• Nenhum resultado encontrado

6.5 Limites para a utilização dos fundos de pensão (de) estatais na

6.5.1 Estado na condição de patrocinador

6.5.1.2 Limites de atuação do patrocinador e da entidade política na gestão

Conforme já exposto neste trabalho, compete aos regimes obrigatórios – a cargo do Estado – garantir nível básico de bem-estar aos trabalhadores, ao passo que cabe ao regime de previdência privada perseguir a concessão de benefícios suplementares. Nesse sentido, o regime de previdência complementar fechada, por ser marcado pela facultatividade e pela contratualidade, tem a distribuição das suas

vantagens circunscrita àqueles que, voluntariamente, aderem e aportam recursos

adicionais a tal regime.

É oportuno consignar que, de acordo com a redação original da CRFB,

previdência privada e previdência complementar não eram propriamente sinônimas.

Isso porque, nos termos que dispunha o § 7º do art. 201, também tocava ao Estado “manter seguro coletivo, de caráter complementar e facultativo, custeado por contribuições adicionais.” (destaque nosso).

Nesse sentido, a previdência privada – executada por particulares – poderia coexistir com uma previdência complementar oficial, que seria gerida diretamente pelo Estado ou por alguma criatura sua, constituída para esse fim.

Vislumbra-se que tal previsão visava a atingir tanto aqueles que receavam, por desconfiança, entregar sua poupança previdenciária a particulares218, quanto àqueles trabalhadores cujo perfil não se adequava ao “modelo de fundos fechados de previdência” (v.g., trabalhadores autônomos ou de empresas de pequeno porte), além de servir de “contraponto” às entidades de previdência privada na gestão da previdência suplementar dos trabalhadores (PULINO, 2011, p. 108-109).

218 De acordo com Jardim (2014), a quebra de entidades previdenciárias constituídas sob a forma de

montepios, na década 70 (notadamente antes da regulamentação da previdência privada pela Lei 6.435, de 1977), fez com que tal segmento perdesse credibilidade frente à sociedade. Nesse sentido, havia certo ceticismo quanto à capacidade de o particular gerenciar, com segurança, poupança de longo prazo.

No entanto, até mesmo pela experiência nada animadora da gestão dos RGPS e RPPS pelo Estado, não faltaram críticas contundentes a essa possibilidade de previdência complementar:

O Estado complementar o Estado e, ao mesmo tempo, possivelmente concorrer com o particular (previdência fechada e aberta) é ideia assustadora, cuja análise depende da evolução dos acontecimentos. Se a Previdência Social básica vai bem e a complementar, mal, é interessante o Estado oferecer melhores condições e, assim, superar as necessidades. Mas hodiernamente, são muitas as razões para se pensar o contrário. É preferível o Estado diminuir a sua participação (leia-se reduzir o limite do salário-de-contribuição) se constatar a institucionalização, fortalecimento, idoneidade e desenvolvimento da Previdência Social particular. (MARTINEZ, 1994, p. 247).

Uma questão, provavelmente mais nebulosa, é a da participação da previdência complementar pública no sistema. [...] De todos os modos, sobre sua conveniência, há alguns aspectos a considerar. Uma dupla exigência dos participantes de um fundo de pensões se refere à garantia do benefício futuro e obtenção da máxima rentabilidade na aplicação dos seus recursos. Há também intuito de minimizar os aumentos da contribuição compulsória. Consequentemente, um sistema complementar público teria de seguir critérios análogos ao do setor privado na aplicação de recursos; além do mais, seu desempenho deveria constituir-se em um paradigma para todo o sistema.

Contudo, a experiência de administração pública de fundos (é o caso do próprio FGTS) tem apresentado dificuldades. Na realidade, a gravidade dos problemas sociais brasileiros exerce uma pressão irresistível sobre o Estado para utilizar saldos acumulados de recursos ‘disponíveis’, a qualquer título e sob qualquer regime, na tentativa de minorá-los. Respeitados os limites legais, é pelo menos discutível a conveniência de o setor público administrar fundos de previdência complementar, em regime de capitalização. Seria esdrúxulo operá-los com repartição simples, numa modalidade distinta dos fundos não públicos (COSTA FILHO, 1993, p. 222).

A despeito da previsão constitucional, a referida previdência complementar

oficial jamais foi instituída no Brasil, sendo extirpada do texto da CRFB no âmbito da

reforma previdenciária de 1998 (EC 20, de 1998)219.

Aborda-se esse ponto, nesta seção, com um único motivo: defender que, com tal revogação, a CRFB reforçou que a exploração da previdência complementar é atividade essencialmente privada, reservada aos particulares, inclusive quando

219 Pulino (2011, p. 104-105) observa que, historicamente, já havia previsão da previdência

complementar oficial na LOPS (art. 68), sendo que tal preceito foi reproduzido em normas infraconstitucionais seguintes, inclusive nas Leis 8.212 e 8.213, ambas de 24.07.1991 (arts. 3º e 28, § 6º e arts. 2º, VII, 9º e 153, respectivamente). No entanto, reforça que tal regime nunca chegou a ser regulamentado, “até a sua extinção pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998”.

“empresas ou outras instituições da administração pública”220 figuram na qualidade de patrocinadoras.

Em tal contexto, no que diz respeito especificamente às EFPCs de estatais, cumpre dizer que essas, desde a primeira regulação legal da matéria, sempre ostentaram natureza de direito privado, de cunho particular. Ou seja, apesar de estarem vinculadas a criaturas estatais – e, hoje, aos próprios entes políticos221 – , com esses não se confundem.

Nesse sentido, conforme se depreende da análise da Lei 6.435, de 1977222, as regras gerais do setor sempre foram aplicadas indistintamente às EFPCs patrocinadas por empresas estritamente privadas ou por sociedades e instituições estatais223. Havia, como ainda há, apenas algumas ressalvas em relação a essas últimas, que normalmente veiculavam preceitos mais rigorosos de gestão (arts. 4º, § 3º, 35, §§ 1º e 2º, 39, § 2º, 50, da Lei 6.435, de 1977).

Cabe dizer que tal situação não se modificou com a evolução normativa da matéria, uma vez que as alterações realizadas – tanto no plano constitucional como no plano legal224– sempre caminharam no sentido de limitar ainda mais a atuação do patrocinador estatal (entes políticos, entidades públicas, sociedades e instituições da administração indireta), notadamente quanto ao aporte de recursos.

Nesse diapasão, ao modificar o art. 202, a CRFB expressamente circunscreveu a atuação do Estado no setor (domínio econômico) à condição de

mero patrocinador, limitando não só o aporte de recursos, como a ingerência

estatal em tal atividade econômica.

Ressalta-se, nesse sentido, que o mais importante desses preceitos encontra- se positivado no § 3º de referido dispositivo constitucional, que veicula dois mandamentos:

220 Terminologia inicialmente utilizada no sistema jurídico pátrio, no âmbito da Lei 6.435, de 1977. 221 ECs 20, de 1998, e 41, 2003, que disciplinaram a instituição do regime de previdência

complementar fechado do regime próprio.

222 Consoante já exposto, a Lei 6.435, de 1977, trata-se da primeira lei que regulou a previdência

privada, tendo sido revogada expressamente pela LC 109, de 2001 (art. 79).

223 Indistintamente, todas deveriam ser organizadas sob a forma de sociedade civil ou fundação,

submetendo-se necessariamente ao regime de direito privado (art. 5º, II, da Lei 6.435, de 1977).

224 Mesmo durante a vigência da Lei 6.385, de 1977, as poucas alterações realizadas nesse diploma

foram no sentido de restringir a “aplicação de aspectos específicos de seu regime na esfera das relações de entidades patrocinadas por empresas estatais federais, em especial no que diz respeito ao regime de realização de aportes excepcionais (não previstos em regulamento) para a cobertura de compromissos não assumidos originalmente pelo patrocinador.” (CAZETTA, p. 24 – negritos nossos).

i) o primeiro é a vedação de o Estado (União, Estados, Municípios, Distrito Federal e entidades a eles ligadas) aportar recursos em entidades de

previdência privada, salvo na condição de patrocinador;

ii) já o segundo determina que, “em nenhuma hipótese”, a contribuição do Estado (na qualidade de patrocinador, obviamente) poderá ser superior à do segurado (regra da paridade contributiva).

Tais mandamentos têm como base, sem dúvida, o princípio da isonomia225, em razão de não fazer sentido verter recursos públicos indiscriminadamente em planos de previdência privada, cujos benefícios são restritos aos seus participantes.

Assim, essas intransponíveis restrições para o aporte de recursos estatais confirmam, por um lado, que a atuação do Estado no setor restringe-se à condição de patrocinador (evitando a socialização de riscos privados) e, por outro, que a

gestão da riqueza dos fundos de pensão (de) estatal deve ser feita em prol daqueles que correm os riscos e são os legítimos beneficiários dos investimentos realizados, em consonância com a missão constitucional e social do

regime de previdência complementar (art. 202, caput da CRFB).

Nessa medida, os administradores de tais EFPCs (diretores e, indiretamente, membros do conselho deliberativo), independentemente de quem os indicou (patrocinadora estatal ou participantes/assistidos), têm o dever basilar de atuar com autonomia226/227, com o objetivo de resguardar os interesses dos verdadeiros proprietários da poupança previdenciária.

225 Balera (2005, p. 25) e Cazetta (2006, p. 31), entre outros, sustentam esse posicionamento, com o

qual o autor concorda.

226 O art. 5º, II da Resolução CGPC 13, de 2004, que estabelece, entre outras, normas de gestão e de

governança das EFPCs, preceitua:

“Art. 5º Com relação aos órgãos estatutários, observado o disposto em lei: [...]

II – todos os seus membros devem manter independência de atuação, buscando permanentemente a defesa e a consecução dos objetivos estatutários da EFPC;”

227 No mesmo sentido, mutatis mutandis, o art. 154, da LSA:

Finalidade das Atribuições e Desvio de Poder

“Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

§ 1º O administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.” (grifos nossos).

Assim, defende-se que a sociedade patrocinadora – e/ou o ente estatal controlador – não podem determinar (mandar que se faça228) e nem mesmo orientar (nortear229) a política de investimentos dos fundos de pensão (de) estatais, uma vez que, além de esses não serem instrumentos de exploração direta de atividade econômica pelo Estado (art. 173 da CRFB), os seus ativos encontram-se afetados ao cumprimento da já citada missão constitucional: pagamento dos benefícios contratados, mediante capitalização eficiente dos recursos aportados.

Quando muito, será lícito às entidades estatais (sociedade patrocinadora e/ou controladora estatal) indicar (sugerir)230 a realização de determinado investimento que seja consentâneo com a política de desenvolvimento nacional em vigor (art. 3, II c/c art. 174 da CRFB), desde que:

i) referida sugestão seja realizada de maneira transparente e formal, a fim de que os participantes tenham plena ciência dessa circunstância, inclusive para refutá-la coletivamente (art. 202, § 1º da CRFB);

ii) o investimento proposto, além de atender aos parâmetros mínimos de

segurança previamente estabelecidos, ofereça rentabilidade e liquidez

compatíveis com os riscos assumidos no negócio, contribuindo com a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial dos planos de benefícios (art. 7º da LC 109; art. 4º da Resolução CMN 3.792, de 2009; e arts. 1º e 3º da resolução CGPC 13, de 2004);e

iii) com tal proceder, não sejam aniquilados os princípios informadores da ordem econômica, destacando-se a livre iniciativa e a livre concorrência (art. 170 da CRFB).