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Indicações teóricas sobre os procedimentos de investigação

3 CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

3.1 Indicações teóricas sobre os procedimentos de investigação

Ao eleger os procedimentos mais adequados para o trato do material empírico tinha-se clareza que o discurso97, mais especificamente a produção textual derivada dos sujeitos políticos, não poderia ser tomado apenas em sua superfície imanente, mas conter as exterioridades que permitiriam aos destinatários/leitores – indivíduos ou grupos e segmentos sociais diversos - formar juízos e opiniões e aderir ou não às novas propostas, estabelecendo as bases consensuais de uma aliança que poderia se tornar hegemônica. A abordagem do material teria que dar conta, assim, não somente da leitura de cada documento em si, a partir da intencionalidade do autor ou do sujeito político, mas apreender os conteúdos que esse pretendeu imprimir à sua mensagem com a finalidade de obter a adesão a sua proposta. A partir daí, poder-se-ia resgatar a concepção de direito e direito à saúde contida nas diversas formações discursivas analisadas, o que viabilizaria as análises decorrentes e o alcance dos objetivos previstos. Destarte, os textos teriam que ser lidos como uma relação onde os dois pólos estariam, em um certo momento, unidos pela teia de uma compreensão recíproca.

Um outro complicador adicional decorreu da constatação de que as produções a serem consultadas advinham de fontes com propostas e projetos diversos, muitas vezes antagônicos, paradoxais e não compatíveis entre si, sendo necessário evidenciar os conteúdos, nos textos, que sinalizassem para tais diferenças. Eram textos estritamente ideologizados, tendo como objetivo explicito a divulgação de idéias e concepções de mundo e de sociedade.

As constatações acima representaram o eixo a partir do qual decorreu uma série de indagações. Como abordar os documentos produzidos superando a linearidade dos mesmos? Como superar a linearidade sem incorrer na linha interpretativa mais pertinente à lingüística? Quais as ferramentas heurísticas que poderiam evidenciar os mecanismos de produção de sentido em textos originários de fontes tão díspares? Como articular a dimensão ideológica e política sem cair nas armadilhas discursivas? Como ressaltar a cooperação necessária entre autor, ou seja, a instituição competente para enunciar, e o leitor, ou sujeito político, que deve

97 Discurso, doravante, é considerado o efeito de sentido que é construído no processo de interlocução. A teoria

do discurso trata da determinação histórica do processo de significação. No sentido operacional da analise de conteúdo ou discurso, significa uma unidade de corpus que tem representatividade.

ser convencido de uma idéia, de um projeto, sem se perder na dimensão unicamente textual? Sem se perder nas artimanhas da análise de discurso em sua vertente mais tradicional? Como integrar a questão ideológica, as matrizes discursivas diversas em uma totalidade dinâmica? Como integrar as atuais descobertas da semiótica, que dizem respeito essencialmente à cooperação textual, e a produção de sentido nos discursos, sem chegar a uma interpretação, ou superinterpretação, mais própria dessa concepção analítica?

O primeiro ímpeto foi adotar a análise de conteúdo, tanto pela familiaridade com a mesma, como por ser uma técnica bastante difundida nas ciências sociais. Rapidamente percebeu-se, contudo, que como técnica de abordagem documental subtraia o que era essencial para reconstrução do objeto da pesquisa – a produção de significado98 e a necessária reciprocidade no interior do circuito da comunicação. Entendeu-se, ainda, que teria que sistematizar os documentos sob duas óticas: a primeira, a do próprio autor - leitor, destinatário, sem esquecer a relação entre as matrizes discursivas e, a segunda, o olhar inquiridor do pesquisador, para identificar as categorias empíricas a serem analisadas.

As respostas foram sendo obtidas e as dúvidas resolvidas na medida em que se aprofundava nas sendas e veredas da análise de conteúdo, análise de discurso, até chegar ao esquema de cooperação textual de Umberto Eco (1986). Foi possível resgatar e utilizar o que cada uma dessas abordagens possuia de útil para a pretensão analítica, ainda que correndo o risco de uma infidelidade quanto aos procedimentos relacionados ao trato do material obtido.

Refazer essa caminhada favoreceu o desiderato proposto e, no sentido de esclarecer os procedimentos adotados, uma breve retomada desta trilha deve ser empreendida. Os primeiros passos foram os de distinguir o que era fundamental para a construção das categorias empíricas a serem analisadas, a devida relação entre consciência99, linguagem e comunicação na produção textual.

O resgate inicial foi o do próprio termo discurso, que vem sendo utilizado tanto no senso comum como categoria teórica e, no mais das vezes, com conotações e registros diferenciados, imprecisos e antagônicos. Em face de tal situação, pareceu ser importante

98 Significado como o que as coisas querem dizer, no sentido de articulação signo e fonema, realidade e discurso. 99 Consciência “como o lugar privilegiado de descarga de todos os desdobramentos e manobras do pensamento.

[...] Graças à consciência o ser humano pode reconhecer o essencial das coisas” (NAFARRATE, 2000, p.12). Não se trata aqui de discutir o processo de formação de juízos e valores, ou a primazia do individual ou do coletivo na construção da consciência social, mas apenas marcar a relação da consciência com o processo de comunicação e a linguagem. O entendimento de consciência, nesse trabalho, é que ela é um produto social, não

marcar o conceito de discurso, a sua construção enquanto categoria analítica e a sua apreensão pela sociologia contemporânea. A concepção de discurso, em si, vem sofrendo alterações e sendo resignificada a partir de sua apropriação por diversas disciplinas científicas, e no interior das mesmas. Metamorfoses que alteram seu conteúdo, significado e registro.

Não se questiona, atualmente, a relevância da linguagem e dos discursos como liames entre a consciência e a comunicação para se interpretar os fatos sociais, carregados que são de intencionalidades e significados. Importa marcar que não se confunde a importância da consciência enquanto fundamento dos processos cognitivos e a comunicação como processo de atribuição de sentido com a linguagem e o discurso. “Os seres humanos estão acoplados estruturalmente à comunicação por meio de suas consciências, e é mediante esse mecanismo de acoplamento que os indivíduos põem em movimento o processo de auto desenvolvimento da comunicação. [...] A linguagem apenas serve para promover a generalização simbólica do sentido, que a precede” (NAFARRATE, 2000, p.149). A construção desse consenso se deu com o avanço das sociologias interpretativas, o que aumentou a importância da consideração do discurso e da linguagem no marco das ciências sociais, à medida que

era inevitable que una ciencia que se planteara superar el esquema positivista de la explicación de la sociedad, mediante la ‘Comprensión’ (Verstehen) de la accón humana, tenia que relievar el abordage del problema de los significados y las representaciones y, por esa via, replantearse el problema del lenguaje en la vida social (PUERTA, 1996, p. 8).

Fazer um discurso, na linguagem comum contém algumas referências que apontam

um sentido específico ao conteúdo da afirmação. Supõe um tom de voz, uma circunstância especial e uma intenção também definida. Quem faz um discurso reúne uma série de condições que o habilitam para tanto, como cargo, competência, dignidade, além do mesmo situar-se em condições demarcadas, como atos especiais, marcos institucionais ou situações extraordinárias ou memoráveis.

Na abordagem lingüística tradicional, o discurso seria a unidade de análise com a qual se recorta uma locução determinada mais ampla que a frase, sendo o discurso similar a um conjunto de frases ou a uma frase expandida. Essa concepção foi revista a partir do reconhecimento de que a linguagem não deriva de categorias lógicas, mas, sim, de que suas regras são convencionais. Tal perspectiva altera, de forma radical, o entendimento da se concebendo um homem abstrato, descolado das condições reais da existência. Constitui-se como um produto das relações sociais, sendo a comunicação o vetor que permite a interação entre as pessoas.

linguagem como uma realidade autônoma e contendo uma racionalidade lógica intrínseca. O discurso passa a ser entendido como a capacidade de produzir um efeito, uma significação, e o texto, como uma de suas possíveis manifestações.

Puerta (1996), ao resgatar a noção de discurso em Michel Foucault100, indica que é um termo que se repõe, com matizes importantes e distintos, no conjunto de sua obra101. O mesmo autor relata que, inicialmente, Foucault fala do discurso como uma organização do saber, um conjunto de regras que estabelece o que se pode dizer em um período e contexto determinados. Revela que as culturas não mostram, explicitamente, o conjunto de códigos fundamentais que regulam sua linguagem, os esquemas perceptivos e classificatórios, os valores e nem as produções teóricas ou filosóficas de uma época.

Discute, posteriormente, o que denomina função enunciativa, que seria o elemento mais simples do discurso. Para Guirado (1995) e Puerta (1996), essa função estabeleceria os liames entre um campo referencial, as formas de subjetividade, as estratégias e os campos discursivos associados, que implicariam em uma materialidade do discurso. Essa materialidade possibilitaria agrupar sistemas discursivos regidos por certas regras, além das que são evidentes. Reconhecem que os discursos são práticas que constroem objetos, além de relacionar instituições sociais, econômicas e políticas determinadas (PUERTA, 1996, GUIRADO, 1995).

Finalmente, Foucault constrói uma pragmática102 do discurso abrangendo as ordens de controle e contendo os procedimentos internos e externos (subjetividade e instituições), sempre interligados entre si, que fiscalizam e direcionam o discurso, considerado objeto de desejo e luta de poderes. Assim, distingue os discursos que contém os procedimentos de exclusão (a proibição, a recusa/separação e a falsidade), as ordens internas (o comentário, o autor e as disciplinas103) e as regras que condicionam a utilização ou autorização dos

100 Michel Foucault trata do discurso, notadamente em três livros: A palavra e as coisas (1995), Arqueologia do

Saber (1972) e em A Ordem do discurso (2001).

101 Foucault estuda o saber a partir da perspectiva estruturalista, opondo-se à toda forma de historicismo e

abordando-o desde uma arqueologia. “Formula el concepto de episteme, que en él sustituye al concepto de estructura, para desvelar las distintas formas de manifestarse el saber en el conjunto de relaciones que se dan en una época determinada entre las ciencias”(RIU, MORATÓ, 1996).

102 Pragmática como um conjunto de regras e normas que fundam um discurso, sendo na semiologia um ramo de

estudo que aborda a relação entre o signo e o seu usuário.

103 Comentário “é entendido como uma espécie de nivelamento ou achatamento do discurso, por sua repetição ou

reaparição nas conversas cotidianas” (GUIRADO, 1995), enquanto que a autoria não é o indivíduo que fala ou escreve, e sim, é o agrupamento do discurso como uma unidade, isto é, a organização de suas significações e o foco de sua coerência. A disciplina refere-se a instância de controle do discurso, definidora do que se pode ou não se pode emitir significados.

indivíduos para usar os discursos (os discursos rituais, os doutrinários, as sociedades de discurso e a educação).

O conjunto de elementos que compõem a pragmática do discurso possibilita a construção de formações discursivas, “o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma alocução, um sermão, um panfleto, uma exposição, um programa, etc.) a partir de uma posição dada em uma conjuntura determinada” (MAINGUENEAU, 1997, p. 22).

Os procedimentos de utilização ao limitar e ordenar o que se fala e quem fala,

são condições de enredamento dos indivíduos que falam: ninguém entrará na ordem de um discurso se não estiver qualificado a fazê-lo; nem todas as regiões discursivas são igualmente abertas e penetráveis. Trata-se de impor aos indivíduos um certo número de regras e não permitir desta forma o acesso do resto do mundo a essa fala (GUIRADO, 1995, p. 39).

Marilena Chauí designa esse tipo de controle ou regulação como o que produz o que denomina de discurso competente, sendo este o discurso instituído e, portanto, aceito que seja dito por especialistas autorizados pela sociedade para emiti-lo. É o discurso que perdeu o seu potencial instituinte de uma nova ordem social, que foi incorporado e que não mais ameaça valores e padrões culturais (CHAUÍ, 1981). A autora aponta, corretamente, que

o discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado (esses termos agora se equivalem) porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua origem. [...] O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e de ouvir, no qual as circunstâncias já foram predeterminadas para que seja permitido falar e ouvir, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência (CHAUÍ, 1981, p.7).

As considerações de Foucault sobre formações discursivas e a pragmática do discurso incluem aspectos importantes e que foram resgatados em função do objeto de estudo proposto.

Foi necessário, ainda, aprofundar o conhecimento sobre a comunicação, visto que os documentos analisados diziam respeito a esse processo. Ou seja, no decorrer do processo comunicativo referente à questão da política de saúde, quais os conteúdos eram veiculados, entre os diversos sujeitos políticos, que sinalizavam para as alterações que poderiam construir uma nova agenda para o setor.

Para se apreender a relevância dessa afirmativa, é fator decisivo considerar a linguagem unicamente como um meio que torna possível a constituição de sistemas na esfera da consciência e da comunicação. Portanto, não é em si mesma, um sistema, mas tem a função de promover a generalização simbólica do sentido. Ou seja, ela não atribui o sentido, mas desdobra-se como uma técnica que veicula o sentido. A atribuição de sentido, portanto, requer a comunicação “definida como o processo social de atribuição de sentido” (NAFARRATE, 2000, p. 149). Evidente que considerar a comunicação nessa linha induz a uma supervalorização da mesma, desconsiderando a razão como o locus da formação dos juízos e representações.

Umberto Eco (1986) distingue na comunicação não os tipo de signos, mas sim as várias modalidades de produção de signos, de acordo com o trabalho que se realiza, considerando como discurso todo e qualquer processo semiótico, lingüístico ou não. Tal compreensão de comunicação abre a perspectiva de se considerar discurso tudo o que pode significar ou comunicar algo, ou seja, praticamente qualquer fato social, técnico ou cultural - a performance. Considera, de forma antagônica a Foucault, que os discursos devem ser vistos como acontecimentos, e interpretados não unicamente em sua estrutura imanente, mas com as exterioridades que constroem a capacidade do olhar externo.

A preocupação de Eco, já na década de 1960, se voltava para a pragmática do texto, ou seja,

a atividade cooperativa que leva o destinatário a tirar do texto aquilo que o texto não diz (mas que pressupõe, promete, implica e implícita), a preencher espaços vazios, a conectar o que existe naquele texto com a trama da intertextualidade da qual aquele texto se origina e para a qual acabará confluindo (ECO, 1986, p. X).

Entendendo o papel da linguagem e do discurso, foi importante, a seguir, identificar a ferramenta mais adequada para tratar o material empírico.

Um aspecto que permeou a reflexão, no momento da escolha metodológica, foi a questão da ideologia. Sem desconhecer a riqueza de produções teóricas sobre ideologia, a escolha recaiu na abordagem de Marilena Chauí, visto que discorre exclusivamente sobre o discurso ideológico, abordando sua função e construção (CHAUI, 1981).

A operação ideológica, segundo Chauí (1981), utiliza artimanhas discursivas para atingir seu objetivo. Esclarecendo sua posição, afirma que desde que os sujeitos sociais e políticos deixam de contar com um arsenal explicativo de saber e poder exteriores à sua

prática (religião, mitos, tabus), capaz de legitimar a existência de formas instituídas de dominação, os mesmos constroem representações que irão explicar sua visão de realidade, de poder, enfim, de mundo. É a passagem do discurso que, partindo do discurso social e do discurso político, se transforma em discurso sobre o social e sobre o político, assumindo um caráter impessoal e descolado da existência real. Afirma Chauí, que esse é o primeiro momento na elaboração ideológica. A função específica do discurso ideológico é fazer aparecer e desaparecer as contradições e antagonismos que permeiam uma sociedade de classes. Afirma que

é possível perceber qual o trabalho específico do discurso ideológico: realizar a lógica do poder fazendo com que as divisões e diferenças apareçam como simples diversidade das condições de vida de cada um, e a multiplicidade das instituições, longe de ser percebida como pluralidade conflituosa, apareça como um conjunto de esferas identificadas umas às outras, harmoniosa e funcionalmente entrelaçadas, condição para que um poder unitário se exerça sobre a totalidade do social e apareça, portanto, dotado da aura da universalidade, que não teria se fosse obrigado a admitir realmente a divisão efetiva da sociedade em classes (CHAUÍ, 1981, p.21).

É através do discurso que se difundem idéias, que se constroem consensos e dissensos. Destarte, os discursos somente podem ser estudados a partir de seu lugar de formação - uma determinada sociedade - visto que são constituídos por processos históricos e sociais, não podendo se deslocar de suas condições de produção. Assim,

[...] a linguagem enquanto discurso é interação, um modo de produção social; ela não é neutra, inocente ( na medida em que está engajada numa intencionalidade) e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia (BRANDÃO, s/d, p. 12).

Analisar o discurso, segundo Foucault (1995, p.187) é

fazer desaparecer e reaparecer as contradições, é mostrar o jogo que jogam entre si; é manifestar como pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhes uma fugidia aparência.[...] Formação Discursiva é um espaço de dissensões múltiplas, com a marca da unidade e da diversidade, entre o coerente e o heterogêneo, da contradição presente nas formações sociais.

Tal significa reconhecer que o sentido do discurso não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas em confronto, em um, também, determinado processo sócio- histórico em que as palavras são produzidas. Este é o lugar da interpretação.

Tendo em vista os objetivos propostos, foi necessário conhecer as condições de produção discursiva, que tem sido pensada como uma região ou espaço em termos de classes

sociais, identificando os interesses similares, os contraditórios e os não coincidentes. Maingueneau (1997) fala em prática discursiva, a qual alia o contexto da formação discursiva com os grupos - comunidades que elaboram o discurso. Destaca, assim, que não são os sujeitos individuais que formulam as práticas discursivas, mas, sim, os atores que tem competência institucional para tanto, estando sujeitos, porém, ao que é condicionado pela formação discursiva.

Reconhecendo as condições de produção dos discursos, aspecto que também foi resgatado para a constituição do corpus, sentia-se, ainda, uma precariedade em certos aspectos da análise de discurso, como dispositivo para análise textual, pois, embora incorporando o aspecto ideológico, permanecia em aberto a interação semântica entre os sujeitos políticos no processo de produção de hegemonia. A ênfase nos aspectos lingüísticos não dava conta de trazer à tona tanto os mecanismos de troca de sentidos presentes nos processos comunicativos, ou como descobrir a mecânica dos textos, entendida como os mecanismos usados para identificar as divergências e convergências de sentido, obnubilados pelo vetor da ideologia. Nesse sentido, o rigor conceitual de Chauí, novamente, foi fundamental, especialmente quando indica que o

discurso ideológico é aquele que pretende fazer coincidir as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser, destarte, engendrar uma lógica da identificação que unifique pensamento, linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada, isto é, com a imagem da classe dominante (1981, p. 3).

Sendo assim, o que daria segurança para construção das categorias empíricas seria o resgate de quais os pontos onde haveria uma densidade de sentido que permitisse sua apreensão e atualização pelos sujeitos destinatários.

Procurou-se, nos textos, tanto identificar as possíveis rupturas ou transformações ocorridas com o direito à saúde após a Constituição de 1988, como os significados que possibilitariam a construção de uma nova concepção e novos valores em relação ao direito à saúde. Importava reconhecer nos discursos como as propostas eram apresentadas de forma que pudessem cativar o leitor para aderir às mesmas.

Nesse ponto, é interessante estabelecer uma articulação entre o pensamento sobre o discurso ideológico, de Chauí e o lugar da interpretação textual em Umberto Eco. Para a primeira, o discurso ideológico é um discurso feito de espaços em branco, um discurso lacunar. Assim,

a coerência desse discurso (o fato que se mantenha como uma lógica coerente e que exerça um poder sobre os sujeitos sociais e políticos) não é uma coerência nem um poder obtido malgrado as lacunas, malgrado os espaços em branco, malgrado o que