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Medida Provisória n. 927, de 22 de março de 2020

3 FATO DO PRÍNCIPE

4.1 HISTÓRICO

4.1.1 Aplicação do Artigo 486 (Discricionário ou Vinculado?)

4.1.1.1 Medida Provisória n. 927, de 22 de março de 2020

Dentro do contexto da pandemia, interessante trazer à baila os reflexos nas relações de emprego e em toda a sociedade com a edição da MP n. 927 de março de 2020.

O alvo principal da referida MP foi a manutenção dos empregos, que na esfera trabalhista, pode ser caracterizada, como dito alhures, no princípio da continuidade da relação de emprego. Além disso, a MP trouxe medidas mais brandas para as empresas dar continuidade em suas atividades.

Nota-se na redação do texto da MP, que os sindicatos não foram convocados para participar deste acordo. Primeiro, pela dificuldade em proporcionar encontros físicos. Segundo, porque havia a possibilidade dos sindicatos utilizarem-se deste instrumento para barganhar as negociações coletivas, fato já restringido com as mudanças legislativas na CLT quando da promulgação da Lei n. 13.467, de julho de 2017, conhecida como reforma trabalhista.

O pensamento é confirmado pelas palavras de Nahas (2020, p. 385):

Importante ressaltar que não obstante a regra contida no art. 7º, VI, que impõe que a redução salarial seja negociada com a participação da entidade sindical por meio de acordo ou convenção coletiva, a situação atípica instalada no país em face da pandemia global sofrida e por meio das Medidas Provisórias 927 e 936 que tratam, respectivamente da possibilidade de implantação de teletrabalho, antecipação de férias e feriados, etc., bem como possibilitou que a redução da jornada e dos salários e a suspensão do contrato de trabalho pudessem ser concretizadas por acordo individual direto entre empregado e empregador, como forma rápida de adequação dos contrato de trabalho em vigor com o objetivo de evitar demissões de trabalhadores nesse período em que o funcionamento da atividade economia encontra-se afetada pelo Coronavírus e consequentes limitações e restrições impostas a bem da saúde da população.

Considerando a complexidade do assunto, a MP foi editada em capítulos, que foram assim divididos:

Art. 3º Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:

I - o teletrabalho;

II - a antecipação de férias individuais; III - a concessão de férias coletivas;

IV - o aproveitamento e a antecipação de feriados; V - o banco de horas;

VI - a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

VII - o direcionamento do trabalhador para qualificação; e

VIII - o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.

Importante consignar que o artigo mencionado é exemplificativo, numerus apertus, pois a expressão “dentre outras” deixa claro que a intenção do Poder Executivo foi abrir opções para o empregador no sentido de preservar os empregos e consequentemente a capacidade produtiva do país.

O capítulo II da MP n. 927, trazia as disposições do teletrabalho, apesar da CLT já disciplinar um capítulo exclusivo sobre o tema, inserido pela Lei n. 13.467, de 2017. A MP dispôs em seu artigo 4º:

Art. 4º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.

A MP não entrou na discussão da diferenciação do que é teletrabalho, trabalho remoto e trabalho à distância, elencados na CLT nos artigos 6º, 62, 75-A a 75-E.

Na análise do artigo 4º da MP inevitável que se faça a referência ao princípio da inalterabilidade contratual prejudicial ou lesiva ao empregado ou princípio da inalterabilidade contratual in pejus, fazendo uma correlação com o artigo 468, caput, da CLT, que dispõe que para o contrato de trabalho ser licitamente alterado é necessário que haja a aquiescência do empregado e a previsão contratual, sob pena de nulidade da cláusula. Em uma interpretação hermenêutica, sistemática, teleológica remete-se aos artigos 9º e 444 ambos da CLT.

No capítulo III, tem-se as disposições sobre a concessão das férias antecipadas. O artigo 6º traz:

Art. 6º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com

antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado.

A CLT prevê em seu artigo 135, que as férias terão que ser informadas pelo empregador com no mínimo 30 dias de antecedência. O que a MP fez foi desburocratizar a concessão das férias e diminuir o tempo de tomada de decisão que necessitava o empregador para a concessão deste instituto.

Um ponto importante a ser destacado do artigo 6º, é o inciso II que dispõe que poderão ser concedidas as férias, mesmo que o período aquisitivo ainda não tenha transcorrido. Algo que a CLT não permitia.

Uma inovação trazida pela MP n. 927, diz respeito a antecipação de feriados, conforme o artigo 13 dispõe:

Art. 13. Durante o estado de calamidade pública, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.

§ 1º A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.

§ 2º A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.

É necessária a sinalização do §2º do artigo acima mencionado, devendo este ser aplicado consoante ao artigo 5º, inciso VI, da CF que garante a liberdade de consciência e de crença, respeitando o aproveitamento dos feriados religiosos que necessariamente precisa da aquiescência do empregado.

No capítulo VI da MP, um assunto que merece destaque é a jornada, que não pode ser superior a 8 horas diárias e 44 semanais, prevendo a faculdade de compensação de horas ou redução de jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. A aludida norma possui previsão constitucional, mais precisamente no artigo 7º, inciso XIII, que traz a duração da jornada de trabalho. A reforma trabalhista, incorporada à CLT pela Lei n. 13.467, fez algumas alterações no texto do artigo 59 da CLT, incluindo os §§5º e 6º, os quais trouxeram a possibilidade do banco de horas semestral sem a anuência de sindicato, bem como a compensação mensal tácita.

O artigo 14 da MP aduz:

Art. 14. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de

banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

O artigo acima implementou o banco de horas negativo, inovador na legislação trabalhista.

No capítulo VII foi disciplinado a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho, para garantir a legitimidade quanto ao afastamento das pessoas no ambiente de trabalho. Como preceitua o artigo 15:

Art. 15. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.

Houve uma preocupação com a manutenção dos exames demissionais, para que se verifique o estado de saúde do empregado em caso de dispensa ou de pedido de demissão.

O capítulo VIII trouxe o direcionamento do trabalhador para sua qualificação profissional, como segue:

Art. 18. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o contrato de trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual.

O artigo acima, faz uma referência ao artigo 476-A da CLT, que traz a possibilidade da suspensão do contrato de trabalho, podendo ser de dois a cinco meses, possibilitando ao empregado neste período participar de curso ou programa de qualificação profissional. Durante a suspensão, o empregado recebe uma bolsa oriunda do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O objetivo fático, tanto do artigo 18 da MP quanto do 476-A da CLT, é de proporcionar fôlego financeiro para a empresa, bem como oportunizar ao empregado a qualificação profissional. Porém, a MP previu que a empresa poderia conceder uma ajuda financeira ao empregado, mas diante do seu caráter facultativo, diversas entidades de classe ligadas aos trabalhadores pressionaram para que se tornasse obrigatória. Tanto que no dia que se seguiu a vigência da MP, o Presidente da República, por meio de outra Medida Provisória (MP n. 928) revogou o capítulo inteiramente.

No capítulo IX houve a disposição sobre o diferimento do recolhimento do FGTS. Como se infere:

Art. 19. Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

Parágrafo único. Os empregadores poderão fazer uso da prerrogativa prevista no caput independentemente:

I - do número de empregados; II - do regime de tributação; III - da natureza jurídica;

IV - do ramo de atividade econômica; e V - da adesão prévia.

Art. 20. O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos previstos no art. 22 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

§ 1º O pagamento das obrigações referentes às competências mencionadas no caput será quitado em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020, observado o disposto no caput do art. 15 da Lei nº 8.036, de 1990.

Faz-se necessário esclarecer que a legislação não permitiu a isenção no recolhimento dos valores devidos a título de FGTS. O que houve foi uma extensão da exigibilidade do recolhimento, permitindo que a empresa parcelasse os valores, retirando os encargos e multas que porventura pudessem ocorrer em caso de inadimplemento.

Em matéria de importância, no que diz respeito a MP n. 927, o capítulo X não traz inovações que mereçam destaques, uma vez que o conteúdo do capítulo já está previsto da CLT.

A edição da MP n. 927 procurou oxigenar as empresas, no que diz respeito ao fluxo de caixa, a fim de evitar o colapso da economia, garantir que as relações de emprego e trabalho fossem devidamente preservadas em tempos de incertezas.

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