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6.4 Exposição de dois casos

6.4.1 Atuação de EFPCs de estatais na condição de acionistas controladores

O primeiro exemplo, denominado Caso Vale, envolve a possível ingerência do poder executivo federal na gestão da companhia Vale S.A., por meio não só do braço de participações do BNDES (BNDES Participações S.A. - BNDESPAR), mas também de fundos de pensão de estatais federais.

Esclarece-se que, apesar de a narrativa basear-se em atuação que teve ampla repercussão nacional202, sendo apresentada pelo professor Lazzarini em duas obras distintas203, o presente exemplo é citado com objetivo meramente didático,

201

“To calculate the abnormal returns, we estimate a simple CAPM market model using the market return on the whole São Paolo stock market as measured by the BOVESPA index. We adopt this methodology to calculate cumulative abnormal returns for both elections in 1998 and 2002. The event dates are the days when the election results for federal deputies became known, October 9, 1998 and October 8, 2002, respectively.” (CLAESSENS et al, 2007, p. 13).

202 Consoante se depreende de reportagens editadas à época, v.g., Fraga e Balthazar (2010), Ciarelli

(2011), Soares (2011), entre outras, todas constantes no Anexo AI.

203 O já mencionado estudo intitulado Capitalismo de Laços: os donos do Brasil e suas conexões

despido de juízo de valor sobre eventuais práticas ilícitas. Justifica-se tal proceder em virtude de a dinâmica dos fatos não ter sido extraída de processo formal, em que as partes tenham exercido o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, entre outros.

De qualquer forma, tal circunstância não retira a importância de expor o caso, uma vez que esse é considerado um dos mais controversos exemplos de

intervenção do Estado na gestão de empresa privatizada, sendo que a Vale é a

maior mineradora do Brasil e uma das maiores do mundo (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 254).

A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – que, após a privatização, passou a chamar-se Vale S.A. –, foi criada, em 1942, pelo presidente Getúlio Vargas, com o propósito de extrair minério na região que lhe confere o nome. No mesmo período, também foi instituída a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)204, cujo enfoque era processar parte do minério de ferro extraído e produzir aço.

De forma rápida, a CVRD tornou-se líder no mercado mundial de minério de ferro, posição que lhe garantiu considerável autonomia em relação ao Governo Federal, seja porque não dependia de recursos do Tesouro brasileiro, seja pelo fato de seus altos executivos terem longa carreira na companhia, incentivados com condizente padrão de remuneração. Essa conjunção de fatores propiciou que tal empresa, embora estatal, sempre se destacasse como uma das mais lucrativas do País (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 257).

A despeito disso, em virtude da disparada da taxa de juros dos títulos de dívida do governo brasileiro no início dos anos 90, os dividendos que a Vale pagava

não compensavam os custos de oportunidade do investimento estatal. A título de

exemplo, enquanto o governo pagava juros da ordem de 20% ao ano, o retorno decorrente da participação em tal companhia não ultrapassava 5% (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 259).

Nesse sentido, dentro de uma estratégia mais ampla de reestruturação da economia brasileira, a CVRD foi incluída na lista de empresas a serem vendidas, tendo sido desestatizada em 6 de maio de 1997. A adquirente foi a Valepar, entidade holding representativa de um consórcio liderado pelo empreendedor

negócios: Brasil e outros países, escrito em conjunto com o professor de administração de empresas da Harvard Business School, Aldo Musacchio (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015).

privado Benjamin Steinbruck (acionista controlador da CSN), integrado, também, pelos quatro maiores fundos de pensão de estatais – Previ, Petros, Funcef e Funcesp205 – e pelos bancos brasileiros Opportunity e Bradesco, além do BNDESPAR.

O bloco de controle da agora denominada Vale S.A. consolidou-se a partir do ano de 2002, com a saída de Steinbruck e com a substancial alienação de ações ainda detidas pelo Governo Federal, no percentual de 31,5%. Consigna-se que somente o BNDESPAR manteve participação relevante na referida companhia.

A figura 7 reproduz a composição acionária da Vale no ano de 2009206. Os

donos últimos de tal companhia são identificados a partir da sua participação na

sociedade controladora - a Valepar Participações S.A., a saber:

i) os fundos de pensão de estatais Funcef, Petros, Funcesp e Previ

detinham, por meio da empresa Litel, a maior participação – 49% do capital votante da Valepar (participação pontilhada em vermelho na

figura);

ii) a empresa japonesa Mitsui era proprietária de 18,2%;

iii) o banco Opportunity, por meio da empresa Eletron, tinha 0,03%;

iv) o banco Bradesco, por intermédio do Bradespar, era proprietário de 21,2%, sendo o maior acionista individual; e

v) o BNDESPAR era proprietário de 11,5% da Valepar, além de deter individualmente 6,9% do capital votante da Vale.

205 A Fundação CESP (Funcesp), patrocinada, entre outros, pela Companhia Energética de São

Paulo (CESP), é a 4ª maior EFPC do país, possuindo investimentos superiores a R$ 22 bilhões (ABRAPP, 2014).

206 Os dados que instruíram a figura foram colhidos em outubro de 2009 (LAZZARINI, 2011, p. 21;

LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 265). Consigna-se que a composição societária em tal período é fundamental para o entendimento da questão exposta nesta seção.

Figura 7: Donos últimos (em cinza) da companhia Vale S.A. em 2009: estrutura acionária piramidal

Fonte: Site da Vale (LAZZARINI, 2015, p. 265), com inserção de destaques (em vermelho) pelo autor.

Concomitantemente a isso, em 2001, o conselho de administração da Vale aprovou a nomeação de Roger Agnelli para conduzir os negócios da companhia na qualidade de presidente.

Conforme narram Lazzarini e Musacchio (2015, p. 261-264), após a chegada desse executivo, a Vale passou por transformações radicais, adotando uma visão de longo prazo, que incluía agressiva diversificação geográfica e de produtos por meio

de fusões e aquisições; desenvolvimento da própria cadeia de logística207, suprindo a notória carência nacional; e, para viabilizar esses projetos, captação de recursos via mercado de capitais, listando, inclusive, suas ações na Bolsa de Valores de Nova York, com a emissão de American Depository Receipts – ADRs.

Com base nessa estratégia, a Vale passou a ser, em 2009, a segunda maior empresa de metalurgia e de mineração do mundo; a maior produtora de minério de ferro do mundo; a segunda maior produtora de níquel; e uma das maiores produtoras de manganês, ferroligas e caulim mundiais (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 261-262).

207

A infraestrutura de logística integrada da Vale, no Brasil, “abrangia aproximadamente 10 mil quilômetros de ferrovias e cinco terminais portuários em quatro estados brasileiros. Com efeito, a Vale era responsável por 16% de todo o transporte de cargas e por 30% do manuseio de cargas em portos brasileiros.” (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 263)

A despeito desse desempenho, a gestão de Agnelli passou a ser fortemente atacada pelo Governo Federal, que centrava as críticas em três pontos (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 265-268):

i) a Vale “não deveria limitar-se a abrir buracos no chão e a exportar minérios”, devendo investir em siderúrgicas no país (embora especialistas da área advertissem, no período, que a indústria siderúrgica mundial

estava com capacidade ociosa e que a mineração era muito mais lucrativa);

ii) a demissão de empregados por parte da empresa (em virtude da crise de 2008, a Vale demitiu 1500 empregados em todo mundo, tendo justificado a medida como necessária para reduzir custo e manter-se competitiva,

em face da queda da demanda);

iii) a resistência da Vale – que pretendia investir bilhões na aquisição de grandes navios – em comprar tais bens de estaleiros brasileiros (os navios desses estaleiros, além de não atenderem ao objetivo da compra – transporte de alta capacidade de minério para entrega na China –, custavam o dobro dos fabricados na Ásia).

Cumpre destacar que o Governo Federal, por meio do BNDESPAR, estava longe de ter o controle da Vale (tinha diretamente 6,9% e participação de 11,5% na controladora). No entanto, contando com o apoio dos fundos de pensão de estatais, notadamente da Previ (que detinha quase 80% das ações da Litel208), a União passava a ter ampla maioria na Valepar Participações S.A. (60,5% do capital social), empresa sob a qual era organizado o bloco de controle da Vale.

Deve-se dizer que a percepção de que tal participação era “pública” foi expressamente consignada pelo então Ministro da Fazenda à época, ao ser convidado a dar explicação no Senado sobre a troca do comando da Vale S.A. (BECK; NOGUEIRA, 2011 – constante no Anexo A).

Para complicar ainda mais a situação, Eike Batista – que à época era considerado o homem mais rico do Brasil –, passou a fazer parte da ofensiva, propalando a intenção de fazer parte do bloco de controle da Vale (adquirindo a

208 Informação extraída do site da Previ. Disponível em: <www.previ.com.br>. Acesso em: 29 abr.

participação da Bradespar) e ser o seu presidente (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 268).

Falhado esse intento, o referido empresário ainda tentou adquirir parcela da participação do fundo de pensão Previ, afinando o seu discurso com o do governo. Nesse sentido, passou a alardear que a Vale não poderia ser uma eterna exportadora de matéria-prima e que, às vezes, poderia “fazer projetos de retorno menor, mas mais interessantes para o País do que projetos só na área de mineração.” (AGÊNCIA, 2009 – constante no Anexo A). Tal tentativa também não se concretizou209.

De qualquer forma, Roger Agnelli acabou sendo demitido em maio de 2011, apesar de a Vale ter anunciado “lucro 292% mais altos no primeiro trimestre do ano anterior” (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2015, p. 269). Como últimas palavras, Agnelli declarou: "Cada um tem uma visão e uma missão. A missão da companhia é gerar os resultados para ela poder gerar capacidade e investimentos. A missão do governo é diferente da de uma empresa. Completamente diferente." (SOARES, 2011 – constante no Anexo A).

O fato é que, durante todo esse processo, o mercado reagiu negativamente à ingerência estatal, inclusive havendo a alienação de participações por parte de grandes investidores – v.g., o bilionário George Soros – acarretando perda de valor e de liquidez das ações da Vale S.A. (CARNEIRO, 2011 – constante no Anexo A).

Sem dúvida, tal consequência contrapõe-se ao que, tradicionalmente, se busca – e se espera – do ativismo.

209 Malu Gaspar (2015, p. 203-222) narra, em detalhes, a tentativa de Eike Batista assumir o comando

da Vale S.A., chamada por ele de La Señorita. Tal autora destaca que, além do desafio pessoal (seu pai, Eliezer Batista, foi presidente da companhia durante anos), o referido empresário objetivava, com essa iniciativa, consolidar-se como um campeão nacional (“empresário do PT”, na dicção da autora), status que conferiria maior apoio estatal aos seus projetos faraônicos, entre eles, facilidades para se obter financiamento público (notadamente do BNDES).

6.4.2 Atuação de EFPCs de estatais na condição de acionistas minoritários: