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O Movimento Negro entendido como movimento de cunho racial, protagonista na luta contra o racismo e por superação das desigualdades raciais bem como por políticas de promoção de igualdade racial (PAULA, 2009), tem um importante papel na denúncia e combate ao racismo, bem como na conquista de ações políticas, jurídicas e educacionais destinadas à população negra no Brasil. Na pauta de suas reivindicações sempre esteve presente o anseio por medidas concretas de superação das desigualdades sociais e equiparação social bem como a educação, entendida como agente de transformação social. Estudos apontam a importante atuação do movimento negro nesse processo de lutas por reconhecimento da equidade de direitos na educação dentro de uma realidade de exclusão, entre eles, Silva; Trigo; Marçal (2013), Passos (2004), Pinto (2013), Ciconello (2007).

O reconhecimento da importância da educação enquanto agente de emancipação se deu após a abolição, pois os ex-escravos ao perceberem-se abandonados pela sociedade e pelo Estado, que não tomaram medidas para a integração do negro ao novo regime de organização de vida e de trabalho em que foram submetidos, passaram a valorizar a escola, sendo definida socialmente pelos negros como forma de ascensão social (FERNANDES, 2008).

O movimento de protesto dos negros tem suas raízes ainda no período colonial, quando os escravos resistiam às condições a que estavam submetidos, por meio de fugas, sabotagem e afrouxamento dos trabalhos, planejamento de emboscada contra feitores e senhores, até a resistência coletiva e organizada dos quilombos, continuando após a abolição e Proclamação da República, uma vez que o preconceito de cor permanecia. Dessa forma, a discriminação racial e preconceitos

presentes durante o processo escravocrata e após a libertação, limitando a atuação do negro em todos os seguimentos sociais, político, econômico e cultural abriu espaço para que a militância negra se articulasse nas mais diversas formas de atuação e mobilização visando superar a condição de excluídos a que foram submetidos. Foram diversificados os espaços de atuação do Movimento Negro, mas em todos eles o quesito educação estava presente, por ser entendido como importante agente de superação da exclusão. Nessa direção:

Mesmo sendo esses espaços diversificados, o grande denominador das demandas dos movimentos negros era a educação formal. A educação aparece continuamente como fator reivindicatório fundamental para a superação das condições precárias em que se encontrava a população negra. (SILVA; TRIGO; MARÇAL, 2013, p. 565).

Para que essa superação fosse possível, antes dever-se-ia reconhecer que a desigualdade e a discriminação racial estavam presentes na sociedade, sendo mascarada pelo mito da democracia racial, pois durante muito tempo a ideia de que no Brasil vivia-se uma democracia racial seria um agente desmobilizador dos negros na luta por igualdade e legitimação das desigualdades raciais (HASENBALG, 2005). É nesse panorama político que o Movimento Negro, percebeu ser urgente desmascarar tal mito e mostrar o quanto a sociedade brasileira é racista, colocando em pauta a questão da desigualdade racial e exigindo do Estado o reconhecimento da existência do racismo presente na sociedade brasileira, bem como a necessidade de se traçar estratégias para combatê-lo.

Dessa forma, o primeiro grande movimento negro social, a Frente Negra Brasileira, em 1931, constitui-se importante organização de combate ao racismo e de lutas pela educação dos negros. Entre suas ações destacam-se a criação de uma escola e cursos noturnos de alfabetização de jovens e adultos negros e a publicação do jornal a Voz da Raça, que se tornou veículo de denúncia a favor da causa negra. A escola de alfabetização chegou a atender cerca de 4.000 alunos. (PAULA, 2009; GONÇALVES; SILVA 2000).

Em 1944, merece destaque a fundação do Teatro Experimental do Negro (TEN) fundado por Abdias do Nascimento, seu principal representante. Foi um movimento político de vanguarda artística focado na defesa da presença negra nos palcos brasileiros. Criou escolas de atores, publicou o jornal Quilombo, proporcionou

aulas de alfabetização e de iniciação cultural, organizou em 1950 o I Congresso do Negro Brasileiro que, na sua declaração final, apontava a preocupação com o estudo das reminiscências africanas no país, bem como as dificuldades vivenciadas pelos negros e sobre os meios de conquistas de oportunidades para a elevação cultura e social do negro (NASCIMENTO, 1968). Com a ditadura militar o Movimento Negro foi silenciado, vindo a articular-se a partir dos anos de 1970, culminando em 1978, no Movimento Negro Unificado (MNU) contra a Discriminação Racial. Esse, foi um espaço privilegiado de debates sobre o racismo, a discriminação e o preconceito racial, buscando valorizar a contribuição do negro para a construção do país, adotando ideias de pan-africanismo e afrocentrismo, bem como a inserção da história da África no currículo escolar. Sua atuação inspirada na luta dos negros pelos direitos civis nos Estados Unidos e pela emancipação nacional no contexto de independência dos países africanos. Nessa perspectiva:

Os anos de 1980 vão marcar uma fase antinacionalista do Movimento Negro, denunciando os efeitos perversos da ideologia do branqueamento, influenciados pela luta e conquista dos negros na América e emancipação colonial na África. (PAULA, 2009. p. 111- 112).

Assim, as décadas de 1980 e 1990 foram profundamente marcadas por debates em torno das questões raciais e da obrigatoriedade de um currículo que abordasse o ensino da história da África e do negro no Brasil. Diante da iminência da Constituição de 1988, as entidades negras pressionaram para que fosse incluído no texto da lei o reconhecimento e valorização da diversidade racial brasileira, resultando daí, ser considerado crime inafiançável os preconceitos de raça e cor, bem como a valorização das manifestações culturais indígenas e afro-brasileira. A Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, de 1995, merece destaque nesse processo, pela importância enquanto instrumento de denúncia e condenação da discriminação racial e desmascaramento do mito da democracia racial.

Na ocasião, foi entregue um documento ao presidente da República que continha um diagnóstico da situação social dos negros e propostas de combate ao racismo, no que diz respeito à educação. Essas propostas requerem: escolas públicas de qualidade; monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e programas educativos; formação de professores e educadores para a temática

racial; eliminação do analfabetismo; necessidade de ações afirmativas para acesso a cursos profissionalizantes e universidade (SILVA; TRIGO; MARÇAL, 2013).

Outro acontecimento que merece destaque nesse cenário de lutas antirracistas, foi a realização da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, promovida pela Organização Nacional das Nações Unidas (ONU), no ano de 2011, em Durban, na África do Sul. A declaração e o Plano de ação resultantes dessa III Conferência atribuíram aos Estados signatários a responsabilidade de adotarem políticas de inclusão sociorracial (SILVA; TRIGO; MARÇAL, 2013).

Desse contexto de lutas, pressões e avanços dos diversos movimentos sociais de cunho racial pró-educação, resultou a inclusão de disciplinas sobre a história dos negros no Brasil e a história do continente africano nos ensinos fundamental e médio de escolas públicas de alguns estados do país, por meio de legislações estaduais (Bahia, Rio de Janeiro, Alagoas), municipais (Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro) e ordinárias (Belém, Aracaju, São Paulo). Mais tarde da obrigatoriedade em nível nacional, foi instituída a Lei 10.639/03, incorporando à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-Brasileira e africana nas escolas de todo o país (SANTOS, 2005). A aprovação dessa lei representou um importante passo em direção a democratização do ensino e na luta contra o racismo presente na sociedade.

Diante de tantas realizações, percebe-se que a agenda política do Movimento Negro foi bastante diversificada, incluindo a luta por políticas de igualdade e reconhecimento dos negros, pela inclusão do ensino de história e cultura afro- brasileira nos currículos escolares, pela transformação do racismo em crime, pela ação simbólica em torno de datas comemorativas, enfim, pelo reconhecimento da importante contribuição da matriz africana na história e construção do Brasil. Nas últimas décadas o Movimento Negro tem se destacado no campo das ações afirmativas, visando o acesso e permanência de jovens negros nas universidades. É notório a sua importância nas conquistas no campo da educação no país, pois muito do que se encontra nos documentos e leis educacionais são frutos de suas reivindicações. Ainda tem muito que se fazer, sendo imprescindível a continuidade das exigências para de fato acontecer a promoção da igualdade racial e social no Brasil.