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Nesta investigação, considero como ator exógeno o Estado representado na instância do poder local, por não encontrar muitos documentos referentes às intervenções das outras duas instâncias (estadual e federal). Todavia, na medida em que estes surgiram foram também incorporados na análise.

O ator exógeno ocupa uma posição distanciada corporalmente e afetiva do lugar de suas ações. Normalmente possui um olhar mais frio, utilitarista e especulativo. Também, pode ser visto como transicional, pois, ao gerar políticas, interfere no território alheio. Os atores exógenos muitas vezes, cooptados pelo capital na intenção de atender as necessidades dos setores econômicos, impactam o equilíbrio do universo cotidiano do local. Em situações que envolvem o fechamento do território, como estratégia de preservação da natureza, implicam o deslocamento de populações locais (HEIDRICH, 2009). Na contemporaneidade, de acordo com Bobbio, o Estado desempenha quatro funções fundamentais:

a) criação das condições materiais genéricas da produção (infraestrutura); b) determinação e salvaguarda do sistema geral das leis que compreendem as relações dos sujeitos jurídicos na sociedade capitalista;

c) regulamentação dos conflitos entre trabalho assalariado e capital; d) segurança e expansão do capital (BOBBIO, 1986, p. 405).

A trajetória do planejamento urbano no Brasil aponta o Estado como o principal ator na promoção de intervenções no espaço. Segundo Corrêa (1989), esse agente está presente no espaço urbano, atuando de diferentes formas: proprietário fundiário, industrial, promotor imobiliário, consumidor de espaço e agente regulador do uso do solo e provedor de serviços públicos. Contudo, segundo arcada pelos

conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como

com as grandes corporações econômicas, impõe certas lógicas de uso e regulação do solo urbano, buscando criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista. Nesse sentido, Bobbio (1986, p. 406) argumenta que:

[...] aprontamento de políticas econômicas claramente orientadas à valorização do capital, apresenta contradições dificilmente superáveis: a orientação pública favorável à acumulação põe de fato o problema da legitimação dessa intervenção.

Nesse processo, criam-se mecanismos que levam à segregação residencial e à sua ratificação. Conforme Lojkine (1981), o poder público atua na urbanização de duas maneiras: primeiro, regulando os processos de urbanização e, segundo, como interventor contraditório sobre a socialização das forças produtivas. Esse autor propõe uma abordagem do urbano como condição geral da produção capitalista, permitindo-se obter uma interpretação dos serviços urbanos públicos no crescimento da produção global. Essa abordagem insere, também, o processo de socialização urbana na contradição entre seu valor de uso coletivo e sua apropriação privada. Lojkine (1981, p.

desenvolvida da divisão social do trabalho, é um dos determinantes fundamentais do

vínculo próximo entre o aumento da produtividade e o planejamento urbano. Isso é muito importante em termos de se apreender o papel do Estado na gestão do espaço urbano, porque, através das práticas, como por exemplo, o controle físico do acesso por meio do espaço material, como indica Sack (1986). Sendo assim, percebe-se que o Estado, enquanto ator exógeno, possui uma visão mais estreita de território, a partir da dimensão jurídico-política, formal. Por meio do planejamento urbano, o estado interfere nos espaços, permitindo que novas parcelas urbanizadas se incorporem ao tecido urbano com pouca ou nenhuma conexão com as formas pretéritas e ignorem as especificidades do território.

Em Pelotas, observa-se que os incorporadores, juntamente com o Estado45, proprietários de terras, construtoras, empresas ligadas ao ramo da construção civil e segurança, formam o grupo de atores exógenos e estão ligados à ordem distante46, que atua na transformação do espaço costeiro lagunar. Em seus projetos de condomínios e loteamentos, observa-se a vinculação do mercado imobiliário de terras urbanas com o processo de valorização imobiliária, a partir da associação da ideia de natureza, como ocorreu no passado. O dado novo é a questão da segurança.

Não raro, a imagem da paisagem lagunar e seu ambiente natural são apropriados como elemento significativo de valor agregado ao empreendimento, como mostra o fragmento da propaganda do empreendimento Veredas Altos do Laranjal47 (Figura 3):

[...] experimente se conectar à natureza. E sentir na pele, no cheiro, a energia. De ver pela janela tanta beleza. Experimente se cercar de liberdade. Onde um mundo de possibilidades existe. Em meio à segurança e à privacidade.

Figura 3 - Condomínio Veredas Altos do Laranjal.

45 O Código de Postura do Município (Lei nº 180.770) vigente até, pelo menos, o ano de 2008, como

consta em Dias (2008), pelos seus

proprietários, não reconhecendo os banhados como área de importância ambiental.

46 Lefebvre (2013) considera a ordem próxima à da vizinhança, campo do vivido e a ordem distante, a do Estado, sempre interpenetradas uma na outra.

Nota: No primeiro plano, na rótula à direita segue para Balneário Santo Antônio, à frente à esquerda, áreas de lavouras, à direita, áreas de especulação imobiliária e, ao norte a estrada que dá acesso ao Balneário dos Prazeres.

Fonte: Material publicitário do empreendimento Loteamento Veredas Altos do Laranjal.

A diferenciação socioespacial e o espraiamento da cidade para o setor leste tornaram-se crescentes, pois, em sucessivos governos, o plano diretor48 da cidade permitiu que a especulação imobiliária e os empreendimentos imobiliários se instalassem atendendo às expectativas da reprodução do capital e, também, de grupos de alta renda. Estes optam por esse tipo de moradia por elaborarem uma representação negativa da cidade, associando-a à violência, criminalidade, poluição sonora, atmosférica, problema de mobilidade, dentre outros.

Como exemplo da urbanização exclusiva que cresce no litoral pelotense, cito o projeto arquitetônico condomínio fechado Alphaville, com uma população estimada em 1.092 habitantes, com 273 lotes residenciais e comerciais. Esse residencial possui sistema de vigilância 24h, equipado com cancelas, câmeras de última geração e acesso biométrico, além de um plano diretor de segurança completo, contando com uma equipe especializada para garantir o máximo de tranquilidade aos moradores.

Como resultado desse processo de autossegregação, que vem ocorrendo não só nesse espaço costeiro, mas também nas grandes metrópoles, cidades médias e pequenas, tem-se o afastamento da diversidade social, cultural e étnica. Esse tipo de produção espacial, marcada pelas interferências dos atores exógenos, acaba por regular quem e quantos terão direito à cidade e à natureza na cidade. Isso, porque, no processo de (re) produção do espaço que se baseia na maximização dos lucros que o solo e seu fator locacional podem gerar, os pobres, por não disporem de recursos financeiros para se inserirem nesse processo, ficam à margem.

Nessa perspectiva, vale ressaltar a situação identificada por Vieira et al (2017)49 no Bairro São Gonçalo, em Pelotas, onde a Ocupação Estrada do Engenho,

48 O 2º Plano Diretor de 1980 estabeleceu zonas destinadas a preservação dos ambientes naturais e culturais, mas como não estipulou regramentos para a sua ocupação e usos, com o passar do tempo de vigência desta lei, uma série de liberações sem nenhum critério passou a descaracterizar os elementos naturais e culturais dessas áreas.

49 VIEIRA, et al. Territorialidade e Identidade no Bairro São Gonçalo em Pelotas, RS. In: 5 anos do Dia do Patrimônio Territórios daqui: identidade e pertencimento. Prefeitura de Pelotas: Pelotas, 2017. Estudo desenvolvido pelo Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais (LEUR), do

cerca de 60 famílias, instaladas há mais de 20 anos na região do Canal São Gonçalo, vivem em condições de abandono do poder público local, sendo alvo de um processo movido pela Promotoria Pública, em 2014, que exigiu da Prefeitura de Pelotas a reintegração de posse aos moradores. Conforme Viera et al. (2017), visto tratar-se de uma (APP) e do fato de a área ser valorizada pelo setor imobiliário e de uma crescente urbanização de classe de alta renda, com os empreendimentos Lagos do São Gonçalo, Parque Una I e Una II, a ação do poder público local foi ofertar 20 terrenos no Bairro Getúlio Vargas, o que implicaria a perda não só das casas dessas famílias, mas também de seu território:

A resistência da Comunidade da Estrada do Engenho se sustenta no fato de que primeiro, eles criaram um pertencimento em relação com a espacialidade do local (território e identidade), em função da atividade da pesca que realizam e da reciclagem de resíduos sólidos, o que cria todo uma identidade desses moradores com o território. [...] A lógica desse conflito é que de um lado tem-se a história dos ocupantes tradicionais e de outro, os interesses dos novos ocupantes. (VIEIRA et al.; 2017, p. 17)

Assim, observa-se que o poder público, muitas vezes, usa o discurso ambiental no favorecimento dos seus interesses e dos grupos econômicos, visto que, predomina na cidade, o desigual atendimento das reivindicações. Tais reivindicações seguem na esteira das demandas impostas pelos investimentos privados.

Para conhecer e avaliar as implicações das ações dos atores exógenos no espaço praiano Balneário dos Prazeres, a pesquisa avalia a participação do poder público local50, por agir mais diretamente sobre o objeto de pesquisa, uma vez que, no litoral médio do Rio Grande do Sul, só o município de Rio Grande foi contemplado com o projeto orla.

Por tratar-se de um município litorâneo é necessário que o Plano Diretor seja compatível com as diretrizes do Gerenciamento e do Zoneamento Costeiro, a fim de garantir uma gestão sustentável de uma área bastante sensível às ações antrópicas.

Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).

50 A municipalidade assumiu os processos referentes às questões ambientais do município por meio do Convênio de Delegação de Competência em Ações de Meio Ambiente com a FEPAM, passando a realizar o licenciamento, monitoramento, fiscalização e o controle ambiental das atividades delegadas pelo convênio.

Nesse contexto, a municipalidade foi especulada nas suas diferentes secretarias: Secretaria de Cultura (SECULT), Secretaria de Gestão e Mobilidade Urbana, Secretaria de Habitação, Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA) e Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (SANEP). Por conta do Convênio de Delegação de Competência em Ações de Meio Ambiente com a FEPAM a municipalidade é responsável pela avaliação da balneabilidade e por licenças ambientais.

Nesses órgãos, procurei funcionários capacitados a fornecer informações sobre as práticas socioespaciais da municipalidade, bem como suas representações sociais perante os conflitos socioambientais e territoriais do Balneário dos Prazeres. Para a SECULT, foi enviado um questionário por e-mail, com a SQA e o SANEP foram agendadas entrevistas, e entregues requerimentos solicitando informações pertinentes à construção da proposta de pesquisa. Na Secretaria de Habitação e Secretária de Gestão e Mobilidade Urbana, foram realizadas visitas e consultas a documentos públicos. Também, busquei informações junto à Secretaria de Segurança Pública do município, para avaliar situações de violência e insegurança na praia. A entrevista com Paula Mascarenhas (Figura, 4), vice-prefeita51 na ocasião foi importante para avaliar as intencionalidades futuras de transformação do espaço costeiro no Balneário dos Prazeres e seu entorno pelo poder público local, bem como compreender determinadas ações pontuais.

A seguir apresento uma sistematização dos atores exógenos.

Atores Exógenos Poder local Depoentes Tipos de vínculos com o Balneário dos Prazeres. Projeção de apropriação, usos Representação da paisagem Construção social do espaço Prefeita Paula Mascarenha s Bruna Ângelo SQA Paulo Cesar Azambuja Possuem um olhar mais distanciado. Como interventor contraditório Interesses em conflitos. Espaço de dominação da classe dominante Paisagem mercadoria; Realiza programações culturais e de informações turísticas. Pensamento operacional e ação instrumental Promove a hierarquia dos lugares, novas centralidades e a identificação de segregação espacial

Quadro 5 - Caracterização dos atores sociais territorializados exógenos Fonte: Elaboração da autora.

Figura 4 - Prefeita Paula Mascarenhas Fonte: foto da autora, 2016.

Prefeita Paula Mascarenhas: trabalhou como professora universitária e assessora política. Possui 47 anos, é filiada ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Foi vice-prefeita na gestão anterior de Eduardo Leite (PSDB), é a atual chefe do executivo em Pelotas, a primeira mulher a ser eleita prefeita na cidade de Pelotas. É católica não praticante.

Bruna Ângelo Alves: possui Graduação em Ciências biológicas pela Faculdade Anhanguera de Pelotas (2010), é especialista em gestão ambiental também, pela Faculdade Anhanguera de Pelotas. Possui 30 anos de idade. Trabalha na Secretaria de Qualidade Ambiental há 6 anos, sendo responsável pelo setor de anuência ambiental e fiscalização. Não possui religião.

Paulo Celso Silva Azambuja: possui Graduação em Filosofia, desempenha a função de agente fiscal no município há 26 anos e agente ambiental há 13 anos. É natural de Bagé, possui 50 anos e reside em Pelotas há 39 anos, é católico não praticante.

Destaco que, durante a pesquisa realizei contato pessoal e via e-mail com diversos outros funcionários públicos da prefeitura.