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Atos comissivos x atos omissivos: a tese de Bandeira de Mello

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

3.2 O ESTADO: DA IRRESPONSABILIDADE À ASSUNÇÃO DO RISCO

3.2.5 Atos comissivos x atos omissivos: a tese de Bandeira de Mello

Insubsistente a pretensa dissociação interna entre as teorias do risco, permanecia o empecilho. Afirmava-se ser dever do Poder Público recompor o patrimônio individual sempre que este venha a ser lesado em razão de atividade estatal, quer esteja presente a culpa ou não, seja a sua conduta consoante ou contrária aos preceitos jurídicos. A solução, em teoria, parece perfeita, porquanto assegure plenamente o indivíduo em face das intempéries, mas, na prática, demonstra-se inviável, o que se torna particularmente verdadeiro quando se atenta ao vulto dos deveres e obrigações constitucionalmente deferidos ao ente público.

Com efeito, não são poucas as situações em que foge ao senso de justiça transferir para a coletividade o ônus da reparação do patrimônio individual. Mais que isto. O Estado está longe de ser fonte de recursos financeiros suficientes para assumir tal encargo.147

146 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5 ed. rev. amp. atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p.241.

147 Sem embargo disto, alguns autores, não sem razão, sustentam que os rumos da responsabilidade civil, em uma sociedade complexa, devem tender para o caminho da coletivização dos riscos, por meio da criação de sistemas securitários em que aflore mais a idéia de solidariedade para com a vítima do que a de punição àquele que inflige o dano. Esta, por exemplo, já era a posição de Orlando Gomes (Obrigações. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998) e Caio Mario da Silva Pereira (Responsabilidade civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998). Recentemente, também Anderson Schreiber (Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007), em leitura atual do tema, revelou-se seu adepto. As propostas são dignas de atenção e representam excelente alternativa para novas pautas ao instituto da responsabilidade civil, mas, enquanto não institucionalizadas, não se acredita lícito nem legítimo subverter os lindes e definições do sistema vigente a pretexto de salvaguardar interesses da vítima.

Novamente, no fito de contornar a situação e chegar a um meio- termo capaz de salvaguardar tanto os interesses individuais quanto os da coletividade, desponta tese que pretende reintroduzir na pauta de análise da responsabilidade estatal o elemento anímico da culpa. Trata-se, desta vez, de tese elucubrada por Celso Antônio Bandeira de Mello148, que conta com grande aceitação doutrinária. O autor dedica especial atenção ao problema dos danos que têm a sua causa atribuída a uma omissão do Estado. Embora acredite que, diante dos danos causados por comportamento ativo (conduta comissiva) do Estado existam fundamentos149

solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o “serviço não funcionou”. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública.

suficientes para justificar a imputação da responsabilidade pela indenização independente de maiores divagações, em face de condutas omissivas do Estado entende inviável, por incoerência lógica, exigir do ente público a reparação de dano para o qual ele não tenha contribuído positivamente, salvo nas situações em que estivesse expressamente obrigado a impedi-lo. A solução proposta é a de que, nestes casos, aplique-se ao ente público a responsabilidade civil subjetiva, erigindo a prova do dolo ou da culpa como prius para a indenização, pois, em seu sentir,

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A teoria, a despeito da argúcia e da conveniência prática, não parece encontrar fundamentos científicos capazes de suster-lhe. Pragmaticamente, é até provável que atenue o problema da super-responsabilização do Estado. Mas, isto, no mais das

148 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.865-879.

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Segundo o autor, duas são as possibilidades que se põem diante da conduta comissiva do Estado: ou há frontal contradição à lei e, com isto, ofende-se o princípio da legalidade, ou, embora diante de uma situação aparentemente escorreita, ofende-se ao princípio da isonomia, mediante a imposição de um ônus mais intenso a um particular que a todos os demais. Entende que, em ambas as situações, há fundamento suficiente à imputação para a imputação de responsabilidade ao Estado, seja em virtude de ofensa ao princípio da legalidade, seja em face da falha na repartição dos encargos públicos. (Ibidem, p.869-873).

vezes, não ocorrerá por critérios de coerência ou de justiça, mas tão somente porque é árdua a comprovação de culpa do Estado: como demonstrar que o bueiro estava entupido? Como provar que se alertou a polícia a tempo de evitar um assalto?

O fato é que não há justificativa científica ou jurídica que efetivamente corrobore a tese. Em primeiro porque, como argumenta Gustavo Tepedino, o fundamento para a responsabilidade civil do Estado, expresso no art. 37, §6º da Constituição Federal, afirma tão somente a responsabilidade de cunho objetivo, independente de dolo ou culpa, não fazendo qualquer distinção ou ressalva em face dos danos decorrentes de comportamento omissivo. A pretendida restrição, destarte, mesmo em uma análise sumária, afigura-se inconstitucional.151