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Atores e agendas políticas no período constitucional

4 O DIREITO À SAÚDE E A AGENDA POLÍTICA BRASILEIRA NO PERÍODO CONSTITUCIONAL DOS ANOS

4.1 Atores e agendas políticas no período constitucional

Retomando aspectos históricos recentes a respeito das conquistas obtidas em relação aos direitos sociais e ao direito à saúde, percebe-se o amálgama entre os campos político- ideológico e o econômico, as distintas orientações e a articulação entre os grupos e segmentos de classe na formulação de agendas políticas e governamentais.

Precedendo a análise de uma política setorial que vai se conformar como um direito de cidadania, algumas pontuações de ordem teórica são necessárias, para não se cair no equívoco de perceber o processo de implementação dos mesmos como autonomizado em relação a outros processos de decisão e implementação de políticas públicas. Quando se analisa um determinado período, é necessário tê-lo como determinado e integrante de um processo mais amplo em termos temporais e factuais, que delimitam e condicionam os arranjos e as alternativas postas nas agendas dos sujeitos políticos, adotadas pelo governo.

Dentro de uma moldura histórica, pode-se reconhecer, nas diversas conjunturas e cenários, os atores que constroem e implementam as agendas políticas e as governamentais, os consensos e as alianças efetivadas, os mecanismos de exclusão e inclusão e, especialmente, as racionalidades argumentativas de ordem política, econômica e técnica, que são utilizadas para obter determinada direção política. No plano do poder, não entendido unicamente como estatal, os atores são responsáveis e competentes para articular as novas ordens hierárquicas e impor a hegemonia de um grupo nos processos decisórios (CASTRO, 1992).

Tradicionalmente, no Brasil, as políticas de saúde estiveram vinculadas às necessidades da produção, e foram reguladas, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, ora pelo poder governamental, ora pelo empresariado agro-industrial, industrial e financeiro108. Observa-se, também, na evolução das políticas de saúde no Brasil, uma tensão permanente oscilando entre um modelo de saúde pública e um modelo de seguro saúde, com

108 Autores brasileiros têm se debruçado sobre a história da saúde no Brasil evidenciando as correlações entre as

políticas sanitárias e a economia. Ver Braga, Paula (1981); Noronha, Guimarães (1978); Luz (1991) e Oliveira, Teixeira (1986).

uma miríade de instituições sendo criadas ao longo dos anos, com funções paralelas, fragmentando e diluindo o potencial de intervenção e de investimento do setor.

Noronha e Levcovitz (1994) e Luz (1991) apontam que as primeiras iniciativas governamentais de alcance nacional na área, através da implementação dos serviços de saúde pública, já expressavam o rumo e a natureza da intervenção estatal. Já se vislumbravam os traços e os interesses presentes nas opções definidas à época. As crônicas endemias traziam sérios prejuízos ao setor agro-exportador, fazendo com que, rapidamente, o governo tomasse medidas no campo de higiene e saneamento, com forte autoritarismo e decisões centralizadas. Os processos de modernização e os problemas deles derivados, como a expansão das enfermidades crônico-degenerativas, levam as autoridades sanitárias a inclui-los em sua pauta. Nesse campo, a opção escolhida como política governamental, via assistência médica individual, inicia-se com a medicina previdenciária. A iniciativa foi uma das primeiras formas de regulação da mão-de-obra, através da intermediação estatal. Foi centrada na necessidade de garantir a reprodução da força de trabalho, sob o impulso e a pressão dos grupos organizados de trabalhadores, que se concentravam nos centros industriais em expansão.

A implantação das Caixas de Aposentadoria e Pensão, a partir de 1923 e a transformação das mesmas em Institutos de Aposentadoria e Pensão, na década de 1930, constituem-se nos embriões da política previdenciária, que se fortaleceu pautada no modelo securitário alemão. Foi-se consolidando um ideário favorável à uma relação pacífica entre trabalhador e empregador, na construção da ordem capitalista meritocrática brasileira.

A criação do Ministério da Educação e Saúde e do Departamento Nacional de Saúde e Assistência Médico-Social, em 1930, marca o princípio de uma política nacional para o setor e sedimenta as duas estruturas de atenção à saúde: a da saúde pública e a de seguro-saúde (DRAIBE, 1992, p. 20).

Entre 1945 e 1964, esse modelo se expandiu, conformando-se, no que se relaciona à previdência e à assistência médica individual, num desenho que é denominado por Wanderley Guilherme dos Santos (1979) de cidadania regulada. A regulação apresentava uma dupla face: regulava o ingresso no mercado de trabalho e o acesso aos benefícios.

Como se pode inferir, a política da época garantia as condições de higiene e saúde da força de trabalho às expensas da produção, e impunha a docilidade, em troca da segurança futura, ao trabalhador que ingressava no mercado.

Os Institutos de Aposentadorias e Pensões, com o tempo, tornaram-se estruturas poderosas, com forte poder econômico e capacidade de dominação política, sempre monitorados e conduzidos pelo governo central. A expansão industrial acelerada gerou um contingente de trabalhadores com suas famílias, que pressionavam por assistência médico- hospitalar. A pressão ocorria também por parte do empresariado, que exigia um trabalhador com plena capacidade produtiva.

Verifica-se, no início dos anos 1960, uma incipiente descentralização do sistema de saúde, com a criação das secretarias estaduais e municipais. O público-alvo era a população excluída do sistema securitário, que crescia rapidamente devido ao êxodo rural verificado no período.

O golpe militar de 1964 alterou as bases políticas e econômicas nacionais. Com poder ditatorial, altamente repressivo, o governo refez o pacto entre a elite dirigente, dando um novo direcionamento nos investimentos, criando fundos específicos para financiar as políticas setoriais e afastando os trabalhadores do controle de seus organismos previdenciários. No plano político, interrompe-se o processo de descentralização, centralizando as decisões e inibindo qualquer manifestação de ordem democrática. Os sujeitos políticos ligados ao movimento sindical e acadêmico são violentamente calados e há um silêncio nacional, imposto sob a ameaça constante de cerceamento à liberdade.

Em 1966, a criação do Instituto Nacional de Previdência Social sedimentou o modelo médico-assistencial privatista, que, na análise de Mendes (1999, p. 59), apresentou as seguintes características:

a) a extensão da cobertura previdenciária, de forma a abranger quase a totalidade da população urbana e rural;

b) o privilegio da prática médica curativa, individual, assistencialista e especializada, em detrimento da saúde pública;

c) a criação, por meio da intervenção estatal, de um complexo médico-industrial; d) o desenvolvimento de um padrão de organização da prática médica orientada para a lucratividade do setor saúde, propiciando a capitalização da medicina e o privilégio do setor privado desses serviços.

Os aspectos enunciados se consolidaram no curso da década de 1970, e esse processo, em que “o Estado provia e pagava a ampliação da demanda aos serviços médicos e aos

produtos industriais vinculados ao setor, financiava os investimentos e contratava os serviços da rede privada, apoiando, assim, os empreendimentos capitalistas no setor”, foi denominado de capitalização da medicina (NEGRI, DI GIOVANNI, 2001, p. 19).

Configurou-se, explicitamente moldado nos esquemas securitários, um modelo de Estado de Bem Estar corporativo e meritocrático, comportando um grau acentuado de exclusão social. À época, grande parte da população brasileira era vinculada ao campo, sem esquemas públicos de proteção social, tanto na saúde como em outras áreas. Permaneciam sem acesso aos serviços médicos, além da população rural, os jovens não empregados, os idosos sem aposentadoria, os empregados do setor informal e os desempregados.

O direito à saúde era relacionado ao emprego formal. Posteriormente, quando o próprio governo tornou públicas as deficiências do sistema nacional de saúde previdenciária, ocorreu a politização da questão, que vai compor um dos temas da agenda nacional sobre o setor.

Esse modelo de atenção à saúde, que foi ampliado de maneira intensa e de forma desordenada durante o período ditatorial, entrou em crise com o fim do milagre econômico, em meados da década de 1970, exigindo, do governo federal, alterações para manter o apoio político ao regime que apresentava fissuras e alto grau de impopularidade. Medidas de recomposição das bases de apoio governistas foram tentadas, tendo, inclusive, o governo federal, politizado o setor saúde, admitindo a sua crise e implementando iniciativas que reduzissem o clamor popular e, ao mesmo tempo, revertessem a situação de desgaste político. As manifestações de desagrado perduraram, furaram o cerco da censura e assumiram múltiplas formas de expressão, encenadas por atores políticos diferenciados.

Esse cenário foi propício à articulação de atores sociais, que se preocupavam com a situação caótica e iníqua do sistema de saúde, organizados em torno do que se chamou

Reforma Sanitária. As propostas inovadoras para o setor saúde, formuladas e consolidadas ao

longo da década de 1970, somente tiveram condições políticas de serem amplamente veiculadas no início dos anos 1980.

A Reforma Sanitária pode ser apreendida em três perspectivas, conforme indicação de Sonia Fleury (1997), ao fazer um balanço da literatura corrente da época sobre o movimento pela reforma da saúde:

poder-se-ia concluir que a Reforma Sanitária é uma proposta que encerra um conjunto de princípios e proposições tal como disposto no Relatório Final da 8a

CNS109. É também um projeto, pois consubstancia um conjunto de políticas

articuladas que requerem uma dada consciência sanitária uma participação da cidadania e uma vinculação com as lutas políticas mais amplas. É ainda um processo porquanto a proposta formulada não se conteve nos arquivos nem nas bibliotecas mas transformou-se em bandeira de luta, articulou um conjunto de práticas, e teceu um projeto político-cultural consistente enquanto prática social, tornando-se História (FLEURY, 1997, p. 20).

O projeto reformador assentava-se na crítica ao modelo vigente, que se ampliou durante o período militar, a partir das denúncias de fraudes, corrupções e principalmente a ineficácia e iniqüidade do sistema de saúde brasileiro. Essas críticas eram formuladas pelos estudiosos da área, especialmente os que partilhavam o ideário do movimento sanitário110, e

um conjunto de atores políticos, que incluía os partidos políticos de esquerda, os movimentos sociais e os setores mais progressistas do Ministério da Saúde.

Luz (1991), analisando a década de 1980, sinaliza aspectos que devem ser ressaltados, tendo em vista sua importância para elucidar o objeto de estudo em pauta, entre os quais se destacam:

- a incapacidade de superação dos problemas sociais e políticos crônicos, no período de transição para a estabilidade democrática. No campo da saúde, o debate evidencia essa situação pelo antagonismo dos discursos institucionais a respeito de temas básicos. Por outro lado, a situação de crise favorece o surgimento de práticas inovadoras no domínio da participação popular e da descentralização institucional;

- o confronto entre interesses econômicos e políticos no campo da saúde e a ocupação de espaços institucionais, em vários planos. No mesmo movimento, observa-se o confronto de saberes e práticas entre as categorias profissionais envolvidas com a questão da saúde, na busca de conquistar uma hegemonia e marcar posição;

- a inserção da clientela no debate, fomentada pelos grupos mais progressistas que se aliaram às organizações comunitárias, fortalecendo uma vanguarda de resistência e manifestações de cunho popular. Foi construída, enfim, uma nova frente de luta que adquiriu visibilidade e respeitabilidade entre os setores mais empobrecidos da população;

109 Conferência Nacional de Saúde.

110 O movimento sanitário, segundo Sarah Escorel, tem seu início na década de 1960, a partir da introdução do

- a politização dos temas ligados à saúde, como o debate privado versus estatal e nacionalização versus internacionalização do setor, saindo do círculo restrito da área acadêmica e empresarial e espraiando-se para novos grupos políticos;

- o aparecimento do empresário da medicina (grifos da autora), que defende seus interesses no Congresso Nacional, explicitando e dando visibilidade à inserção diferenciada das classes sociais no debate e no reconhecimento do caráter mercantil das práticas de saúde;

- a persistência de grupos de oposição às inovações constitucionais, com práticas de desqualificação e negação das mudanças em curso, associando-as aos líderes anarquistas, comunistas ou populistas;

- finalmente,

a ascensão de uma tomada de consciência, da parte da sociedade civil, expressa nos movimentos sociais dos últimos dez anos, do papel da saúde e das instituições médicas na vida coletiva. Embora restrita aos movimentos de vanguarda da sociedade civil (associação de moradores, movimentos ‘civis’ vários, sindicatos, etc) a compreensão deste papel é de fundamental importância, na medida em que torna claro que são os trabalhadores mesmos que financiam, através de descontos em folha e de impostos, os serviços médicos da previdência social e do Ministério da Saúde que deveriam, antes de tudo, servi-los (LUZ, 1991, p.28-29).

A partir da aprovação das propostas da Reforma Sanitária, na VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, o debate e o confronto sobre um novo modelo de atenção a saúde ganhou vigor, e as frentes de luta se deslocaram do campo social para o interior dos organismos de saúde (GERSCHMAN, 1995).

Após a VIII Conferência, foi criada a Comissão Nacional da Reforma Sanitária, cuja composição incluía representantes do movimento sanitário, das organizações populares, dos organismos governamentais, dos parlamentares, dos prestadores de serviços privados de saúde e das organizações patronais. Em 1987, como resultado da ação da Comissão, foi criado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, SUDS, com o objetivo de contribuir para a consolidação da Reforma, através de várias medidas de cunho administrativo e político. Entretanto, transformações políticas na esfera nacional acabaram por reduzir o impacto das reformas pretendidas através do SUDS, conforme afirmação de Gerschman (1995):

a política de saúde do governo da “Nova República” acompanhou os percalços da transição, caracterizando-se por idas e vindas no processo de descentralização, na integração interinstitucional e no que diz respeito ao privilegiamento do setor público. Através de mecanismos políticos, contábeis e burocráticos do INAMPS e do Ministério da Saúde, criaram-se os obstáculos à implementação do SUDS, dentre os quais o mais notável foi o desaparecimento dos recursos nos meandros das máquinas federais, estaduais e municipais (GERSCHAMN, 1995, p. 44).

Os embates em torno da necessidade de alteração no sistema de saúde se tornaram mais aguçados, fazendo com que os interesses, muitas vezes distintos, das diversas facções em um mesmo campo ideológico, se aglutinassem. Polarizou-se, assim, o debate entre privatistas e reformistas. Tais embates persistiram ao longo do período pré-constitucional, com intensa mobilização da vanguarda relacionada ao setor, buscando construir uma direção hegemônica em relação ao novo modelo.

A agenda governamental da Nova República, no que se refere à proteção social, incluía pontos relevantes para se pensar os direitos sociais, a partir do diagnóstico e da proposição apresentados nos documentos oficiais111.

No plano do diagnóstico social, foram explicitados tanto as taxas de desemprego e os graus de miserabilidade da grande maioria da população brasileira quanto as iniqüidades presentes no padrão brasileiro de intervenção social pública. Integrando essa análise, foi denunciada a regressividade do financiamento, a prática crescente do autofinanciamento e a distorção no uso dos recursos dos fundos sociais, dos quais parcelas foram utilizadas para a construção das imponentes obras do período militar. Constou ainda na agenda política da época, o padrão organizacional que modelava a proteção social pública, como a centralização excessiva, a burocratização, a fragmentação dos programas e ações, a superposição de organismos e a falta de controle efetivo sobre os gastos e resultados.

Os temas relatados ocuparam um espaço nas agendas políticas nacionais e foram amplamente discutidos pelos atores ligados ao movimento sindical, aos movimentos populares, a algumas entidades representativas dos profissionais de saúde e aos partidos políticos de esquerda.

Na época, o Governo Sarney incorporou parte das sugestões de tais agendas e concebeu a sua política social com duas ordens de temporalidade: as de curto e médio prazo, para as situações mais dramáticas de miserabilidade, desemprego e fome; e as de longo alcance, que exigiriam ações mais processuais para sua implementação, com a participação das instâncias organizadoras da sociedade civil. Nesse segundo grupo de prioridades estavam as reformas do sistema de saúde, da previdência, da educação e da habitação.

111 O resgate da agenda política e governamental da época foi realizado a partir do I Plano Nacional de

Desenvolvimento da Nova República, do relatório da VIII Conferência de Saúde e das análises publicadas pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade de Campinas – NEPP – UNICAMP (1988).

A análise do NEPP – UNICAMP (1988) aponta fragilidade quanto ao desempenho social do Governo da Nova República, não devido às questões estruturais, ainda que estas fossem sérias, mas especialmente pelas atitudes no campo político, quando os setores mais conservadores retornam ao aparelho governamental. De acordo com indicação do NEPP – UNICAMP (1988, p. 8):

dessa forma, foi mantida a lógica típica do final dos anos 70, que – oscilando entre a imposição de ‘pacotes’ à sociedade e a manipulação de apoios políticos mais imediatos acabou cristalizando um estilo ‘arcaico’ de fazer política, obstruindo o necessário e conflitivo processo de condução pública dos diferentes interesses sociais. Nessas condições, as decisões (e as não decisões) tomadas na área social permanecem sujeitas ao jogo de cumplicidades e do sigilo entre os atores, dificultando o rompimento da lógica privatista que marcou as ações de governo de corte social no período precedente.

Em grande parte, como fruto dessas vivencias e reflexões, aliadas ao próprio processo democrático, se bem que frágil e pouco consistente e com uma constante crise de intermediação política, as lutas e confrontos que tiveram lugar nos anos 1970 e 1980, permitiram a superação, por parcelas da sociedade civil, do entendimento dos direitos enquanto formais, virtuais, abstratos, vinculando-os às possibilidades que se expressavam no campo político e coletivo, e não meramente como princípios individuais e utilitários.

No cenário da redemocratização do país, despontaram sujeitos políticos que se posicionaram face ao Estado, tendo em vista obter a garantia de um patamar diferenciado de cidadania, fundado em concepções concretas de justiça social e igualdade. Instituíram diferentes loci políticos e distintas formas societárias, inovando a relação sociedade política – sociedade civil. Buscaram a ampliação da esfera pública, entendendo-se que sua “constituição é parte integrante do processo de democratização, pela via do fortalecimento do Estado e da sociedade civil, expresso fundamentalmente pela inscrição dos interesses da maioria nos processos de decisão política” (RAICHELIS, 1998, p. 25).

Nesse sentido, é paradigmática a afirmação contida no documento do NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS (NEEP) – UNICAMP (1988, p. 9) de que

proliferam-se os grupos organizados da sociedade civil (associações, sindicatos Igreja, etc.) com capacidade de vocalização política, restringindo-se a esses setores sociais mais organizados as condições de processarem seus interesses e demandas de modo mais ativo. [...] esses setores organizados se manifestaram quase como substitutos dos partidos políticos. Ou seja, demonstram positivamente um enorme grau de politização e participação da sociedade civil, mas indicam também a possibilidade das estruturas corporativas ocuparem o lugar das instituições de representação política, eternizando as desigualdades sociais e a realização de interesses particularistas, se os partidos continuarem incapazes de formular

estratégias políticas consoante com um projeto de construção democrática nacional (NEPP – UNICAMP, 1988, p. 9).

A luta de amplos e diversos movimentos sociais, nas décadas de 1970 e 1980, aconteceu no sentido de ampliar a esfera pública e de inscrever pretensões a direitos reais e efetivos na agenda política e, posteriormente, estatal e jurídica. Em outras palavras, a luta queria aumentar o usufruto de serviços sociais fora do mercado, ocasionando o divórcio progressivo entre o rendimento real e o rendimento monetário.

Há que se pontuar que até 1988, era impensável para a elite hegemônica brasileira atribuir quaisquer direitos que não estivessem solidamente fincados na ordem meritocrática, tendo o trabalho como referência e valor central. Parcela do movimento sindical partilhava da