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BALNEÁRIO DOS PRAZERES: ESPAÇO DA CULTURA E DA HISTÓRIA PELOTENSE

O Balneário dos Prazeres, tem, como limite leste, a Laguna dos Patos, ao norte, terras de Maria Tereza Xavier Cruz, a oeste e ao sul, terras de Aloisio Duarte Cruz. Ambos os lindeiros são herdeiros da família Assumpção, a qual foi responsável pela incorporação do espaço costeiro lagunar à cidade, criando as segundas residências, fomentando o lazer e o turismo de sol e praia.

A crescente difusão da moda das práticas de lazer nas praias, no século XX, elevou o número de frequentadores do Balneário Santo Antônio. dando origem a diferentes territorialidades e conflitos na orla lagunar entre as classes sociais, como pode ser visto na reportagem a seguir:

Os proprietários tiveram que fazer uma seleção de pessoas, porque aconteciam muitas confusões. Imagine que até brigas com facadas aconteciam. [..] além disso cruzavam caminhões cheios de gente, sempre com algazarras. Diante dos problemas um dos proprietários, Luiz Augusto balneário dos Prazeres para a população em geral. A parte que atualmente está dividida em balneários Santo Antônio e Valverde ficou à disposição dos familiares e como sa

p. 12).

Nesse sentido, pode-se dizer que a criação do Balneário dos Prazeres, em 1953, foi fruto da pressão social da elite lo

acesso à praia, sendo notável a existência de um fundo preconceituoso e discriminátorio para com os negros e pobres da cidade.

Em trabalho anterior, sobre os anos que antecederam a formação dos balneários em Pelotas, Ruas (2012) comenta não ter encontrado muitas matérias alusivas ao empreendimento imobiliário Balneário dos Prazeres. A pouca aparição deste na época, nos jornais, deve-se ao fato de que a demanda solvável por casas de veraneio já tinha sido sanada com a inauguração do Balneário Santo Antônio, o primeiro dos três a ser loteado, no ano de 1952. Isso porque, desde 1938, o empreendedor Antônio Augusto de Assumpção vinha divulgando o futuro

empreendimento e criando a necessidade do veraneio na cidade. Vultuosos anúncios (Figura, 30) sobre as benesses do lazer, do contato com a natureza, preenchiam páginas inteiras dos jornais com o intuito de criar o hábito de frequentar praias e divulgar o empreendimento.

Figura 30 - Anúncios enaltecedores e ufanistas da praia do Laranjal Fonte: Diário Popular,1950.

A existência de uma

As terras que deram origem ao loteamento batizado de Vila Residencial Balneário Nossa Senhora dos Prazeres foram desmembradas das propriedades do casal Luiz de Assumpção e Amélia Augusta Assumpção de Assumpção, idealizadores deste balneário. Entre as estâncias situadas no litoral lagunar, essa era a maior, por ter sido constituída de duas heranças85. A parte de Maria Amélia

85Chamo atenção nesse ponto para a história de Pelotas, cuja apropriação territorial se insere no contexto de disputas territoriais e socioeconômicas entre portugueses e espanhóis na fronteira Sul. Como estratégia de ocupação da fronteira portuguesa no período colonial do Brasil, Tomás Luiz

engloba o que pertenceu aos Fontouras (entre a Laguna dos Patos e o arroio Pelotas) e a de Luiz de Assumpção, a parte que vai até a Galatéia, próxima à Colônia Z-3.

Em 1953, quando inicia o loteamento da Vila Residencial Balneário Nossa Senhora dos Prazeres, nos jornais diários, apenas constava que seus idealizadores teriam sido influenciados por Antônio Augusto de Assumpção, fundador da Vila Residencial Balneária Santo Antônio e que, por motivo de saúde foi impedido de dar continuidade ao loteamento do Balneário dos Prazeres. Por essa razão, Dr. José Ottoni Ferreira Xavier, casado com Maria de Lourdes de Assumpção Xavier, filha dos loteadores, prossegue com o empreendimento.

A inexistência da divulgação publicitária desse empreendimento deve-se ao fato de que seus idealizadores não tinham grandes projetos urbanísticos, nem estavam interessados em investir capitais para promover a qualidade do lugar, mas tão somente, obter lucros através da venda dos lotes. Os loteadores não estipulavam padrões de residências, nem lhes interessava a classe social86 que estava adquirindo os lotes.

Conforme consta em Memorial Descritivo, o Balneário dos Prazeres teve uma área de 1.911.404,26 m² dividida em 76 quarteirões retangulares nas dimensões de 66,00 metros por 150,00 metros com 1.522 lotes, em sua maioria, de 13 m de testada por 33 m de fundo, e duas áreas destinadas a clubes de esportes: um em cada extremo do loteamento, sendo que apenas um efetivamente existiu o Oásis Praia Clube.

Sá, Graça, Palma, Galatéia, Laranjal, também conhecida como Nossa Senhora dos Prazeres e sete ). Esta última estância pertenceu a Joaquim José D´Assumpção (conhecido como Quincas Patrão). De acordo com Nascimento (1982, p.147-148), essa compunha-

povoada de animais, de que contava milhares de cabeças, em torno da casa da fazenda formou-se É nesse período por conta de grande cultivo de cítricos como laranja, bergamota, limão que a localidade foi sendo chamada de Praia do Laranjal (ETCHEVERRY,1997). A fazenda Laranjal fica de posse da família Assumpção. Em meados do século XX, algumas parcelas foram incorporadas à cidade na forma de Balneários e parte dela, ainda se encontra como área de especulação imobiliária e para o uso agrícola.

86 Classe social é a classe dos indivíduos dotados do mesmo habitus, providos das mesmas trajetórias típicas e estilos de vidas. Bourdieu (2008) defende a divisão da sociedade em classes, classifica os agentes e os julga de acordo com suas práticas, sendo o habitus uma estrutura estruturante, isto é, o grupo identitário é condicionado.

Para os lotes irregulares a área mínima foi de 360 m². Avenidas de 300 metros de largura, tendo duas faixas de tráfego e canteiro central e ruas de 20 metros de largura com trafego de 10 metros de largura, sendo o sistema viário composto por 10 avenidas e 15 ruas. A avenida central, Av. Amazonas, corta a praça principal, praça Aratiba e mantém o traçado das ruas igual dos dois lados, como pode ser visto no desenho da planta do loteamento na (Figura, 31).

Figura 31 - Planta do Projeto Vila Residencial Balneário dos Prazeres Fonte: Acervo particular de Valdir Oliveira.

Analisando o material obtido, não percebi, todavia, que houvesse entusiasmo com o loteamento como ocorreu nos empreendimentos Baleário Santo Antônio e Valverde. Percebe-se, pelos documentos e narrativas, que houve uma forte pressão por parte dos irmãos de Amélia Assumpção para que também transformassem parte de suas terras rurais em áreas urbanas, com a valorização do solo à beira mar, já

Conta Valdir que, no início dos anos 1950, frequentava essa praia com seus familiares, os quais eram conhecidos da família Assumpção, e que era comum os veranistas chegarem à praia de caminhão (Figura, 32).

Figura 32 - Transporte dos veranistas para o acesso ao Balneário dos Prazeres (Anos 1950). Fonte: Acervo particular de Valdir Oliveira.

Estudos que se reportam ao Balneário dos Prazeres ressaltam a sua existência associada a espacialidade do lazer de afrodescendentes de grupos populares e de suas manifestações culturais, como a Festa de Iemanjá na APP Mata do Totó, como consta em Silveira (1993), Kosby (2007), Ávila (2011), Mazzilli (2013), Ruas (2012), Dias (2014) e Campos (2015). Esses autores apontam representações e estigmas que foram sendo atribuídas ao lugar por uma questão de preconceito de classe e raça. Soares (2002, p. 335), em sua tese sobre a produção do espaço e morfologia urbana em Pelotas, também tratou desta passagem histórica:

El Balneário dos Prazeres representó entonces una clara y evidente distinción social en los espacios de ocio de la ciudad. Los terrenos eran más baratos, a la vez que más distantes de la ciudad, con la cual presentaban además uma conexión más precaria: la Estrada do Laranjal presentaba mejoras solamente en su tramo hasta el Balneario de Santo Antonio. La población pelotense no tardó en ironizar la situación, apodando el nuevo pelotense logró mantener a los pobres alejados de sus espacios de reposo.

As estratégias de ações territoriais para a segregação dos moradores e veranistas pobres e afro-descentes que se deslocavam dos bairros periféricos no verão para a praia, foi não agregar valor ao solo no projeto urbanístico do Balneário dos Prazeres. Por isso, o empreendimento recebeu menos investimentos, tanto por

parte dos loteadores, como da municipalidade. A eletrificação87, por exemplo, só foi ser concluída no verão de 1974, 21 anos após a criação do balneário.

Diferentemente dos balneários Santo Antônio (1952) e Valverde (1958), que se constituíram como espaços de segundas residências nessa orla, o Balneário dos Prazeres (1953) caracterizou-se mais como local de moradia e de acampamentos afro-brasileiros sazonais em seu bosque, demarcando-o como territorialidade de negros88 e moradores de periferia urbana.

A liberação desse empreendimento foi somente em 1960. Contou-me Valdir que o médico Ferreirinha, genro do loteador, era muito popular na cidade e que facilitou a aquisição dos terrenos, assim como doou muitos desses para pessoas de suas relações, como funcionários da sua fazenda, Prefeitura de Pelotas, para a criação do Oásis Praia Clube e do Camping Pai Tomás, vinculado ao Clube, SANEP e CEEE, em troca de serviços, dentre outros. Essa informação tem apoio na Escritura Pública de Doação, onde consta que essas doações eximiriam as responsabilidades dos loteadores com as infraestruturas básicas de saneamento e

de terras no Barro Duro para instalações sanitárias, captação de água, vestiário e /11/1948). Tal fato, por si só, já evidencia a falta de comprometimento e de preocupação dos loteadores com o novo espaço de moradias fixas ou temporárias por eles criado. Dessa forma, o SANEP foi o responsável pelas perfurações de poços artesianos na tentativa de solucionar o problema de abastecimento de água, que era feito através das bicas existentes nas

dobra-se em torneira. Ao lado uma fila quase interminável de pipas, muitas pessoas 89. Essa era a realidade também de muitas vilas da cidade em 1966.

Segundo Valdir, havia poços artesianos em diversas ruas como nas ruas Torres, Guanabara, Piauí e na costa lagunar, mais precisamente, sobre a barreira

87 1974)

88 Os estudos de Loner (1999) sobre a organização negra na cidade de Pelotas e de Santos (2003) sobre o jornal Alvorada trazem aspectos do projeto de democracia racial do Estado e os caminhos trilhados pelos negros após o fim do sistema escravocrata.

pleistocênica, onde se desenvolveu uma mata de restinga arenosa e turfosa, a qual ficou conhecida como Mata da Praia do Totó e Barro Duro.

As nascentes dessa mata eram usadas como bica para o abastecimento de água dos veranistas. A falta de cuidados com as questões ambientais do lugar contribuiu para que nesses pontos de afloração das águas subterrâneas se desenvolvessem processos erosivos intensos do tipo voçorocas, como perdurou por décadas a voçoroca da Av. Bahia com a Av. Minas Gerais.

A figura abaixo mostra os desníveis nesse trecho da orla que sofre com a erosão vinda de um lado pela ação das águas da laguna e, de outro, pelo escoamento pluvial e drenagem urbana, que desce pela encosta erodindo o solo, atingindo a vegetação pioneira e, consequentemente, o cotidiano dos moradores e usuários da praia.

Para Silva (2007), esse processo decorreu da falta de atenção para com os aspectos físicos do terreno na construção do loteamento e da não realização das obras de drenagem de forma correta.

Figura 33 - Perfil esquemático da planície costeira no Balneário dos Prazeres. Na imagem (a) a área urbana do Balneário; (b) local da voçoroca no caminho de aceso à orla;(c) acesso a mata; (d) desnível entre a orla e a linha da água; (e) faixa de praia.

Fonte: Silva (2007).

O fato de essa praia ser desassistida em infraestrutura não impedia a sua frequentação. A (Figura, 34) mostra a grande afluência de público, nos anos 1960,

sendo possível observar, também, a largura da faixa de praia que existia para o lazer e recreação.

Figura 34 - Balneário dos Prazeres nos anos 1960. Fonte: Laboratório de acervo Digital da UCPel

Os veranistas reuniam-se nas sombras das figueiras centenárias em grupo de familiares e amigos, para o descanso e lazer. Tais práticas de lazer ocorriam sem sofisticações, pois realizavam acampamentos, pesca na lagoa, faziam churrascos e piquenique na beira da praia. A permanência nesse balneário para o lazer exigia dos veranistas uma interação maior com a natureza.

O perfil socioeconômico dos veranistas dessa praia, é de classe média a baixa, assim como o de seus moradores fixos. Na sazonalidade do verão, o bairro- balneário acolhia centenas de familias vindas de diversos bairros da cidade, as quais lotavam a orla de barracas e carros.

A seguir, abordo os significados dos dois topônimos: Balneário dos Prazeres e Barro Duro, e como os atores se apropriam, de um e de outro, mostrando de que forma as suas significações interferem no espaço geográfico.

3.4 BALNEÁRIO DOS PRAZERES E BARRO DURO: COEXISTÊNCIA DE MARCAS