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5 REFORMAS INCREMENTAIS E DIREITO À SAÚDE: A ATUALIZAÇÃO DOS DISCURSOS E DAS AGENDAS POLÍTICAS

5.2 O reenquadramento da sociedade civil

Entre os autores que vêm tratando da relação Estado-sociedade-mercado nas sociedades capitalistas contemporâneas, Boaventura de Sousa Santos (1999, 1997, 2001) e Claus Offe (1994) vêm apresentando reflexões consistentes sobre as interfaces mutantes dos arranjos sociais e econômicos desse final de século. Recorre-se a essas contribuições para organizar parte do argumento que permite a análise das matrizes discursivas enunciadas pelos sujeitos da pesquisa. Elas tratam das transformações da ordem social contemporânea, do papel da sociedade civil, das conseqüências para os direitos sociais, e, especialmente, do direito à saúde. Igualmente, utiliza se o apoio teórico de dois outros estudiosos, Esping-Andersen e Vicenç Navarro, que vêm abordando a temática da transformação da proteção social, aprofundando o referencial inicial sobre o Welfare State e sua crise, com as conseqüentes reverberações no espaço civil. No Brasil, acolhe-se uma grande parte do aporte teórico de Evelina Dagnino e Vera da Silva Telles. A contribuição de Telles é referenciada na medida em que transita entre a conflituosa e instigante relação entre a sociedade civil e os direitos sociais.

Tendo em vista a pluralidade de concepções sobre a sociedade civil e a relevância do conceito para a análise a seguir, é importante precisar, ainda que de forma concisa, os termos da discussão.

Esping-Andersen (2000), refletindo sobre as economias pós-industriais dos países europeus, considera que os dados não apontam para uma verdadeira crise do Estado de Bem Estar, posição compartilhada por Navarro (2000) e Przeworski (1993). Vem ocorrendo, efetivamente, uma preocupante redução do mercado de trabalho e o aumento das desigualdades. Entretanto, os direitos sociais foram reduzidos em pequena escala.

Esping-Andersen (2000) acentua que o debate sobre a crise se centrou fortemente no Estado, afirmando que, se existir mesmo uma autêntica crise129, esta se origina nas interações entre os três pilares que conformam os regimes de bem-estar - o mercado de trabalho, a família e o Estado. Essa afirmação constitui uma via de entrada para situar que a sociedade, ou suas instâncias organizativas, tem matizes polarizadas, inúmeras vezes antagônicas e contraditórias, expressando os interesses que se organizam e dão o “caráter plural, multifacetado e heterogêneo da sociedade civil” (TELLES, 1994). São essas expressões multifacetadas que se exprimem nos sistemas modernos de políticas democráticas, reconhecendo o seu conteúdo ético no Estado, na medida que “promove o crescimento da sociedade civil sem anular os espaços de liberdade dessa [...]” (SEMERARO, 1999, p. 70).

Partilha-se da posição de Semeraro (2002) que, apoiando-se em Gramsci, entende não ser a sociedade civil considerada desde o ponto de vista economicista e liberal, autonomizando-se em relação à sociedade política. Não se reconhece também uma identificação entre Estado e sociedade civil130 nos moldes do totalitarismo. Pelo contrário, o autor defende que há um movimento de identidade-distinção entre sociedade civil e sociedade política, sendo a primeira considerada como “o extenso e complexo espaço público não estatal onde se estabelecem as iniciativas dos sujeitos modernos que com sua cultura, com seus valores ético-políticos e suas dinâmicas associativas chegam a formar as variáveis das identidades coletivas” (SEMERARO, 1999, p. 70). É o terreno onde se desenvolvem tanto os valores da liberdade e da responsabilidade como os da opressão e exploração.

O ponto de partida para a análise foi encontrado em Santos (1999) que, ao analisar o contrato social na modernidade, resgata os critérios de inclusão e exclusão, que constituem o fundamento da legitimidade da contratualização das relações econômicas, políticas, culturais e sociais. Revisar essa construção auxilia a compreensão dos direitos sociais e o direito à saúde na perspectiva que vêm sendo analisados.

Considerando sempre que o contrato social tem uma lógica imanente de exclusão/inclusão, a sua gestão assenta-se em três pressupostos, que Santos nomeia como metacontratuais: 1) um regime geral de valores, apoiado na idéia do bem comum e da vontade

129 Esping-Andersen (2000), refletindo sobre as economias pós-industriais dos países europeus, considera que os

dados não apontam para uma verdadeira crise do Estado de Bem Estar, posição compartilhada por Navarro (2000) e Przeworski (1993). Vem ocorrendo, efetivamente, uma preocupante redução do mercado de trabalho e o aumento das desigualdades. Entretanto, os direitos sociais foram reduzidos em pequena escala.

130 “Na dinâmica da sociedade, de fato, interagem ‘forças materiais’ e movimentos ético-políticos que formam

geral; 2) um sistema comum de medidas, baseado na concepção de espaço-tempo; 3) um espaço- tempo que é o nacional, o estatal. São esses pressupostos que organizam, que permitem, através do contrato social, produzir de

maneira normal, constante e consistente quatro bens públicos: legitimidade de governação,bem-estar econômico e social, segurança e identidade coletiva. [...] são, no fundo modos diferentes mas convergentes de realizar o bem comum e a vontade geral. A prossecução destes bens públicos desdobra-se numa vasta constelação de lutas sociais, desde logo as lutas de classe que exprimiam a divergência fundamental de interesses gerados pelas relações sociais de produção capitalista (SANTOS, 1999, p. 88).

A concepção de bem comum e as diferenças entre autonomia individual e justiça social, entre liberdade e igualdade, são resolvidas na esfera da sociedade civil, permeando, em seqüência, as materialidades institucionais que dão sustentação às contratualizações efetuadas. Santos se refere a três grandes constelações institucionais que foram resultado das contratualizações ao longo do tempo: a socialização da economia, a politização do Estado e a nacionalização da identidade cultural. A socialização da economia resultou em, como alguns autores denominam, uma suposta domesticação do capitalismo, com a criação do Welfare

State e direitos de cidadania. A politização do Estado significa sua intervenção na mediação

dos conflitos e na regulação da economia, ou seja, a expansão da capacidade regulatória na garantia estatal das contratualizações. Por último, a nacionalização da identidade cultural que formou os Estados Nacionais. Santos aponta os dois limites dos critérios de inclusão e exclusão intrínsecos ao contrato social: os da própria da natureza e os dos grupos sociais aos quais o trabalho não deu acesso à cidadania.

Atualmente, no plano dos direitos de cidadania, Santos considera que os valores que presidiram sua estruturação não têm mais resistido à fragmentação da sociedade, polarizada pelos vetores econômicos, sociais, culturais e políticos. Não há como “colocar todos no mesmo barco”, como menciona Vianna (1998), ou garantir o nós inclusivo, segundo Offe (1984). Os valores da modernidade - igualdade, justiça, liberdade, autonomia - vêm significando “coisas cada vez mais díspares para pessoas ou grupos sociais diferentes, e de tal modo que o excesso de sentido se transforma em paralisia da eficácia e, portando, em neutralização” (SANTOS, 1999, p. 92). As únicas estabilidades mencionadas por Santos são a do mercado e a do consumo, que pairam acima de todos os valores como um ordenador dos demais, razão que torna difícil estabelecer modelos alternativos de desenvolvimento pela

sociedade civil. A regra de Tina131, prevalece, fazendo predominar os processos de exclusão e não os de inclusão nas contratualizações modernas. Essa ação é naturalizada pelos valores atuais: consenso econômico neoliberal, consenso do Estado fraco e consenso democrático liberal, com sua concepção minimalista de democracia. Nesse sentido, a sociedade pode mesmo ser uma parceira, pois não é o campo das lutas democráticas ou o locus de construção das vontades coletivas.

As colocações acima permitem entender a posição atual de Offe (1999), quando sinaliza que o zeitgeist132 tem evidenciado as falácias dos três ingredientes da ordem social, o Estado, o mercado e a sociedade. São seis: a falácia do estatismo excessivo, o engodo do Estado mínimo, a excessiva confiança nos mecanismos de mercado, a limitação excessiva das forças do mercado, o comunitarismo excessivo e o descaso com o comunitarismo. Reconhecer como esses termos e significados se expressam nas matrizes discursivas dos sujeitos da pesquisa favorece o entendimento das tendências sobre o novo papel da sociedade civil e de suas manifestações institucionais.

Coutinho (2002), corrigindo equívocos na apreensão da teoria gramsciana e interpretando o conceito de sociedade civil, alerta que este sofreu um deslocamento conceitual devido ao período ditatorial, tornando-se

sinônimo de tudo aquilo que se opunha ao Estado ditatorial, o que era facilitado pelo fato de ‘civil’ significar também, no Brasil, o contrário de ‘militar’. Disso resultou uma primeira leitura problemática do conceito: o par conceitual sociedade civil/Estado, que forma em Gramsci uma unidade na diversidade, assumiu os traços de uma dicotomia radical, marcada ademais, por uma ênfase maniqueísta (COUTINHO, 2002).

Segundo o autor, essa apreensão enviesada contribuiu para diluir o caráter contraditório dos interesses presentes, que se organizavam em torno de uma luta comum, o fim da ditadura militar. Como conseqüência, favoreceu a ascensão das forças liberais que foram se fortalecendo ao longo dos anos e apropriando-se, convenientemente, do falso antagonismo contido no conceito para derruir o papel do Estado e fazer a “apologia crítica de uma ‘sociedade civil’ despolitizada, ou seja, convertida num mítico ‘terceiro setor’ falsamente situado para além do Estado e do mercado” (2002).

131 Offe (1999) relata que a palavra Tina se origina das iniciais de “There Is No Alternative”, idéia proclamada

pelos defensores dos ajustes econômicos neoliberais. Em que não haveria alternativas ao modelo econômico globalizado.

Os encaminhamentos das políticas sociais brasileiras, em especial as políticas de saúde, autorizam a afirmação de que as reformas que vêm se processando a partir de 1995, detêm um forte componente estatal, ainda que, aparentemente, este não se evidencie. Essas mudanças se complementam com uma renovada função da sociedade civil, agora, na qualidade de parceira e de pólo de virtude cívica.

Em meados da década de 1980, o protagonismo das organizações representativas da sociedade civil contribuiu decisivamente para alterar o rumo político nacional, levando a uma nova cidadania. Hoje, contrariamente, o que se vem assistindo é a tentativa de construção de um caminho inverso. Em lugar dos sujeitos portadores de direitos, que se movimentavam em um espaço público construído naquela época, surgem os parceiros sociais, que substituem o setor público precariamente e de forma imprecisa.

Encontra-se implícita na idéia das parcerias sociais, uma negação da dimensão política da sociedade civil, eclipsando os interesses em articulação para a conquista da hegemonia. Esse fenômeno leva a uma desqualificação da política e da produção de consensos democráticos entre os interesses convergentes ou de frontal antagonismo aos interesses divergentes. Com essa idealização liberal da sociedade civil, assiste-se o fim da possibilidade democrática ao se negar os antagonismos presentes na ordem social (MOUFFE, 1996).

Toda a matriz discursiva do Ministério da Saúde é a de idealização positiva do papel protetor da sociedade civil, independente de quaisquer particularidades que se identifiquem entre as inúmeras formas societárias encontradas. O discurso do setor público em relação às instituições da sociedade civil é o da cooperação e da transferência de responsabilidade, colocando-as como parceiras confiáveis, conforme se depreende nas afirmativas seguintes:

quero dizer, ao contrário do que pretendiam os setores mais radicais, não discriminamos tais entidades e, mais do que isso, as apoiamos na realização dos investimentos, no refinanciamento de suas dívidas e no pagamento de remuneração maiores por seus serviços, quando se dedicam, também, ao ensino universitário (MS - SERRA, 2000a, p. 32).

Temos perfeita consciência, assim, de que é fundamental recuperar e desenvolver, na área da saúde do Brasil, uma cooperação mais estreita entre o Governo e a Sociedade (MS – SERRA, 2000a, p. 32).

A mesma preocupação com a transferência das ações para a sociedade é reposta pelo próprio presidente da República, para quem,

esta nova ética deverá estar a serviço da formação de novas modalidades de parceria entre a sociedade e o governo: deverá auxiliar, por meio da educação, a

sociedade a organizar-se, de modo que ela se torne mais autônoma e menos dependente de Governos que têm menos recursos (MS - CARDOSO, 1999, p. 25).

A assertiva do então Ministro da Saúde confirma a apreciação de Dagnino (2002, p. 13), de uma “aposta generalizada na ação conjunta, de ‘encontros’ entre o Estado e a sociedade civil” nos anos 1990. Essa posição acompanha um recente desenvolvimento do pensamento comunitarista que predominou nos países capitalistas avançados nos anos 1980 (KYMLICKA; NORMAN, 1997). Os teóricos e defensores dessa linha sublinham que a participação política e o mercado não são suficientes para desenvolver as virtudes da civilidade, entendidas como o cuidado e à responsabilidade ativa dos compromissos mútuos. Resgatam a importância das organizações voluntárias da sociedade civil – igrejas, famílias, sindicatos, organizações étnicas, cooperativas, grupos de auxílio mútuo, de vizinhança, de apoio à mulheres - na criação do compromisso mútuo e, conseqüentemente, na atenção aos grupos socialmente vulneráveis.

Kymlicka e Norman (1997) criticam a reificação favorável que vem sendo feita da sociedade civil, como um semillero de virtudes cívicas, pela ausência de uma base empírica mais consistente. Contra-argumentam que essas associações cívicas podem ser também lugares de dominação e autoritarismo, de construção de comportamentos subalternos, de intolerância às diferenças e, principalmente, que sempre representam um interesse contrário aos que não as integram.

Não se pode esquecer que o objetivo das organizações voluntárias é restrito e se limita a pôr em prática certos valores e certos bens (KYMLICKA, NORMAN, 1977), e isso tem pouco a ver com a questão dos direitos sociais ou da promoção da cidadania. São organizações regidas pela lógica da esfera privada e não do atributo público, o que lhes deve garantir, tão somente, um papel subsidiário e complementar, mas não um papel central na atenção e proteção social. A principal razão para isso é que o estatuto privado não permite um questionamento da ordem pública. Nos termos colocados por Kymlicka e Norman (1997, p. 23):

los ciudadanos liberales deben dar razones que sustenten sus reclamos políticos, en lugar de limitarse a manifestar preferencias o proferir amenazas. Estas razones deben además ser “públicas” en el sentido de que deben ser capaces de convencer a personas de diferentes creencias y nacionalidades. No es suficiente por lo tanto invocar las Escrituras o la tradición. Los ciudadanos liberales deben justificar sus reclamos políticos en términos que sus conciudadanos puedan no sólo entender sino también aceptar como consistentes con su status de ciudadanos libres e iguales.

Transparece na afirmativa do Ministro, colocada anteriormente, as respostas que foram e vêm sendo oferecidas, no plano sócio-político, para a crise do Estado de Bem Estar, notadamente, nos países europeus que adotaram o modelo corporativo de Welfare State. Mais recentemente, essa mesma resposta pode ser encontrada na América Latina.

Diversas formas de ação social das empresas privadas, do voluntariado e do novo ente público não-governamental – as organizações sociais – foram incorporadas ao modelo neoliberal de fazer política. Elas partem de um princípio comum, referido por Figueiró (2001, p. 74), de que “através da integração entre os setores econômico, político e entidades civis sem fins lucrativos é possível criar condições efetivas para superação dos problemas sociais que atingem grande parte da sociedade brasileira”.

A partir do novo modelo de implementar políticas sociais, a matriz conservadora parece ser refeita com noções que correspondem ao presente histórico. Essa afirmação pode ser inferida da interpretação de Hésio Cordeiro (2001), quando analisa as reformas recentes dos sistemas de saúde:

a concentração da riqueza e da renda se acentua cada vez mais, ao mesmo tempo em que se difundem ideologias de “um novo humanismo” citando exemplos de como seria possível superar a pobreza pelo voluntariado, as iniciativas da filantropia e a “compaixão” entre as pessoas (CORDEIRO, 2001, p.328).

Convém lembrar que uma das explicações conservadoras para a crise do Estado protetor assenta-se na perda de dinamismo da sociedade civil e no seu progressivo afastamento das funções de proteção social. Tanto é assim, que as recentes interpretações sobre a propalada crise são adensadas para além do aspecto econômico, com a recuperação do papel protetor das instituições da sociedade civil nesse processo, nomeadamente nos países com forte orientação religiosa, como Itália, Portugal e Espanha. Ao mesmo tempo que recuperam uma forma mais pragmática de ação coletiva, com padrões mais voltados para realização complementar ou substituição integral de serviços públicos estatais, vão, paulatinamente, reduzindo o potencial político de participação e de construção de uma esfera pública democrática.

O resgate das funções de ajuda das organizações filantrópicas é, igualmente, uma sugestão do Banco Mundial, que propõe a transferência da assistência à saúde para as ONGs e setor privado. É o mesmo movimento de transferência dos serviços públicos para a sociedade civil, mas motivado por argumentos distintos: se no primeiro caso a preocupação é com a função socializadora das instituições, como uma forma de recuperar valores tradicionais, no

segundo, o vetor é mais econômico, como uma forma de favorecer o ajuste estrutural da economia e equilibrar os orçamentos nacionais.

A argumentação ético-política do ex-ministro José Serra parece assentar-se na explicação mais conservadora para a crise. A racionalidade presente no eixo argumentativo é a de parceria entre a sociedade civil e o Estado, com a erosão das diferenças de classe e dos aspectos políticos, visto que, aparentemente, são relações entre iguais, sendo que os papéis são vistos como complementares, repousando na cooperação mútua. Dessa forma, o papel desempenhado pela sociedade civil situa-se em adjuvante ao Estado, que repassa à mesma as funções executivas da materialidade das políticas sociais. Esse movimento propicia duas conseqüências, ambas funcionais à nova forma de atenção social. A primeira, anula ou subsume a esfera pública das decisões e posicionamentos contrários ao padrão de ação social prestado. A segunda conseqüência nega a universalidade, privatizando e colocando as ações de proteção social em termos de filantropia. Não se evidencia e não se ressalta os ganhos que são obtidos pelas empresas sociais ou de benemerência, através da renúncia fiscal, a ser analisada posteriormente.

Convém assinalar, para evitar possíveis equívocos, que as organizações que integram o Terceiro Setor na área da saúde, igualmente que nas demais áreas, não podem ser etiquetadas sob um mesmo rótulo. Têm origens e estratégias distintas, e como alerta Midaglia,

és incorrecto identificar estas estrategias alternativas con corrientes políticas específicas, al menos por dos razones fundamentales: en primer lugar, ellas emergen tanto de organismos internacionales de crédito (Banco Mundial, Banco Interamericano de Desarrollo) como de grupos de partidarios con distinta orientación ideológica; en segundo lugar, aunque de manera parcial, estas policies toman en consideración las críticas y resultados de las proposiciones defendidas tanto por la izquierda como por la nueva derecha política (MIDAGLIA, 2001, p. 181).

Em que pesem as distinções, o ponto que as unifica é o da natureza jurídica, que é sempre privada.

A racionalidade que preside o discurso da cooperação e da parceria parece ter como objetivo reconstruir uma solidariedade edificada não sobre a idéia de riscos de classe e intergeracionais, que seriam relacionadas ao direito social ou de um sentido mais radical de cidadania.

Na mesma linha de Kymlicka e Norman (1997), Mouffe (1996) e Dagnino (1994), entende-se que a cidadania é mais que um conjunto de direitos e responsabilidades,

envolvendo um sentido de identidade política e de pertencimento a uma comunidade política, de uma cidadania ativa no sentido forte do termo, que expressa o direito a ter direitos de forma igualitária na definição e invenção de uma nova sociedade.

O apelo identificado na matriz discursiva do Ministério da Saúde, entretanto, sinaliza para dois pólos não opostos, mas complementares: para o lado da solidariedade intrínseca à benemerência e para o da construção de um cidadão consumidor. Não parece levar em consideração que o trânsito da ação pública para a ação beneficente ou a transferência da execução dos programas de atenção à saúde para o plano da sociedade civil recoloca relações entre desiguais, não mais uma igualdade parametrada pela cidadania social.

Fica evidente o chamado emocional quando o ministro Serra (MS - 2000a, p. 42-43) enfoca a questão das campanhas e mutirões, anunciando-as como decorrentes das virtudes mobilizadoras do sistema de saúde:

este tem sido o caso, por exemplo, dos mutirões de cirurgias eletivas: catarata, hérnia, varizes e próstata, além da realização de campanhas nacionais como a de exames e tratamento com laser de olhos de diabéticos. [...] E esses programas têm sido viáveis, bem-sucedidos, por causa da grande cooperação de entidades médicas,