• Nenhum resultado encontrado

6.5 Limites para a utilização dos fundos de pensão (de) estatais na

6.5.1 Estado na condição de patrocinador

6.5.1.3 Gestão compartilhada nos fundos de pensão (de) estatais: falácia?

Tão importante como estabelecer os limites para a atuação do Estado na condição de patrocinador, é a adoção de medidas que assegurem a efetividade da delimitação proposta.

228

“Determinar – [...] 4. mandar que se faça, ordenar, prescrever, estabelecer, decretar.” (HOUAISS, 2006).

229

“Orientar – [...] 2. indicar a direção, nortear.” (HOUAISS, 2006).

230 “Indicar – 1. mostrar a conveniência na aplicação de (tratamento, remédio). [...] 3. dar (a alguém)

Em tal sentido, vislumbra-se como essencial que os participantes (em sentido amplo)231 passem a atuar ativamente em relação à gestão dos recursos garantidores do seu plano de benefício – uma espécie de ativismo decorrente do capitalismo fiduciário –, principalmente monitorando e fiscalizando a aplicação em concreto dos ativos por parte dos administradores da EFPC.

Antes de tudo, cumpre reconhecer que a propalada gestão compartilhada, embora tenha o nobre objetivo de favorecer a tomada de decisões em conjunto entre o patrocinador e os participantes, acaba propiciando – em virtude da formatação estabelecida pela LC 108 – a preponderância da vontade da entidade estatal patrocinadora e da sua controlada (a União), na medida em que:

i) a despeito de o conselho deliberativo ser composto de forma paritária por gestores indicados pelo patrocinador estatal e pelos trabalhadores232, compete ao patrocinador escolher o presidente, que, além do seu, tem o voto de qualidade;

ii) cabe a tal órgão definir o “plano de aplicação de recursos” (art. 13, III, da LC 108), usualmente chamada de política de investimento. Tal plano, ressalte-se, estabelece somente uma moldura dos investimentos que podem ser realizados, cabendo à diretoria-executiva a sua efetiva materialização (art. 19, caput). Assim, em concreto, quem realmente escolhe os ativos que serão adquiridos – obviamente obedecendo aos parâmetros previamente estabelecidos pelo conselho deliberativo – é a diretoria;

iii) em relação à diretoria-executiva, não há qualquer determinação legal para que a sua composição seja paritária. A LC 108 delega ao estatuto a disciplina da matéria233, fixando genericamente como atribuição do conselho deliberativo definir sobre “nomeação e exoneração” dos

231 Participantes e assistidos.

232 Ressalva-se, mais uma vez, que se utiliza o vocábulo trabalhador em sentido amplo, abarcando

tanto os participantes com vínculo estatutário, como os sujeitos ao regime trabalhista em sentido estrito.

233

“Art. 19. A diretoria-executiva é o órgão responsável pela administração da entidade, em conformidade com a política de administração traçada pelo conselho deliberativo.

[...]

§ 2o O estatuto da entidade fechada, respeitado o número máximo de diretores de que trata o parágrafo anterior, deverá prever a forma de composição e o mandato da diretoria-executiva, aprovado na forma prevista no seu estatuto, observadas as demais disposições desta Lei Complementar.

diretores (art. 13, VI). Nessa medida, além de o patrocinador estatal ter a

maioria nesse órgão, é o regulamento da EFPC (que também é aprovado

pelo conselho deliberativo) que irá especificar mais detalhadamente como será feita tal escolha. Não por acaso, em algumas EFPCs, o estatuto delega ao próprio presidente do conselho deliberativo (ou ao presidente da diretoria-executiva, nomeado pelo patrocinador) a escolha dos diretores;

iv) além disso, a indicação do diretor responsável pela concretização da política de investimentos da EFPC (normalmente designado de diretor

financeiro ou diretor de investimentos)234 constitui uma das mais estratégicas deliberações. Isso porque a chave do cofre do fundo de pensão, de certa forma, será entregue a essa pessoa. O mesmo ocorre em relação à eventual diretoria de participação societária, caso existente. Usualmente, o estatuto também confere esse poder ao patrocinador; v) por fim, cumpre mencionar aspecto de cunho sociológico: com a eleição,

em 2003, de Presidente da República proveniente de partido trabalhista, o sistema de freios e contrapesos das EFPCs (de) estatais federais foi mitigado. Isso em razão de tal sistema pressupor certa contraposição de interesses entre patrocinador e trabalhadores. Assim, a partir de então, potencializou-se a possibilidade de indicação de representantes dos trabalhadores com vínculos governamentais (JARDIM, 2007, p. 172). Destaca-se que essas circunstâncias devem ser analisadas caso a caso. No entanto, é preocupante o fato de a Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito do já citado PAS CVM 11/2012 (BRASIL, 2014c), ter constatado que os três maiores fundos de pensão de estatais federais não dispõem de mecanismos eficientes para blindar as suas esferas decisórias da influência das sociedades patrocinadoras e da controladora dessas – a União.

Assim, no plano da gestão, os participantes devem lutar pelo estabelecimento de mecanismos efetivos que eliminem (ou pelo menos minimizem) tal influência. Como exemplo, deve ser expressamente normatizado o exercício do voto pelos

234

A LC 109, no art. 35, § 5º, exige que a EFPC informe o diretor “responsável pelas aplicações dos recursos da entidade” (Administrador Estatutário Tecnicamente Qualificado – AETQ, nos termos do art. 7º, da Resolução CMN 3792, de 2009), sendo usualmente indicado o diretor financeiro (ou assemelhado).

membros indicados pelo patrocinador (inclusive eventual obrigatoriedade de abstenção) quando se deliberar a respeito de investimentos em que a patrocinadora e/ou a sua controladora tenham interesse direto235. O mesmo se diga em relação à instituição de cláusulas de barreira para se tentar impedir indicações meramente políticas para cargos de gestão de EFPCs.

Salienta-se também que, apesar de o patrocinador ter preponderância nas deliberações dos órgãos colegiados de gestão (conselho deliberativo, diretoria- executiva e eventual comitê de investimentos236, caso existente), a formal e

motivada discordância dos representantes dos participantes à realização (ou

gestão) de determinado investimento materializará importante prova da desarmonia entre os interesses dos reais proprietários dos ativos e de seus agentes, isentando, a princípio237, aqueles que assim procederam de eventuais responsabilizações.

E mais: com base no enfoque preventivo defendido neste trabalho (com destaque para a virtude da prudência), entende-se que, caso os membros discordantes – após mensuração dos riscos conhecidos e hipotéticos (princípios da

prevenção e da precaução) – verifiquem que a diretriz ou o investimento aprovado coloca potencialmente em risco a poupança previdenciária dos participantes, tais profissionais têm o dever de comunicar imediatamente essa circunstância ao conselho fiscal e ao conselho deliberativo (caso esse não seja o órgão decisor), a fim de evitar a concretização do investimento aprovado.

Confira-se o disposto no § 1º do art. 158 da LSA, mutatis mutandis:

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

235 Mutatis mutandis, preceitua o art. 156, caput, da LSA:

“Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.” (grifos nossos).

236 O estatuto de grande parte das EFPCs de estatais prevê a composição de comitê (denominado

normalmente como comitê de investimento ou de aplicações) para aprovar determinadas aplicações, sendo integrado, em regra, pelo diretor financeiro, por outros diretores e por membros das gerências vinculadas à diretoria financeira.

237 Obviamente, a discordância tem que ser motivada e não pode configurar omissão funcional no

desempenho de sua atribuição legal. Conforme explica Cazetta (2006, p. 151), “o voto nas decisões colegiadas, ao tempo em que traduz parâmetro para a atribuição de responsabilidade (civil, administrativa e criminal), configura a própria expressão da finalidade institucional da representação outorgada. O esvaziamento desse fundamento lógico corporifica, por isso, omissão funcional no desempenho de atribuição legal, apta a justificar o afastamento, por justa causa, do seu responsável.”

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto.

§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral.

Em relação à esfera de controle e de fiscalização, cumpre sublinhar que o conselho fiscal, na qualidade de “órgão de controle interno da entidade” (art. 14 da LC 108), tem a atribuição de analisar não só aspectos formais dos investimentos (juízo de regularidade), mas também a sua adequação aos objetivos perseguidos

pela entidade, de acordo com as características e necessidades de seus planos de benefícios (juízo de eficiência) (CAZETTA, 2006, p. 149).

Além desse órgão interno, entende-se que a própria empresa estatal patrocinadora deve ser instada a atuar, em virtude da sua obrigação legal de fiscalização (art. 25 da LC 108). Indo mais adiante, na hipótese de se verificar eventual ingerência da patrocinadora para a realização do investimento238 – com potencial possibilidade de essa ser responsabilizada civilmente por tal agir –, pensa- se ser essencial que o Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST)239 também seja acionado (art. 4º, da LC 108), em razão de custos que podem advir com esse proceder, bem como a Autarquia fiscalizatória - a PREVIC.