente decisão estaria fundada em critérios extrajurídicos (de oportunidade, econômicos, entre outros), remetidos ao julgamento subjetivo do agente público.

Ainda na conceituação da discricionariedade do atos emanados, Guilherme Guimarães Ludwig (2020, p. 480) leciona:

O exercício de um poder discricionário pode até estar associado à previsão de um conceito indeterminado, mas esta associação jamais será considerada, em termos abstratos, uma relação genérica e necessária a abranger todas as hipóteses de manifestação destes dois fenômenos jurídicos. Isso porque, estando no âmbito do suposto fático, a plurissignificância dos conceitos indeterminados não interfere na consequência jurídica que lhe seja correlacionada.

A afirmação dos governos que o lockdown estava amparado na ciência carece de um estudo um pouco mais aprofundado, qual seja, a necessidade de identificar a função do estado na prevenção da disseminação do vírus e na manutenção dos postos de trabalho. Sobre o assunto Ludwig (2020, p. 481) traz:

Atendendo aos parâmetros técnicos estabelecidos pelas autoridades médicas, a determinação de suspensão de funcionamento de estabelecimentos concretiza, em plena conformidade com os cânones da eficiência administrativa, o dever fundamental do Estado de garantir a saúde de toda sociedade, na medida em que fomenta o isolamento social temporário como estratégia de evitar a sobrecarrega dos recursos limitados do sistema de saúde - a única solução admitida -. Noutros termos, foram potencializados, na melhor medida possível, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas que envolviam o caso concreto, os meios idôneos para a efetivação da solução que melhor atende ao interesse público.

Em que pese o reconhecimento oficial da ocorrência do estado de calamidade pública (Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020, do Congresso Nacional) que buscou uma flexibilização dos limites orçamentários, visando principalmente a exoneração dos administradores públicos na ótica dos crimes de responsabilidade fiscal, tal reconhecimento abriu precedentes, uma vez que a administração pública das esferas estadual e municipal decretaram seus lockdowns embasados nesse

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